EDITORIAL / PÚBLICO
É urgente travar a sangria no BES
O problema no banco não é apenas de liderança. Os mercados têm medo do
desconhecido
O governador do
Banco de Portugal foi bastante célere e diligente a detectar e a tentar
resolver os problemas que afligem o Grupo Espírito Santo. Carlos Costa foi
rápido a separar o negócio financeiro e não financeiro do grupo para evitar que
os problemas da família contagiassem o banco. E conseguiu, com bastante
sucesso, afastar todos os elementos da família da gestão executiva do BES.
Na cabeça de
Carlos Costa, o assunto, bem ou mal, estava relativamente sanado. Mas os
mercados não se deram por convencidos. Continuaram muitas dúvidas por
esclarecer. A mais relevante nesta altura é perceber o grau de exposição do
banco às holdings da família Espírito Santo, ou seja, qual o impacto nas contas
do banco se houver um incumprimento por parte das empresas do grupo.
Pior do que saber
se o banco pode perder mais milhão, menos milhão, do que os mercados têm
realmente medo é do desconhecido e, como tal, tendem a exagerar na reacção. Por
isso é que o dia de ontem foi dramático, quer para as acções do BES quer para
as restantes empresas na Bolsa de Lisboa. Aliás, a onda de choque foi tal que o
“efeito BES” transpôs fronteiras e contagiou a negociação nas maiores praças
financeiras do mundo. O pior que nesta altura pode acontecer a Portugal é sair
do resgate da troika e voltar a ser manchete nos jornais internacionais por
causa de um problema na banca.
O Banco de
Portugal tem nesta altura a obrigação de esclarecer tudo o que se passa no BES,
até ao ínfimo pormenor, para afastar todas as dúvidas sobre a solidez do banco
e para que os investidores voltem a confiar no banco. O principal activo de um
banco não é o dinheiro que tem à sua guarda, é a confiança que as pessoas
depositam nele. E o BES já deu provas de ser um banco sólido.
Ulrich vê problemas no GES como
um “abcesso” no caminho de Portugal para a retoma
O que se passa com o BES Angola, com as holdings do GES e o investimento da
PT na Rioforte tem de ser explicado, diz líder do BPI
11-7-2014 / PÚBLICO
Os problemas que
vive o Grupo Espírito Santo (GES) são um “abcesso” no percurso que Portugal
está a fazer para reconquistar a credibilidade internacional e voltar ao
crescimento económico, disse ontem o presidente do Banco BPI.
“É um abcesso na
caminhada de Portugal rumo à credibilidade e crescimento”, afirmou o banqueiro,
acrescentando que “é preciso tirar isto dos holofotes”. Fernando Ulrich disse
esperar que quando surgir um comunicado do Banco Espírito Santo (BES) este
“seja suficientemente esclarecedor”. Sobretudo sobre “três pontos que têm de
ser explicados de uma forma que permita que até os alunos da quarta classe compreendam”,
disse, citado pela Lusa.
O primeiro ponto
prende-se com o BES Angola e a garantia dada pelo Estado angolano a boa parte
do crédito concedido pela entidade naquele país. “Há a questão da garantia do
Estado angolano. Mas só isso não aguenta a credibilidade. Pode segurar durante
uma ou duas semanas, mas não mais do que isso. Dizer que o Estado angolano deu
uma garantia a 70% da carteira de crédito do BES Angola [no valor de 4,2 mil
milhões de euros] é uma foto”, sublinhou.
“Depois, é
preciso fazer o filme inteiro. É legítimo questionar se algum Estado dá uma
garantia de 70% sobre uma carteira de crédito sem pedir nada em troca”, vincou
o presidente do BPI. “Já se fala da nacionalização do BES Angola. Se acontecer,
o BES perde uma importante fonte de receitas. Os analistas querem saber o que
se vai passar”, continuou Ulrich. O segundo ponto é o investimento de 900
milhões de euros feito pela Portugal Telecom (PT) em papel comercial da
Rioforte, empresa do GES. “A questão que se coloca é se a PT vai ser paga ou
não. Façam as contas e expliquem o que isto pode significar.”
