IMAGEM DE
OVOODOCORVO
Fernando Medina:
"Não sei o que é ter turistas a mais"
O presidente da
Câmara de Lisboa rejeita o conceito de "turismo a mais" e sublinha
que é necessário assegurar que não há "estrangulamentos na procura"
27 de Setembro de
2016
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CRÓNICA
Medina quer reconstruir o que foi aniquilado
As últimas declarações de Fernando Medina acerca de
Lisboa surpreenderam, porque em grande medida são a antítese das políticas
desencadeadas nos últimos anos. Será possível uma inversão?
VÍTOR BELANCIANO
19 de Julho de
2020, 7:58
A publicidade,
como se viu durante o confinamento, transfigura-se. Um dia, acena-nos que
alcançaremos o topo do mundo se comprarmos o último modelo de telemóvel, e no
seguinte, propaga os valores da solidariedade e da generosidade, com o mesmo
objectivo: vender.
As últimas
declarações de Fernando Medina é nisso que fazem pensar. A “marca” Lisboa –
como passou a dizer-se – tem de se reposicionar no competitivo mercado global
das cidades e muda-se de discurso. Há um ano o presidente da Câmara partilhava
nas redes sociais um artigo do The Times onde Lisboa era qualificada como
cidade das “oportunidades” para os investidores. Nada de mais, já que sempre
defendeu o turismo a todo o vapor e a atracção de investimento estrangeiro e de
grandes eventos como motores da “marca”. Quem podia “consumia” essa cidade. Os
outros foram expulsos dela.
Agora as
“oportunidades” poderão advir da pós-pandemia. Ainda esta quinta-feira, quando
participava num debate, afirmou que as dificuldades podem ser oportunidades
para resolver problemas, como o acesso à habitação, o congestionamento ou a
poluição, repetindo aquilo que já opinara no jornal inglês The Independent no
início do mês. Aí defendia a redução dos arrendamentos turísticos de curta
duração, o acesso à habitação das classes médias, a diversificação do tecido
social e económico, um turismo mais sustentado, compatível com os que residem e
trabalham nos centros urbanos, enfim, uma cidade mais densa, compacta, com
bairros de escala humana, e atenta aos valores ambientais.
É como se depois
da pandemia se tivesse apoderado das críticas que lhe foram sendo endereçadas
ao longo dos anos, mas sem que em algum momento reflectisse sobre o que nos fez
chegar aqui. Esta visão não é nova. Também no passado recente a narrativa de
que as crises aguçam o engenho se impôs. Foi assim na Lisboa pós-crise
financeira, que arriscou tudo na monocultura do turismo, com os resultados que
agora se vislumbram, devido à excessiva dependência. Nada contra o turismo,
seja do ponto de vista cultural, da diversidade ou económico, mas na aposta num
único vector de desenvolvimento, com efeitos na especulação imobiliária e no
sacrifício do tecido social urbano, sem que exista uma visão integrada da
cidade e sem que os problemas estruturais da área metropolitana sejam
resolvidos, como agora o vírus expôs, reforçando as desigualdades.
No meio destas
inesperadas declarações, contrárias às políticas desenvolvidas até aqui, não se
vislumbra um plano estratégico, para lá das palavras de ocasião. Pior. Se
existiu algo que ficou patente nos últimos anos foi a incapacidade de fazer
participar os cidadãos nas decisões, fruto de uma administração demasiado
hierarquizada. Onde está um plano para incentivar o debate de ideias e de
propostas?
Têm existido
algumas medidas envolvendo percursos cicláveis que, apesar de nem sempre bem
delineados, vão na direcção da filosofia certa, e declarações no sentido de se
transformar parcialmente o alojamento local para arrendamento de longa duração
a custos acessíveis. Mas não nos iludamos. Isso é quase nada. Os transportes, a
habitação e as inúmeras exclusões, não se resolvem com medidas suavizantes. É
preciso que os cidadãos sintam que não são as ambições de fundos imobiliários
ou de grandes promotores que são protegidos e que a defesa do interesse público
e do bem comum estão em primeiro lugar.
A tarefa é
complexa. Mas se não for desencadeada ficaremos pelos rótulos promocionais da
cidade. Cabe a Medina decidir se quer ser uma marioneta do jogo do capital, que
está sempre cómodo em reconstruir aquilo que vai aniquilando — é aliás assim
que nos mantém presos na sua teia, criando a ilusão da transformação e do
dinamismo — ou passar das palavras à acção, encetando verdadeiras mudanças e envolvendo
nelas os cidadãos.
