sexta-feira, 11 de julho de 2014

Guião para uma reestruturação da dívida portuguesa


Guião para uma reestruturação da dívida portuguesa
"Um programa sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa" é apresentado na quinta-feira em Lisboa. O Expresso resume as medidas e números a reter.
Jorge Nascimento Rodrigues |
23:18 Quarta, 9 de Julho de 2014 in EXPRESSO online

A primeira proposta detalhada de reestruturação da dívida pública e externa portuguesa que será apresentada amanhã de manhã (10 de julho) na Faculdade de Direito de Lisboa, a que o Expresso já se referiu, aponta para cinco operações principais e 20 números-chave e objetivos.

O documento de 70 páginas é da autoria de quatro economistas, Eugénia Pires, investigadora no Departamento de Economia da Universidade de Londres, Francisco Louçã, professor de Economia do ISEG, em Lisboa, Pedro Nuno Santos, deputado do Partido Socialista na Assembleia da República, e Ricardo Cabral, vice-reitor da Universidade da Madeira, e já está disponível online .

A proposta, que envolve uma redução no valor presente das dívidas pública e do sector bancário na ordem de 250 mil milhões de euros, surge num momento de grandes contrastes, em que as yields da dívida pública no mercado secundário estão em mínimos históricos ou próximos deles, mas em que a dívida pública, na ótica de Maastricht, em final de maio, subiu para 135% do PIB e os indicadores externos ligados à situação financeira global do país se agravaram.

A dívida externa (pública e privada) líquida subiu de 85% do PIB no trimestre de assinatura do resgate em 2011 para 106,8% do PIB no primeiro trimestre de 2014 e a posição líquida de investimento internacional (que avalia o saldo entre os ativos externos detidos por portugueses e os ativos em Portugal detidos por não residentes), que é negativa, agravou-se, naquele mesmo período, de 105,8% para 123,3%.

Os proponentes pretendem reestruturar a dívida pública sem mexer no seu valor facial através de um adiamento substancial da sua amortização entre 30 a 40 anos em simultâneo com uma redução para menos de metade da atual taxa anual de juro média. A forma de o fazer é uma operação de oferta de troca de dívida pública.

Algumas das diferenças com o processo grego de 2012 são a abrangência do que é designado por credores oficiais (Fundo Monetário Internacional, Fundos europeus de resgate e Banco Central Europeu) da dívida pública, que detêm atualmente mais de 45% da dívida pública direta, e um processo de resolução bancária, tendo em conta a situação deste sector e o seu peso na dívida ao exterior, que rondava os 23% em final de 2013.

O objetivo da reestruturação proposta não se subordina principalmente a uma ótica de saneamento das finanças públicas, mas foi desenhado para proceder a uma alteração estrutural permanente da dívida externa e da balança de pagamentos que liberte recursos anuais para o investimento na alteração do padrão de especialização internacional do país.



Cinco operações principais da reestruturação

# Oferta pública de troca de dívida pública atual num montante de 271,6 mil milhões de euros (164% do PIB de 2013) por 10 novas emissões de dívida com o mesmo valor facial mas com uma taxa de juro anual de cupão de 1% e vencimentos anuais em parcelas iguais entre 2045 e 2054

# Processo de resolução bancária sistémica, seguindo as normas norte-americanas do FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), com vista ao saneamento dos passivos bancários e à compensação das perdas com o processo de reestruturação da dívida pública

# Criação de um novo instituto público denominado de Fundo de Reestruturação da Dívida Pública Portuguesa para gerir o processo de reestruturação de dívida pública

# Processo prévio de negociações e acordo com a União Europeia e com representantes dos credores abrangidos. Após a conclusão dessas negociações se iniciaria o processo de reestruturação

# Legislação específica para processos de recapitalização de instituições financeiras e não financeiras afetadas pelo processo de reestruturação de dívida pública com injeção de capital público



Números-chave da reestruturação

# Redução do valor presente da dívida pública e da dívida do sector bancário em 250 mil milhões de euros

# Redução do fluxo anual de pagamento de juros da dívida pública em 5,3 mil milhões de euros

# Emissão de 10 novas séries obrigacionistas de dívida pública para troca por dívida atual na mão de credores no valor nominal de 271.639 milhões de euros

# As novas emissões obrigacionistas são feitas ao abrigo da jurisdição portuguesa e aplica-se uma cláusula RUFO (acrónimo em inglês para rights upon future offers) que proíbe ao Estado português oferecer melhores condições a outros credores

# Taxa de juro de cupão das novas séries obrigacionistas: 1%

# 12 meses de carência no pagamento de juros no ano de reestruturação de dívida
# Alargamento do prazo de amortização do atual stock de dívida pública para pagamento entre 2045 e 2054

# A reestruturação da dívida pública abrange para além dos credores privados também os credores designados por oficiais, ou seja os credores internacionais dos empréstimos realizados pela troika (77 mil milhões de euros por parte dos fundos europeus de resgate e do Fundo Monetário Internacional) e o Banco Central Europeu detentor, na sua carteira, de obrigações do Tesouro português que adquiriu ao abrigo da intervenção no mercado secundário da dívida no âmbito do Securities Markets Programme, que esteve ativo entre maio de 2010 e setembro de 2012 (o valor atual desta carteira não é conhecido; o último valor referido pelo IGCP aponta para cerca de 19 mil milhões de euros com uma duração média de quatro anos)