Por fim, destacou
que é preciso saber “o que se passa no banco para cima”, isto é, nas holdings
do GES. “Tem de haver uma explicação, mas com números, setinhas e gráficos.
Dizer que está tudo bem não chega. Quando já se sabe que há um problema e é
grande, explique-se.”
Instabilidade no BES faz
regressar fantasma da crise a Portugal
Ulrich fala em “abcesso” no caminho do país para a retoma Juros da dívida
sobem Autoridades reclamam clarificação das relações no Grupo Espírito Santo PT
já encolheu 35% em bolsa
Cristina Ferreira
/ 11-7-2014 / PÚBLICO
-15% Ao
princípio da manhã de ontem a cotação do “sistema GES/BES/ PT” já caíra
substancialmente
Ontem foi um dia
negro para o Grupo Espírito Santo (GES). Depois de semanas de indecisão, o
dossier BES/ GES/PT ganhou expressão internacional, o que levou a Espírito
Santo Financial Group (que detém 25,1% do BES) a pedir a suspensão da cotação e
a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a suspender a negociação
das acções do BES na Bolsa de Lisboa, à espera de informação relevante do
banco. O supervisor reclama uma nova clarificação das relações accionistas e
comerciais intragrupo.
Apesar das
insistentes garantias dadas pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa,
de que o BES está protegido das convulsões e das insuficiências financeiras das
holdings do GES, e de que tem uma situação de solvabilidade “sólida” por ter
uma almofada financeira suficiente para acomodar eventuais incumprimentos, os
investidores parecem não se rever nesta avaliação e reagiram ontem em força. A
turbulência alastrou-se aos mercados financeiros, nacional e estrangeiro, e,
ante a incerteza sobre a eventual necessidade de o BES ter de pedir ajuda
estatal, os juros da dívida pública nacional a dez anos voltaram a subir para
máximos de 2013.
Junta-se a esta
“percepção” a admissão do Citigroup — que adquiriu acções do BES no último
aumento de capital de 1045 milhões de euros — de que o segundo maior banco
português terá de elevar (no pior cenário) o capital em mais 4,2 mil milhões.
A queda das
cotações das empresas do chamado “sistema GES/BES/PT” acentuou-se logo ao
início da manhã, originando perdas superiores a 15%. A meio da tarde, o
presidente do Banco Espírito Santo Investimento (BESI), José Maria Ricciardi,
emitiu em nome pessoal uma nota de conforto aos colaboradores, para garantir
que o “BES não é responsável pelas dívidas” da família Espírito Santo (de que o
próprio faz parte), que já não controla o BES”. E que a exposição económica do
BES às empresas do GES “está dentro dos limites possíveis.”
Os “tumultos” que
se verificaram ontem em redor do BES permitem tirar algumas conclusões: a
indicação de um novo chairman (Paulo Mota Pinto) e de um novo CEO (Vítor Bento)
para liderarem o BES, propostas com a chancela do BdP, não apagou as dúvidas
sobre o verdadeiro grau de exposição directa e indirecta do banco às sociedades
detidas ou ligadas à família e que estão insolventes (Rioforte, ESI); a
contaminação do dossier à PT, que emprestou 900 milhões de euros à Rioforte, a
holding problemática do GES, atraiu também os holofotes dos supervisores
brasileiro e norte-americano (SEC) para o que se está a passar em Portugal. Mas
também dos investidores internacionais. A PT é cotada na bolsa nova-iorquina e
está em fusão com a brasileira Oi. O provável “buraco” de 900 milhões de euros
que a operadora terá de assumir, total ou parcialmente, representa metade do
valor de mercado que a PT perdeu nos últimos dez dias.
