Íñigo Errejón. "Esta União
Europeia colapsou"
Por Nuno Ramos de
Almeida
publicado em 10
Jul 2014 in
(jornal) i online
O organizador da campanha que levou o Podemos a eleger 5 eurodepu-tados
acredita ser possível mudar o regime em Espanha
No dia das
eleições europeias, perante a comunicação social abananada com um partido,
formado há quatro meses, a eleger cinco eurodeputados, quando as sondagens lhe
davam, a poucos dias das eleições, cerca de 2% dos votos, o seu líder, Pablo
Iglesias, teve a mais surpreendente declaração da noite: "Quero assumir a
derrota. O Partido Popular ganhou estas eleições e nós não conseguimos
conquistar o primeiro lugar." A provocação tem um sentido preciso: poucos
dias depois eram divulgadas sondagens que davam ao Podemos mais de 15% dos
votos e 58 lugares no parlamento espanhol. No mesmo estudo, os partidos do
centrão espanhol perdiam mais de 70 deputados. Esta semana, uma das figuras
mais conhecidas deste partido saído dos movimentos sociais, dos indignados
espanhóis, do 15 M ,
Juan Carlos Monedero, afirmava preto no branco: "É evidente que vamos
governar este país." E há quem o leve a sério. Em poucos dias, a imprensa
afectada aos partidos que estiveram no governo fez sair várias notícias do baú:
acusam Pablo Iglésias de ter apoiado os presos da ETA e dizem que o governo
venezuelano tinha dado dinheiro ao novo partido. Pouco importa que o apoio de
Caracas tenha sido dado de 2002
a 2012
a uma fundação universitária que actualmente só tem um
elemento do Podemos na direcção e que o partido se tenha formado só em 2014 e
tenha gasto apenas 150 mil euros, contas que vão ser fiscalizadas por uma
empresa de auditoria externa... a verdade é que abriu a caça ao Podemos.
Como dizem os
cubanos, "no es fácil" entrevistar os principais dirigentes do
Podemos. A organização está afogada em solicitações. Depois de um dia
atribulado em que os telemóveis não funcionavam, pedem-me para ir ter a uma
produtora de televisão num bairro madrileno. Aqui grava-se o programa semanal
"Forte Apache" para o canal de televisão iraniana em língua
castelhana HispanTV. Íñigo Errejón foi o organizador de campanha. Tal como os
líderes do Podemos Pablo Iglesias e Juan Carlos Monedero, Íñigo é doutorado em
Ciência Política pela Universidade Complutense de Madrid. Os três são presença
habitual nos programas de televisão "alternativos" como "La
Tuerka" e "Forte Apache", e numa série de debates e
"charlas" nas televisões generalistas espanholas.
Em estúdio e no
plateau estavam três pesos-pesados do partido, Pablo Iglesias, Teresa Rodríguez
e Íñigo Errejón, juntamente com Manuel Monereo, da Esquerda Unida, e outros
convidados, nos quais pontifica um nome simbólico: Jorge Ver-strynge, o homem
que foi o número dois da Aliança Popular, partido de direita dirigido por Fraga
Iribarne, antecessor do PP, e que actualmente é apoiante do Podemos. Verstrynge
foi professor de Pablo Iglesias e dos outros, e conselheiro do governo de Hugo
Chávez. No programa debate-se a ascensão da extrema--direita na Europa. Íñigo,
Pablo e os outros convidados reivindicam a nação como espaço de
autodeterminação e desconfiam da integração europeia. Já Teresa Rodríguez,
numero dois da lista europeia do Podemos, membro da Esquerda Anticapitalista,
trotskistas da 4.ª Internacional, tem posições mais europeístas. Íñigo e Pablo
recorrem frequentemente às teses do recentemente falecido pensador Ernesto
Laclau de que é preciso fazer uma espécie de ruptura populista que articule
várias causas e que construa uma nova hegemonia no poder, devolvendo-o ao povo.
Querem derrubar o regime saído da transição espanhola.
Em vários textos
escreveu que há uma crise do regime saído da chamada transição de 1978 e uma
espécie de janela para uma mudança profunda em Espanha. Qual é essa
possibilidade?