# As exceções à aplicação da reestruturação da dívida pública abrangem a divida externa bruta do Banco de Portugal, os depósitos das Administrações Públicas junto do Tesouro, as dívidas a fornecedores, relativa a factoring e a correspondente à moeda metálica existente

# O relatório sugere que se analise em maior detalhe o tratamento dos Certificados de Aforro e do Tesouro. Se for decidido proteger os Certificados de Aforro e do Tesouro, então seriam emitidos novos instrumentos desse tipo com cupão de 1% e maturidade de três e seis anos

# A Caixa Geral de Aposentações, o Fundo de Regularização da Dívida Pública e os Fundos da Segurança Social são também abrangidos. O Orçamento de Estado contemplaria transferências adicionais e novos títulos obrigacionistas para compensar as perdas

# A reestruturação só abrange empresas com mais de 50% de capital público e exclui o sector financeiro do Estado

# O sector bancário teria de dar uma contribuição especial para o Fundo de Garantia de Depósitos no equivalente a 10% dos depósitos; os bancos retiram essa percentagem de todos os depósitos existentes, para assegurar que não há depositantes a evitar tais contribuições especiais. O Fundo de Garantia de Depósitos reporia integralmente o valor dos depósitos inferiores a 100 mil euros. Os empréstimos do  Eurosistema não seriam afectados.

# Os depósitos bancários acima de 100 mil euros e os credores de dívida sénior perdem 34% do valor facial, mas recebem em troca ações dos bancos com valor contabilístico igual a 62% das perdas; a perda, em termos contabilísticos, é de 13,1%; é subentendido que as novas ações dos bancos teriam tendência a valorizar-se após a operação de saneamento

# Os acionistas dos bancos e os detentores de dívida subordinada perdem o capital e o crédito

# A redução dos passivos bancários face a entidades não residentes é articulada com as autoridades monetárias de outros países



Grandes metas a atingir

# Redução do valor presente da dívida pública na ótica de Maastricht de 132,9% no final do primeiro trimestre de 2014 para 74% do PIB
# Redução do valor presente da dívida externa líquida em 132 mil milhões de euros, de 103% do PIB no final de 2013 para 24% do PIB

# Redução da posição líquida negativa de investimento internacional de 118,9% em 2013 do PIB para cerca de 40% do PIB
# Redução do valor facial da dívida bancária em cerca de 21% (em termos líquidos) relativos ao final de 2013, implicando a redução da dívida externa líquida do sector em cerca de 30% do PIB

Dados de referência
# Dívida bruta das Administrações Públicas incluindo sector empresarial do Estado em dezembro de 2013 (Banco de Portugal): 273 mil milhões de euros, ou seja 165% do PIB

# Dívida bruta das AP segundo o critério de Maastricht em dezembro de 2013 (BdP): 213,4 mil milhões de euros, ou seja 129% do PIB

# Dívida bruta das AP segundo o critério de Maastricht em 31 de maio de 2014 (BdP):  224,5 mil milhões de euros, ou seja 135,2% do PIB estimado

# Dívida líquida das AP segundo o critério de Maastricht em 31 de maio de 2014 (BdP): 202,4 mil milhões de euros, ou seja 121,9% do PIB estimado

# Dívida externa líquida no 1º trimestre de 2014 (BdP): 106,8% do PIB estimado

# Principais componentes da dívida externa bruta portuguesa em final de 2013: 38,3% corresponde a dívida das administrações públicas e 23,4% ao sector bancário comercial

# Posição líquida (negativa) de investimento internacional no 1º trimestre de 2014 (BdP): - 123,3% do PIB estimado

# Dívida pública na mão de credores internacionais oficiais (31 de maio de 2014, IGCP): cerca de 97 mil milhões de euros (77 mil milhões à troika com prazo médio final de cerca de 16 anos e cerca de 20 mil milhões em obrigações do Tesouro na carteira do Banco Central Europeu com um prazo médio de quatro anos). Não inclui a dívida do Banco de Portugal ao sistema TARGET 2 do Eurosistema que, em maio de 2014, totalizava, em termos líquidos, 57,4 mil milhões de euros (segundo a Yardeni Research).

# Dívida pública em certificados do Tesouro e de Aforro (31 de maio de 2014, IGCP): 13,3 mil milhões de euros

# Despesa com juros da dívida pública no 1º trimestre de 2014 (BdP): 4,6% do PIB

# Prazo médio residual do stock da dívida pública atual (IGCP): 7,4 anos

# Prazo médio do empréstimo do FMI (IGCP): 7,25 anos, com um custo médio anual de 3,4%

# Prazo médio dos empréstimos dos fundos de resgate europeus - MEEF e FEEF (IGCP): cerca de 20 anos, com um custo médio anual de 2,5%

# Juro médio implícito da dívida pública (DOE): 3,4%

# Juro médio implícito da dívida externa: 2,2%


# Yield até à maturidade da dívida obrigacionista (Bloomberg): 2,39%

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