quarta-feira, 8 de julho de 2020

Novo Banco vendeu activos com 70% de desconto a fundo ao qual o seu chairman esteve ligado / New Bank sold assets with 70% discount to which its chairman was connected




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Novo Banco vendeu activos com 70% de desconto a fundo ao qual o seu chairman esteve ligado

Até ser nomeado chairman do Novo Banco, Byron Haines liderou um banco detido pelo fundo Cereberus. Foi a este fundo que o banco vendeu 200 imóveis com uma perda de 328 milhões de euros. Uma queixa à autoridade europeia denuncia “gestão ruinosa”, “conflito de interesses” e pede uma investigação criminal.

Cristina Ferreira
Cristina Ferreira 8 de Julho de 2020, 7:00

Em Agosto de 2019, o Novo Banco vendeu um lote de quase 200 imóveis com um desconto próximo de 70%, a entidades ligadas ao fundo norte-americano Cerberus. A operação ter-se-ia destacado apenas pela perda de 328,8 milhões de euros caso o fundo comprador não fosse o principal accionista do banco austríaco BAGAW P.S.K. que foi gerido por Byron Haines até este assumir o cargo de chairman da instituição financeira portuguesa. Os indícios de conflito de interesse e de eventuais decisões ruinosas no Novo Banco deram origem a uma queixa reportada à ESMA, Autoridade Europeia de Mercados e Títulos, na qual também se requer que se apure se “pessoas politicamente expostas” estiveram envolvidas na transacção.

No dia 7 de Agosto de 2019 o Novo Banco vendeu por 159 milhões de euros um lote de 195 propriedades agregadas a sociedades detidas indirectamente pelo fundo norte-americano Cerberus, que as adquiriram com um desconto de 67,9%. O valor bruto contabilístico da carteira de activos imobiliários era de 487,8 milhões de euros e o conjunto incluía 1.228 unidades individuais, de diferentes usos (industrial, comercial, terrenos e residencial), abarcando também estacionamentos. A gestão do Novo Banco baptizou a transacção de “Project Sertorius”.

Contas feitas, o negócio implicou uma perda de 328,8 milhões de euros em relação ao valor dos activos registados no banco, ainda que tenha ocorrido num contexto em que o mercado imobiliário em Portugal se valorizou 15,6% em cinco anos. O fundo nova-iorquino Cerberus relacionado com os veículos que adquiriram os imóveis desvalorizados é, desde 2006, o dono do banco austríaco BAGAW P.S.K., cujo CEO foi, até Março de 2017, Byron Haynes. Trata-se do actual chairman do Novo Banco, em funções desde Outubro de 2017.

Todas as informações constam da queixa enviada a 30 de Dezembro de 2019 à ESMA, e quem a subscreve tem envolvimento e interesse directo no Novo Banco. Na denúncia, é sublinhado que o desconto de 67,9% “oferecido pelo Conselho de Administração do Novo Banco” às sociedades do universo do fundo Cerberus consistiu “numa decisão ruinosa”. E, por isso, é pedido que a autoridade europeia garanta o “direito” de os stakeholders, do banco saberem se apurarem as razões que levam “o Novo Banco a vender activos abaixo do seu valor.” Na queixa, é também realçado que “o Project Sertorius foi executado num claro conflito de interesses, dado que Haynes, o chairman do Novo Banco, foi até final de 2017 o CEO do BAGAW P.S.K., do qual o Cerberus é o accionista.”

Chairman na supervisão
Depois de, em Outubro de 2017, o fundo norte-americano Lone Star ter concretizado a compra de 75% do banco português (injectando quase mil milhões de euros), e ter assumido o controlo total da gestão, foi buscar o britânico Byron Haynes, para presidir ao CGS (Conselho Geral e de Supervisão, o equivalente a uma administração não executiva) do Novo Banco, que é reportado na qualidade de independente. A escolha do britânico, devido à sua experiência de gestão no banco austríaco BAGAW P.S.K., sob fiscalização europeia, serviu então para legitimar a presença do Lone Star como accionista de controlo do Novo Banco.