Há outra questão
a que não foi dada relevância. O dia em que Ricardo Salgado anunciou que
deixaria a gestão do BES foi aquele em que os investidores compreenderam que
algo de muito grave se passava na instituição. Até aí, os problemas à volta do
BES tinham sido compreendidos com ligeireza, nomeadamente pelos clientes do
banco. Em causa, de repente, ficou quem se apresentou como o representante da
“velha dinastia de banqueiros que sobreviveu à revolução” e a única instituição
que não necessitara de apoio estatal (o que implica uma voz nas políticas
internas, nomeadamente na remuneração dos gestores). A saída de Salgado foi
acompanhada de uma catadupa de notícias que culminaram na divulgação de que a
Espírito Santo International, com sede no Luxemburgo, vai pedir a protecção de
credores.
Esta holding é a
maior accionista da ESFG, que possui 25,1% do banco. E, ainda que os
depositantes do BES não corram riscos, assim que surgiram em público clientes
do suíço Banque Privée (uma gestora de fortunas detida pela ESFG) a afirmar que
tinham perdido as suas aplicações, levantaram-se mais dúvidas.
No universo
bancário discutemse soluções: se as empresas do GES entrarem em incumprimento
com os bancos do grupo (BES/BES-SFE, Banque Privée, Miami), e dado que existem
cartas de conforto, ou outras garantias de accionistas (ESI), os credores podem
pedir a doação em pagamento, nomeadamente da posição (25,1%) detida pela ESFG
no BES.
A situação é
delicada e está a colocar pressão sobre as autoridades, BdP, CMVM, que, se não
acelerarem um desfecho que tranquilize os mercados, verão o clima de incerteza
manter-se até dia
31, data da assembleia geral do BES e de votação da nova gestão. E Governo,
Passos Coelho e Maria Luiz Albuquerque, que sempre disseram que não interviriam
neste dossier, vão ter de se conter se os juros da dívida continuarem a subir.
Além de contagiar
os mercados, a situação no GES saltou para as páginas dos jornais e agências
online, destacando-se a manchete da edição electrónica do Financial Times, que
titulava que a situação na banca portuguesa conduzira os investidores a um
forte movimento de venda.
Também o Fundo
Monetário Internacional emitiu um comunicado em que reconhece que há casos no
sistema bancário português que exigem “medidas correctivas”. Sem precisar os
casos a que refere, porque “não faz comentários sobre instituições financeiras
em particular”, o FMI avança que, como o Banco de Portugal reconhece,
“mantêm-se [no sector] bolsas de vulnerabilidade que exigem medidas
correctivas, nuns casos, e uma supervisão intrusiva, noutros”.
Salvem o BES e deixem cair a
família
O BES é um banco
Mas a família não. Há quem fale numa relação incestuosa a nível das
holdings
Pedro Sousa
Carvalho / 11-7-2014 / PÚBLICO
É verde, viscoso e propaga-se a uma velocidade estonteante. Quem entrar em
contacto com o vírus do BES começa a sentir vertigens e arrisca-se a uma queda
valente. O trambolhão do BES, que ontem chegou a cair mais de 18%, foi tal que
o regulador teve de suspender a negociação das acções, colocando o banco numa
espécie de quarentena para não infectar as restantes empresas da bolsa.
O regulador
tentou evitar o contágio, mas o pânico rapidamente se instalou nos mercados. A
Portugal Telecom, já bastante infectada por ter estado em contado directo com o
BES, afundou-se mais 7%, a banca foi toda atrás e nenhuma das empresas do PSI
20 saiu ilesa. Numa questão de segundos o que valia muito passou a valer pouco
e o que valia pouco passou a não valer nada. Os juros da dívida pública
dispararam e tiveram a maior subida desde a crise política de 2013, quando
Portas apresentou a demissão “irrevogável”.
A crise no BES
saltou fronteiras e fez mossa por esse mundo fora. Portugal voltou a ser
manchete em todos os jornais internacionais. “Global markets tumble amid fears
over portuguese lender”, escrevia ontem o The Wall Street Journal para nos
contar que o vírus do BES já tinha contagiado as bolsas europeias e nos EUA. O
espanhol Banco Popular cancelou uma venda de dívida convertível, o grupo
farmacêutico italiano Rottapharm abortou um IPO e na Grécia o Governo reduziu
uma colocação de dívida pública por falta de procura.
