Guião para uma reestruturação da
dívida portuguesa
"Um programa sustentável para a reestruturação da dívida
portuguesa" é apresentado na quinta-feira em Lisboa. O Expresso resume as
medidas e números a reter.
Jorge Nascimento
Rodrigues |
23:18 Quarta, 9
de Julho de 2014 in
EXPRESSO online
A primeira
proposta detalhada de reestruturação da dívida pública e externa portuguesa que
será apresentada amanhã de manhã (10 de julho) na Faculdade de Direito de
Lisboa, a que o Expresso já se referiu, aponta para cinco operações principais
e 20 números-chave e objetivos.
O documento de 70
páginas é da autoria de quatro economistas, Eugénia Pires, investigadora no
Departamento de Economia da Universidade de Londres, Francisco Louçã, professor
de Economia do ISEG, em Lisboa, Pedro Nuno Santos, deputado do Partido
Socialista na Assembleia da República, e Ricardo Cabral, vice-reitor da
Universidade da Madeira, e já está disponível online .
A proposta, que
envolve uma redução no valor presente das dívidas pública e do sector bancário
na ordem de 250 mil milhões de euros, surge num momento de grandes contrastes,
em que as yields da dívida pública no mercado secundário estão em mínimos
históricos ou próximos deles, mas em que a dívida pública, na ótica de
Maastricht, em final de maio, subiu para 135% do PIB e os indicadores externos
ligados à situação financeira global do país se agravaram.
A dívida externa
(pública e privada) líquida subiu de 85% do PIB no trimestre de assinatura do
resgate em 2011 para 106,8% do PIB no primeiro trimestre de 2014 e a posição
líquida de investimento internacional (que avalia o saldo entre os ativos
externos detidos por portugueses e os ativos em Portugal detidos por não
residentes), que é negativa, agravou-se, naquele mesmo período, de 105,8% para
123,3%.
Os proponentes
pretendem reestruturar a dívida pública sem mexer no seu valor facial através
de um adiamento substancial da sua amortização entre 30 a 40 anos em simultâneo com
uma redução para menos de metade da atual taxa anual de juro média. A forma de
o fazer é uma operação de oferta de troca de dívida pública.
Algumas das
diferenças com o processo grego de 2012 são a abrangência do que é designado
por credores oficiais (Fundo Monetário Internacional, Fundos europeus de
resgate e Banco Central Europeu) da dívida pública, que detêm atualmente mais
de 45% da dívida pública direta, e um processo de resolução bancária, tendo em
conta a situação deste sector e o seu peso na dívida ao exterior, que rondava
os 23% em final de 2013.
O objetivo da
reestruturação proposta não se subordina principalmente a uma ótica de
saneamento das finanças públicas, mas foi desenhado para proceder a uma alteração
estrutural permanente da dívida externa e da balança de pagamentos que liberte
recursos anuais para o investimento na alteração do padrão de especialização
internacional do país.
Cinco operações
principais da reestruturação
# Oferta pública
de troca de dívida pública atual num montante de 271,6 mil milhões de euros
(164% do PIB de 2013) por 10 novas emissões de dívida com o mesmo valor facial
mas com uma taxa de juro anual de cupão de 1% e vencimentos anuais em parcelas
iguais entre 2045 e 2054
# Processo de
resolução bancária sistémica, seguindo as normas norte-americanas do FDIC
(Federal Deposit Insurance Corporation), com vista ao saneamento dos passivos
bancários e à compensação das perdas com o processo de reestruturação da dívida
pública
# Criação de um
novo instituto público denominado de Fundo de Reestruturação da Dívida Pública
Portuguesa para gerir o processo de reestruturação de dívida pública
# Processo prévio
de negociações e acordo com a União Europeia e com representantes dos credores
abrangidos. Após a conclusão dessas negociações se iniciaria o processo de
reestruturação
# Legislação
específica para processos de recapitalização de instituições financeiras e não
financeiras afetadas pelo processo de reestruturação de dívida pública com
injeção de capital público
Números-chave da
reestruturação
# Redução do
valor presente da dívida pública e da dívida do sector bancário em 250 mil
milhões de euros
# Redução do
fluxo anual de pagamento de juros da dívida pública em 5,3 mil milhões de euros
# Emissão de 10
novas séries obrigacionistas de dívida pública para troca por dívida atual na
mão de credores no valor nominal de 271.639 milhões de euros
# As novas
emissões obrigacionistas são feitas ao abrigo da jurisdição portuguesa e
aplica-se uma cláusula RUFO (acrónimo em inglês para rights upon future offers)
que proíbe ao Estado português oferecer melhores condições a outros credores
# Taxa de juro de
cupão das novas séries obrigacionistas: 1%
# 12 meses de carência
no pagamento de juros no ano de reestruturação de dívida
# Alargamento do
prazo de amortização do atual stock de dívida pública para pagamento entre 2045
e 2054
# A
reestruturação da dívida pública abrange para além dos credores privados também
os credores designados por oficiais, ou seja os credores internacionais dos
empréstimos realizados pela troika (77 mil milhões de euros por parte dos
fundos europeus de resgate e do Fundo Monetário Internacional) e o Banco
Central Europeu detentor, na sua carteira, de obrigações do Tesouro português
que adquiriu ao abrigo da intervenção no mercado secundário da dívida no âmbito
do Securities Markets Programme, que esteve ativo entre maio de 2010 e setembro
de 2012 (o valor atual desta carteira não é conhecido; o último valor referido
pelo IGCP aponta para cerca de 19 mil milhões de euros com uma duração média de
quatro anos)
# As exceções à
aplicação da reestruturação da dívida pública abrangem a divida externa bruta
do Banco de Portugal, os depósitos das Administrações Públicas junto do
Tesouro, as dívidas a fornecedores, relativa a factoring e a correspondente à
moeda metálica existente
# O relatório
sugere que se analise em maior detalhe o tratamento dos Certificados de Aforro
e do Tesouro. Se for decidido proteger os Certificados de Aforro e do Tesouro,
então seriam emitidos novos instrumentos desse tipo com cupão de 1% e
maturidade de três e seis anos
# A Caixa Geral
de Aposentações, o Fundo de Regularização da Dívida Pública e os Fundos da
Segurança Social são também abrangidos. O Orçamento de Estado contemplaria
transferências adicionais e novos títulos obrigacionistas para compensar as
perdas
# A
reestruturação só abrange empresas com mais de 50% de capital público e exclui
o sector financeiro do Estado
# O sector
bancário teria de dar uma contribuição especial para o Fundo de Garantia de
Depósitos no equivalente a 10% dos depósitos; os bancos retiram essa percentagem
de todos os depósitos existentes, para assegurar que não há depositantes a
evitar tais contribuições especiais. O Fundo de Garantia de Depósitos reporia
integralmente o valor dos depósitos inferiores a 100 mil euros. Os empréstimos
do Eurosistema não seriam afectados.
