Sobre a polémica
intervenção das Cardosas, o relatório do ICOMOS e afins, o VOODOCORVO aconselha
a visita dos seguintes links :
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OPINIÃO
Património, centros históricos e
arquitectura
JOSÉ FERRÃO
AFONSO 02/07/2014 – PÚBLICO
Há poucas semanas,
a fachada principal da Reitoria da Universidade do Porto, voltada aos Leões,
foi completamente revestida por um enorme painel publicitário. Afinal, o Centro
Histórico do Porto foi considerado pela Unesco Património Cultural da
Humanidade em 1996 e uma situação como essa, de que é responsável o mas
importante organismo cultural da cidade — a Universidade — é, pelo menos,
insólita. A reitoria, antiga Academia da Marinha e Comércio, é um dos mais
importantes exemplares da arquitectura neoclássica portuguesa e o seu embrulho
“Christiano” é revelador da ideia de mercantilização que se apoderou da palavra
“património”.
A reitoria está,
porém, longe de ser um caso único. A mercantilização presidiu igualmente a uma
série de intervenções que, em tempos recentes, ocorreram no centro histórico. Entre
elas sobressai, pela sua violência, a renovação do quarteirão das Cardosas,
levada a cabo pela SRU — operação abertamente condenada pela Unesco —, que fez
desaparecer o claustro do antigo convento de Santo Elói e destruiu uma série de
fachadas traseiras de habitações, algumas delas quinhentistas, cujas frentes se
voltam para a rua das Flores. Em seu lugar, ergueu-se um conjunto de alegres e
pinturescos cenários, revestidos a azulejo multicor, que fazem inveja ao
Portugal dos Pequeninos. A mercantilização, obrigatoriamente “imitativa”, tem
outros exemplos; a retirada recente, na rua da Bainharia, de um dos únicos
pórticos de arquitectura renascentista existentes no Porto e a sua substituição
por um ersatz em granito polido é um dos mais preocupantes. Noutros casos, as
intervenções revelam da mais pura ignorância: o revestimento da escarpa das
Escadas do Colégio, frente à igreja de S. Lourenço, por uma rede metálica,
deturpou por completo o profundo simbolismo clássico do conjunto, em que a obra
da natureza — a escarpa — era enquadrada pela do homem — a escada.
Uma cidade é um
organismo vivo. Resulta de uma sucessão estratigráfica muito próxima, escrita e
reescrita por gerações sucessivas. As preocupações sociais, económicas,
estéticas e simbólicas do homem estão na origem dessa sucessão. Assim, as
demolições, como as reconstruções, fazem parte de um processo que não se pode
pôr em causa; foram e serão sempre um dos motores da paisagem urbana. Quando
necessárias, devem avançar; sem essa renovação, o imobilismo congelado dos
parques temáticos invade os centros históricos. A esta imobilidade conduziu o
conceito de património, encarado como síntese globalizante; a preocupação em
substituir o original por duplos andróides é uma consequência desse processo. A
essa visão burocrática e sintética deve substituir-se, portanto, a proximidade
analítica do primado da arquitectura e do projecto. O que implicará o
reconhecimento de que o conceito de património, cada vez mais indexado aos
centros urbanos antigos, se foi, em determinada época, instrumental e
extremamente útil, rapidamente degenerou, por questões que lhe eram intrínsecas
e foram exponenciadas e manipuladas pelo poder político.
Regressando ao
caso do embrulho da reitoria: devemos retirar das cidades os painéis, feitos de
conceitos grandiloquentes, que completamente as desfiguram…
Docente da Escola
das Artes da Universidade Católica Portuguesa, no Porto
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