"Nós inventámos a política para deixarmos de ter donos."
José Adelino Maltez
OPINIÃO
Das tralhas e dos contos
JOSÉ ADELINO
MALTEZ 02/07/2014 - PÚBLICO
O chamado debate
sobre o estado da nação é uma espécie de discurso da coroa posto no princípio
do fim da sessão parlamentar, onde o aparelho de poder faz um ditado sobre as
boas intenções de um inferno que são sempre os outros, os que disputam sobre a
pesada herança das tralhas.
Basta recordar a
“Arte de Furtar”, de 1652: todos aceitam a regra de "viva quem vence. E
vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe
rende".
Chega de espírito
de seitas. Das que assumem que os respectivos adversários não podem ser honestos
nem inteligentes, como dizia Orwell. Das que proclamam ter o monopólio da
verdade, do caminho e da virtude.
Esta democracia
precisa de heróis e poetas, de exemplos morais que não nos rebaixem os fins
políticos. Precisa de se refundar, com menos caixeiros-viajantes, menos
merceeiros e menos delegados de propaganda da banha da cobra. Precisa que os
parcos factores nacionais de poder sejam civicamente controlados, porque,
enquanto continuar a bancarrota doce, os executivos tendem a ser meros
intermediários da ditadura da geofinança.
Urge sair deste
interregno, onde os súbditos não são cidadãos, não se preocupam com isso e não
pensam que podem libertar-se da sujeição, conforme Maquiavel descrevia os
estados eclesiásticos. Cansa o regime das consultadorias apátridas que fazem
tradução em calão de catálogos de medidas para uso dos bons alunos do sistema
de que são empregados.
Nós inventámos a
política para deixarmos de ter donos.
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