Há um esgotamento
de alguns elementos-chave da ordem política que nasceu em 1978: assistimos à
crise da articulação territorial do Estado, à crise de legitimidade das elites
políticas, que continuam a governar sem gerar consenso sobre o seu projecto
para o país e sobretudo sem terem a capacidade, quem sabe a mais importante, de
oxigenar o pluralismo dentro do regime. Quer dizer, cada vez mais o
descontentamento não se expressa através dos partidos centrais do regime. Isso
impede que as instituições principais do regime canalizem, dentro do sistema
político, o descontentamento e abram possibilidades para uma mudança. As
instituições principais estão debilitadas pelas imposições da troika e têm uma
enorme dificuldade em atender algumas das reivindicações sociais, que são
necessidades muito evidentes e muito populares em toda a sociedade espanhola,
com uma popularidade quase transversal a toda a população. O direito à
habitação e ao emprego e a ideia de que o sistema de saúde tem de ser gratuito
e universal para todos são ideias que têm o apoio da maioria esmagadora dos
espanhóis, independentemente das suas identificações partidárias.
E é possível
transformar esse consenso num novo poder?
Nós afirmamos que
há essa possibilidade de uma mudança política profunda perante este colapso e
esgotamento de alguns elementos centrais do regime nascido na transição
política de 1978. Esta janela de oportunidade existe, mas não estará aberta
para sempre. As elites já preparam de cima uma operação de imagem que recupere
o prestígio dos principais partidos políticos e o estabelecimento de um
consenso entre eles sobre as questões fundamentais, para liquidarem o
pluralismo. No fundo, querem mudar algumas coisas para que o fundamental fique igual.
Mas não receiam
que, como na conhecida cena do "Matrix Reloaded", descubram que, em
vez de uma alternativa ao regime, sejam parte dele? O facto de concorrerem às
instituições não pode fazer da política do Podemos institucional?
O ciclo de
protestos que começou com o 15
M [onda de protestos, manifestações e ocupações de
praças protagonizados pelos indignados e iniciadas em Madrid a 15 de Maio de
2011] inaugurou algumas mudanças em toda a política espanhola e potenciou
alguns elementos de ruptura: antes de o 15 M falar, por exemplo, na nacionalização dos
bancos, era uma coisa extremista, era uma maluquice de minorias. Depois do 15 M passou a ser uma coisa
que se discute na sociedade. O 15
M colocou na ordem do dia alguns elementos que podem
alimentar uma ruptura do regime mas, por si só, estas matérias-primas fora do
quadro institucional não foram capazes de provocar esta mudança. Por que razão
não conseguiram fazer a mudança? Provavelmente, porque não estamos num Estado
do sul global em que a mobilização, os protestos e a capacidade disruptiva são
capazes de fazer saltar fora dos eixos uma institucionalidade débil e precária.
Creio que, embora vivamos uma grave crise de regime, aqui em Espanha e na
Europa, os aparelhos de Estado continuam a funcionar. E isso é uma base para a
ordem. As movimentações de massas não parecem ter uma expressão que transborde
dos sistemas de controlo estatal e, por isso, pareceu-nos que era necessário
fabricar uma ferramenta política que expressasse essa energia produzida nas
ruas dentro dos espaços de representação política. É verdade que existe sempre
esse perigo de normalização e institucionalização. Trabalhamos sempre no fio da
navalha, correndo o perigo de recuperação por parte do sistema. Corremos sempre
dois riscos: a possibilidade de integração e a deriva para a marginalidade. Entre
estes dois precipícios, temos de conseguir fazer o nosso caminho.
Ciclicamente, as
ruas transbordam. Em 1995 houve grandes manifestações na Europa contra os
cortes sociais. Depois da ronda do milénio da OMC em Seattle, as ruas do
planeta encheram-se de manifestantes contra a globalização. Convocados pelo
Fórum Social Europeu e Mundial, mais de 20 milhões de pessoas manifestaram-se a
15 de Fevereiro de 2003 contra a guerra do Iraque. Em todas estas explosões,
dizia-se que nada ficaria igual; no entanto, pouco mudou. Não teme que o mesmo
aconteça depois das forças libertadas pelo 15 M e pelos indignados em Espanha?