Apesar de ser o chairman do Novo Banco, o CGS indicou-o para integrar três dos principais órgãos de controlo interno. Um deles é o comité de risco (onde está também o vice-presidente Karl-Gerhard Eick), a que preside, que tem, entre outras competências, a análise das operações de crédito e a tomada de decisões sobre alterações de políticas de risco.

Haynes preside ainda ao comité de remunerações, que aprova a contratação de colaboradores com remuneração anual superior a 200 mil euros. E integra o comité para as matérias financeiras, que faz o “acompanhamento e a supervisão da performance financeira”, das “políticas e processos de reporte de contas e no acompanhamento do auditor externo”, este encabeçado pelo seu número dois, Gerhard Eick, apresentado como independente, mas que está relacionado com a Lone Star (IKB).

Quem a assina a denúncia, sugere à directora executiva da ESMA, Verena Ross, que equacione avançar com um pedido de investigação criminal aos actos de gestão do Novo Banco, deixando questões para serem respondidas: “Qual é nome do último beneficiário das entidades detidas indirectamente pelos fundos de investimentos geridos pelo Cerberus?”; “Qual é o montante de crédito concedido pelo Novo Banco ao Cerberus Capital na transacção do Project Sertorius”; “Porque que é que o Novo Banco está a esconder informação pública relevante?”; “Será para esconder os montantes de compensação pedidos ao governo português no âmbito do Acordo de Capital Contingente?”; ou, ainda, para saber se a ausência de informações acontece “devido às decisões ruinosas do Conselho de Administração do Novo Banco?”

Logo nas primeiras linhas da queixa, é mencionado que o objectivo da comunicação é denunciar as “irregularidades no Novo Banco associadas à apresentação de informação e de práticas contabilísticas relativamente à venda do portfolio de imóveis, conhecido como Project Sertorius”. A autoridade europeia é instada a obrigar o Novo Banco a prestar informação completa aos stakeholders sobre esta operação, em particular sobre os valores de venda dos activos imobiliários, com o tal desconto de 67,9%, assim como a sua localização geográfica. Na mesma carta, com três páginas, é descrito que o mecanismo de capital contingente “permite enganar o Estado português com operações como” a do “Projecto Sertorius”.

“Tudo o que se passa no Novo Banco só foi possível devido às condições do acordo de venda fechado em Outubro de 2017”, é referido à ESMA. E isto porque, explicam os autores da queixa, o negócio está protegido por uma almofada de capital (público) contingente de 3,89 mil milhões de euros, a que o Novo Banco pode aceder automaticamente sempre que necessitar de repor os rácios de capital nos patamares definidos ou acomodar as perdas relacionadas com créditos. E é precisamente o que o Lone Star tem vindo a fazer nos últimos dois anos e meio. Desde Outubro de 2017 que o Fundo de Resolução, que é risco público, já injectou no Novo Banco 2,9 mil milhões de euros (2, 1 mil milhões dos quais com empréstimos do Tesouro), do bolo de 3,89 mil milhões.

O procedimento é este: o Novo Banco solicita ao Fundo de Resolução acesso ao mecanismo de capital contingente, o Fundo de Resolução, gerido no quadro do BdP, após verificar se as condições do protocolo assinado são respeitadas, autoriza e informa o Conselho de Administração do BdP da sua avaliação. E é a equipa de Carlos Costa que comunica o pedido ao Ministério das Finanças que transfere os fundos, a título de empréstimo ao Fundo de Resolução, a 40 anos.