O Espírito Santo
não é um banco too big to fail a nível europeu. Mas a Lehman Brothers também
não o era quando faliu. Pela reacção ontem dos mercados é fácil perceber que
existe um risco sistémico, caso o BES vá ao charco. O assunto é particularmente
sensível nesta altura em que bancos europeus estão todos a tentar alindar os
balanços para realizarem os testes de stress do BCE.
O Banco Espírito
Santo tem nesta altura dois problemas: um de liderança e outro de contabilidade.
O problema de liderança já foi aparentemente resolvido pelo Banco de Portugal,
que tratou de afastar Ricardo Salgado e toda a família da gestão executiva do
banco. Não se sabe se por falta de competência, de idoneidade ou de
honestidade. Nunca o disse. Carlos Costa limitou-se a abrir uma porta para que
Ricardo Salgado e Companhia saíssem com alguma dignidade. E nem isso
conseguiram.
Resta um problema
de contabilidade. É verdade que os rácios de capital do banco são sólidos. Mas
o problema do BES resulta de uma intrincada teia de holdings: a ES Control, o
quartel- general da família, detém 56,5% da ES International, que, por sua vez,
é dona de 100% da Rioforte, que, por seu lado, controla 49% da ESFG, que é o
maior accionista do BES, com 25% do capital. Estas empresas da família têm
todas relações entre si, emprestam dinheiro e compram coisas umas às outras
numa relação que ontem um colunista do Financial Times qualificava de
“terrivelmente incestuosa”.
É uma espécie de
matrioska financeira. E no final há uma boneca pequenina que está falida.
Aliás, uma das justificações dada pela Moody’s para baixar o rating da ESFG é
precisamente a “falta de transparência em torno não só da situação financeira
do Grupo Espírito Santo, mas também da amplitude das ligações intragrupo”.
O problema é que
ao final do dia não se percebe até que ponto o banco está ou não refém dessa
cascata de holdings. E aí é que o mercado começa a desconfiar. Se as holdings
falirem, o problema é da família, azar o deles. Mas se as holdings contagiarem
o banco, o problema já é de todos nós.
O que se sabe até
agora é que o BES emprestou 200 milhões à Rioforte e outros 780 milhões à ESFG.
É muito dinheiro e aí o problema não é tanto de quem pediu emprestado, mas de
quem emprestou. Como dizia o magnata americano Jean Paul Getty: “Se deves 100
dólares ao banco, o problema é teu. Mas se deves 100 milhões, o problema já é
do banco.” Apesar de tudo, mil milhões de euros de perdas o BES terá com certeza
estofo para aguentar em caso de default das holdings. O problema é que, além
dos empréstimos, os clientes de retalho do BES têm uma exposição às holdings da
família que chega aos 651 milhões; e a exposição dos clientes institucionais do
banco às empresas do grupo é de 1,94 mil milhões. Em caso de incumprimento,
quem vai responder por esta dívida que não é do BES, mas que o banco vendeu nos
seus balcões? Há aqui um enorme risco, nem que seja jurídico, que o banco tem
de explicar.
Mas nem o Banco
de Portugal, nem BCE, nem o Governo vão deixar cair o banco. Se as holdings da
família estão falidas e não têm dinheiro para pagar o que o banco e os clientes
lhes emprestaram, o Estado deveria simplesmente obrigar a família a vender a
posição de 25% que detém no BES e usar o dinheiro para saldar pelo menos parte
do que devem. Isto, partindo do princípio que os 25% ainda não estão
hipotecados e a servir de colateral a algum empréstimo. Com novos accionistas,
fazia-se um rebranding, até porque hoje em dia o maior passivo do BES é
reputacional; é o nome da família “Espírito Santo”, que carrega na marca. E se
a família recusar sair do BES, o Estado tem sempre a bomba atómica de
nacionalizar o banco. E aí não há nenhum vírus que sobreviva.
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