# Os depósitos
bancários acima de 100 mil euros e os credores de dívida sénior perdem 34% do
valor facial, mas recebem em troca ações dos bancos com valor contabilístico
igual a 62% das perdas; a perda, em termos contabilísticos, é de 13,1%; é
subentendido que as novas ações dos bancos teriam tendência a valorizar-se após
a operação de saneamento
# Os acionistas
dos bancos e os detentores de dívida subordinada perdem o capital e o crédito
# A redução dos
passivos bancários face a entidades não residentes é articulada com as
autoridades monetárias de outros países
Grandes metas a
atingir
# Redução do
valor presente da dívida pública na ótica de Maastricht de 132,9% no final do
primeiro trimestre de 2014 para 74% do PIB
# Redução do valor
presente da dívida externa líquida em 132 mil milhões de euros, de 103% do PIB
no final de 2013 para 24% do PIB
# Redução da
posição líquida negativa de investimento internacional de 118,9% em 2013 do PIB
para cerca de 40% do PIB
# Redução do
valor facial da dívida bancária em cerca de 21% (em termos líquidos) relativos
ao final de 2013, implicando a redução da dívida externa líquida do sector em
cerca de 30% do PIB
Dados de referência
# Dívida bruta
das Administrações Públicas incluindo sector empresarial do Estado em dezembro
de 2013 (Banco de Portugal): 273 mil milhões de euros, ou seja 165% do PIB
# Dívida bruta
das AP segundo o critério de Maastricht em dezembro de 2013 (BdP): 213,4 mil
milhões de euros, ou seja 129% do PIB
# Dívida bruta
das AP segundo o critério de Maastricht em 31 de maio de 2014 (BdP): 224,5 mil milhões de euros, ou seja 135,2% do
PIB estimado
# Dívida líquida
das AP segundo o critério de Maastricht em 31 de maio de 2014 (BdP): 202,4 mil
milhões de euros, ou seja 121,9% do PIB estimado
# Dívida externa
líquida no 1º trimestre de 2014 (BdP): 106,8% do PIB estimado
# Principais
componentes da dívida externa bruta portuguesa em final de 2013: 38,3%
corresponde a dívida das administrações públicas e 23,4% ao sector bancário
comercial
# Posição líquida
(negativa) de investimento internacional no 1º trimestre de 2014 (BdP): -
123,3% do PIB estimado
# Dívida pública
na mão de credores internacionais oficiais (31 de maio de 2014, IGCP): cerca de
97 mil milhões de euros (77 mil milhões à troika com prazo médio final de cerca
de 16 anos e cerca de 20 mil milhões em obrigações do Tesouro na carteira do
Banco Central Europeu com um prazo médio de quatro anos). Não inclui a dívida
do Banco de Portugal ao sistema TARGET 2 do Eurosistema que, em maio de 2014,
totalizava, em termos líquidos, 57,4 mil milhões de euros (segundo a Yardeni
Research).
# Dívida pública
em certificados do Tesouro e de Aforro (31 de maio de 2014, IGCP): 13,3 mil
milhões de euros
# Despesa com
juros da dívida pública no 1º trimestre de 2014 (BdP): 4,6% do PIB
# Prazo médio
residual do stock da dívida pública atual (IGCP): 7,4 anos
# Prazo médio do
empréstimo do FMI (IGCP): 7,25 anos, com um custo médio anual de 3,4%
# Prazo médio dos
empréstimos dos fundos de resgate europeus - MEEF e FEEF (IGCP): cerca de 20
anos, com um custo médio anual de 2,5%
# Juro médio
implícito da dívida pública (DOE): 3,4%
# Juro médio
implícito da dívida externa: 2,2%
# Yield até à
maturidade da dívida obrigacionista (Bloomberg): 2,39%
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