A negociação deste acordo que envolve a utilização de dinheiros públicos foi encabeçada por Sérgio Monteiro, o ex-secretário de Estado das Obras Públicas de Pedro Passos Coelho, que actuou por delegação do BdP, ainda chefiado por Carlos Costa. O primeiro contrato, de 12 meses, assinado (em 2015) com Monteiro custou ao Fundo de Resolução 304,8 mil euros brutos e o último de seis meses mais 152,4 mil.   

Quando o acordo foi assinado o Fundo de Resolução (que era o dono de 100% do Novo Banco) era presidido pelo vice-governador José Ramalho, mais tarde substituído por Luís Máximo dos Santos, agora no cargo. Já no Ministério das Finanças estava em Outubro de 2017 Mário Centeno, que em Junho último renunciou, para ser indicado por António Costa como próximo governador do BdP. E será agora nessa nova função (ainda por formalizar), que terá de decidir sobre futuros pedidos de injecções de fundos.

O PÚBLICO tentou obter comentários aos factos expostos na queixa à EDMA junto do Novo Banco. Anteriormente tinha igualmente procurado esclarecimentos sobre a alienação de activos por parte da instituição financeira junto do Banco de Portugal. Estas diligências não tiveram sucesso.



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New Bank sold assets with 70% discount to which its chairman was connected

Until he was appointed chairman of Novo Banco, Byron Haines led a bank owned by the Cereberus fund. It was to this fund that the bank sold 200 properties with a loss of 328 million euros. A complaint to the European authority denounces "ruinous management", "conflict of interest" and calls for a criminal investigation.

Cristina Ferreira
Cristina Ferreira July 8, 2020, 7:00

In August 2019, Novo Banco sold a lot of nearly 200 properties at a discount close to 70%, to entities linked to the U.S. fund Cerberus. The transaction would have been highlighted only by the loss of EUR 328.8 million if the purchasing fund was not the main shareholder of the Austrian bank BAGAW P.S.K. which was managed by Byron Haines until he took over as chairman of the Portuguese financial institution. Evidence of a conflict of interest and possible ruinous decisions at Novo Banco gave rise to a complaint reported to ESMA, the European Securities and Markets Authority, in which it is also required to determine whether "politically exposed persons" were involved in the transaction.

On 7 August 2019 Novo Banco sold for EUR 159 million a lot of 195 properties aggregated to companies indirectly owned by the US fund Cerberus, which acquired them at a discount of 67.9%. The gross book value of the real estate asset portfolio was 487.8 million euros and the set included 1,228 individual units of different uses (industrial, commercial, land and residential), also covering parking lots. Novo Banco's management named the transaction "Project Sertorius".

Accounts made, the business implied a loss of 328.8 million euros in relation to the value of the assets registered in the bank, although it occurred in a context where the real estate market in Portugal was valued 15.6% in five years. Since 2006, the owner of the Austrian bank BAGAW P.S.K., whose CEO was byron Haynes, until March 2017. This is the current chairman of Novo Banco, in office since October 2017.

All information is contained in the complaint sent on 30 December 2019 to ESMA, and those who subscribe to it have involvement and direct interest in Novo Banco. In the complaint, it is stressed that the 67.9% discount "offered by the Board of Directors of Novo Banco" to companies in the universe of the Cerberus fund consisted of "a ruinous decision". And, therefore, the European authority is asked to guarantee the "right" of the bank's stakeholders to know if they determine the reasons that lead "Novo Banco to sell assets below their value." In the complaint, it is also pointed out that "Project Sertorius was executed in a clear conflict of interest, given that Haynes, the chairman of Novo Banco, was until the end of 2017 the CEO of BAGAW P.S.K., of which Cerberus is the shareholder."

Chairman in supervision
After, in October 2017, the US fund Lone Star made the purchase of 75% of the bank Portuguese (injecting almost €1 billion), and took full control of management, went to the British Byron Haynes to chair the CGS (General and Supervisory Board, the equivalent of a non-executive management) of novo Banco, which is reported as an independent. The choice of the British, due to his management experience at the Austrian bank BAGAW P.S.K., under European supervision, then served to legitimize the presence of Lone Star as a controlling shareholder of Novo Banco.