E… a 23 de
Novembro de 2016
OPINIÃO
Os efeitos da Turistificação de Lisboa
Cada vez mais gente e menos lisboetas. Câmara entrega a
gestão da habitação ao aluguer online de alojamento para férias
António Sérgio
Rosa de Carvalho
23 de Novembro de
2016, 9:45
Fernando
Medina não acompanha a Imprensa
internacional. Se o fizesse, ter-se-ia apercebido de uma avalanche de notícias
na Imprensa local de Nova Iorque e de
várias cidades Europeias sobre os efeitos perversos conjugados e
interactivos da Turistificação desenfreada, da Globalização desmedida e da
Gentrificaçào galopante na vida quotidiana dos habitantes locais nestas
cidades.
Um clamor
profundo, uma agitação permanente de insatisfação e um desejo urgente e
imperativo de mudança, de regulamentos, de fiscalização e de liderança
por parte dos habitantes, ameaça traduzir-se em consequências políticas,
e faz acordar os autarcas.
Temos ouvido
sobre as situações em Barcelona e Berlim e das condições impostas à AIRBNB que
vão desde a proibição total na capital alemã até à imposição de um rigoroso
regulamento na cidade da Catalunha.
Numa longa luta
do Municipal com a Airbnb [aluguer de alojamento para férias], Nova Iorque quer
agora proibir o aluguer de alojamentos através da AIRBNB por um período
inferior a 30 dias. Medida destinada a proteger a cidade dos efeitos perversos
das estadias curtas / low cost do turismo barato, massificado, predador e
desinteressante. Densidade intensa de ocupação do espaço físico sem interesse
económico e mais valias financeiras, a não ser, para os estabelecimentos também
eles “predadores” do comércio tradicional, ou seja, “comes e bebes” e
“quinquilharia” pseudoturística em dezenas de lojas asiáticas e afins.
A 6 de Outubro, o
“Guardian” publicou um conjunto de três artigos sobre a interligação destes
temas, tendo um deles sido dedicado à relação de Amsterdão com a AIRBNB.
Embora Amsterdão
tenha imposto um regulamento claro à Airbnb, ocupação máxima de 60 dias por ano e o máximo de quatro
pessoas por edifício, os efeitos sociais de descaracterização dos bairros têm
sido devastadores. O investimento especulativo junto à forte subida do preço da
habitação (também no aluguer a “expats” do mundo empresarial ) está a expulsar
progressivamente os habitantes locais,
transformando os bairros em plataformas rotativas e contínuas de “idas e
vindas” de forasteiros híper individualizados e indiferentes aos locais, e a
transformar os antigos bairros em locais alienados onde ninguém se conhece e
onde reina o anonimato.
Amsterdão
tem fiscalizado intensamente a ocupação
através da Airbnb mas é confrontada com
a recusa pela própria Airbnb de fornecimento de dados. Num espaço limitado
fisicamente como a pitoresca Amsterdão, a invasão turística low-cost / aluguer
Airbnb, está a levar a efeitos explosivos no trânsito, no comércio local onde
polulam as lojas de vocação turística e de souvenirs e está a provocar uma
avalanche de insatisfação traduzida em irritação ou animosidade explícita para
com o turismo.
De tal forma que, muito recentemente, a
autarquia fez um discurso explícito inteiramente dedicado a estes temas, onde
anunciou uma atitude de exigência e fiscalização ainda mais rigorosa para com a
Airbnb, medidas legislativas em conjunto com Haia que tornem possível a escolha
do tipo de lojas a instalar em cada rua e uma atitude nítida de selecção do
tipo de turismo, numa definição e
escolha dirigida à clara diferenciação entre o turismo desejável e indesejável.
Numa entrevista
publicada a 18 de Janeiro no PÚBLICO, o Director Ibérico da Airbnb anunciava
orgulhoso: “A evolução em 2015 face ao ano anterior foi de 65%. Portugal está
no 11.º lugar mundial em termos de anúncios na Airbnb, num ranking liderado
pelos EUA. A Airbnb captou um milhão de pessoas em 2015.”
Orgulhoso, e
claro, satisfeito. A Airbnb não está sujeita a qualquer tipo de regulamento,
exigência ou fiscalização em Portugal. Mais. A AIRBNB colabora com a Autarquia
e o Governo, de forma a que os impostos sejam cobrados ao Alojamento Local.
Estes aumentaram.
Mas os efeitos
devastadores são ignorados ou mesmo negados por Fernando Medina que se tem
mostrado irónico ou furtivo sobre estes problemas fundamentais para o presente
e o futuro estratégico da cidade de Lisboa.
Que este se torne
o tema fundamental de discussão de todas as forças políticas em direcção às
eleições autárquicas, é um imperativo. Não se trata de cor política, mas de um
tema Universal de Ecologia Urbana e de equilíbrio salutar no organismo vivo que
constitui uma verdadeira cidade.
A Turistificação
desenfreada, a Globalização desmedida e a Gentrificaçào galopante estão a matar
as cidades.
Historiador
de Arquitectura
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