Despite being the chairman of Novo Banco, CGS appointed him to be part of three of the main internal control bodies. One of them is the risk committee (where vice-president Karl-Gerhard Eick is also), which he chairs, which has, among other powers, the analysis of credit operations and decision-making on risk policy changes.

Haynes also chairs the remuneration committee, which approves the hiring of employees with annual remuneration of more than 200,000 euros. He is part of the committee for financial matters, which does the "monitoring and supervision of financial performance", of the "policies and processes of reporting of accounts and in the monitoring of the external auditor", this headed by its number two, Gerhard Eick, presented as independent, but which is related to Lone Star (IKB).

Whoever signs the complaint suggests to ESMA's executive director, Verena Ross, to consider going ahead with a request for a criminal investigation into Novo Banco's management acts, leaving questions to be answered: "What is the name of the last beneficiary of entities indirectly held by investment funds managed by Cerberus?"; "What is the amount of credit granted by Novo Banco to Cerberus Capital in the Project Sertorius transaction"; "Why is Novo Banco hiding relevant public information?"; "Will it be to hide the amounts of compensation requested from the government Portuguese under the Contingent Capital Agreement?"; or, furthermore, to know if the lack of information happens "due to the ruinous decisions of the Board of Directors of Novo Banco?"

In the first lines of the complaint, it is mentioned that the purpose of the communication is to denounce the "irregularities in Novo Banco associated with the presentation of information and accounting practices regarding the sale of the real estate portfolio, known as Project Sertorius". The European authority is urged to compel Novo Banco to provide full information to stakeholders on this transaction, in particular on the sale values of real estate assets, with such a discount of 67.9%, as well as their geographical location. In the same letter, with three pages, it is described that the contingent capital mechanism "allows to deceive the State Portuguese with operations such as" that of the "Sertorius Project".

"Everything that goes on at Novo Banco was only possible due to the conditions of the sale agreement closed in October 2017," ESMA said. And this is because, the complainers explain, the business is protected by a contingent (public) capital cushion of 3.89 billion euros, which Novo Banco can automatically access whenever it needs to reset capital ratios at the set levels or accommodate credit-related losses. And that's exactly what the Lone Star has been doing for the last two and a half years. Since October 2017, the resolution fund, which is a public risk, has already injected the New Bank with €2.9 billion (€2.1 billion of which with Treasury loans) from the cake of €3.89 billion.

The procedure is this: Novo Banco requests the Resolution Fund access to the contingent capital mechanism, the Resolution Fund, managed under the BdP, after verifying that the conditions of the signed protocol are respected, authorizes and informs the Board of Directors of the BdP of its assessment. And it is Carlos Costa's team that communicates the request to the Ministry of Finance that transfers the funds, as a loan to the Resolution Fund, to 40 years.

The negotiation of this agreement involving the use of public money was headed by Sérgio Monteiro, the former Secretary of State for Public Works of Pedro Passos Coelho, who acted by delegation of the BdP, still headed by Carlos Costa. The first contract, of 12 months, signed (in 2015) with Monteiro cost the Resolution Fund 304,800 gross euros and the last of six months plus 152.4 thousand.

When the agreement was signed the Resolution Fund (which owned 100% of Novo Banco) was chaired by Deputy Governor José Ramalho, later replaced by Luís Máximo dos Santos, now in office. Already in the Ministry of Finance was in October 2017 Mário Centeno, who last June resigned, to be appointed by António Costa as the next governor of the BdP. And it will now be in this new role (yet to be formalized), which will have to decide on future requests for injections of funds.

THE PUBLICO tried to obtain comments on the facts exposed in the complaint to EDMA with Novo Banco. Previously, it had also sought clarification on the disposal of assets by the financial institution to Banco de Portugal. These  steps were    .  unsuccessful.

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