O 15 M , por si só, não tem essa
capacidade de fazer uma ruptura. Produziu algumas mudanças importantes na
cultura política espanhola, mas essas mudanças não são suficientes para fazer
esta mudança. São a matéria-prima a partir da qual podem criar-se instrumentos
políticos, como o Podemos, que levem ao interior do sistema a disputa pelo
poder político do Estado. No entanto, considero que todos esses movimentos de
que falou produziram alterações. No caso concreto do 15 M , o mais importante foi
ter alterado a força das ideias com que o regime cimentava e construía a sua
legitimidade política, fazendo a gestão daquilo que cabia dentro e fora do
sistema. O 15 M
incorporou muita gente que estava fora da luta política, e fê- -lo com
conteúdos que eram simultaneamente muito populares, porque se encontravam
generalizados na população, mas impossíveis de serem acolhidos pela ordem
institucional existente. Trouxe muita gente para a acção política, mas fê-lo
com um conjunto de temas e conteúdos que são impossíveis de assumir pela
oligarquia espanhola e pelo programa de ajuste decidido pelas instituições da
troika.
Esta incorporação
dessas camadas da população que estavam arredadas da política é que vos permite
falar da possibilidade de uma "disrupção populista"? E é por este
movimento implicar a incorporação de tanta gente de sectores diferenciados da
sociedade que vocês defendem que há uma ultrapassagem do conflito entre
"esquerda" e direita" para um conflito entre os de
"cima" e os de "baixo"?
Muitos de nós
vimos de sectores políticos e intelectuais de esquerda. Mas direita e esquerda
são uma metáfora. Ser-se de esquerda traduz-se fundamentalmente em gente que se
agrupou à volta das causas do aumento da democracia e da redistribuição da
riqueza. Essa, creio que não é a diferenciação que é neste momento fundamental
em Espanha. Pelo contrário, é a diferenciação em torno da qual o Partido
Socialista e o Partido Popular gostariam que se voltasse a organizar a
competição política no país. Há muita gente que, sem se considerar de esquerda,
considera-se cidadão que tem sido roubado, acha que a soberania popular e os
representantes já não respeitam aquilo que prometeram nas eleições e vê a
liquidação dos direitos sociais. Estas pessoas são a maioria da população, com
a qual é necessário construir uma mudança. Penso que as mudanças de correlação
de forças se fazem sempre com palavras novas, diferentes daquelas com que a
ordem prévia construía a estabilidade. Se a ordem de 1978 construiu a
estabilidade em redor da competição entre esquerda e direita, há a
possibilidade de alterar os equilíbrios velhos com palavras novas.
Mas não se pode
dizer que esta ruptura populista que vocês defendem tem os mesmos ingredientes
que a da Frente Nacional francesa?
Isso depende
muito de como se constrói o adversário. E, no nosso caso, não são os mais
fracos: são os mais poderosos. Para nós, o adversário não são os estratos mais
carenciados da sociedade, como os imigrantes. Essa não é uma nuance pequena, é
uma opção radicalmente diferente.
A diferença está
na apreciação dos emigrantes, mas a FN recuperou muitos temas populares e até
de esquerda, e fez um discurso contra as oligarquias financeiras, opondo-se à
globalização neoliberal e denunciando a classe política corrupta. Não se
alimenta da mesma crise que faz surgir o Podemos?
Há traços comuns.
Mas, seguramente, o facto de nós estarmos a ocupar esta posição impede o
surgimento de uma extrema-direita organizada e poderosa em Espanha. O
ressentimento com a existência de uma casta política e o descontentamento
perante as políticas que vêm da Europa engrossam uma corrente democrática, e
não o ressentimento contra os imigrantes e os mais pobres.
Na análise que
faz do movimento do 15 M
e do aparecimento de uma nova hegemonia, utiliza muitas categorias do pensador
argentino recentemente falecido Ernesto Laclau, na sua obra sobre o populismo. Há,
de alguma forma, da vossa parte, um elogio do populismo e dos regimes como a
Venezuela, a Bolívia ou o Equador. Não acha que o populismo pode ser uma forma
de protesto contra as oligarquias, mas não cria formas de poder mais
democráticas, e surge sempre associado a lideranças individuais?
Por um lado, é
preciso distinguir entre as formas de identificação populista e o papel da
liderança em cada caso. Há casos radicalmente diferentes. O tipo de poder
político construído em torno de Evo Morales [presidente da Bolívia] é diferente
daquele que foi construído em torno de Rafael Correa [presidente do Equador],
para exemplificar. Quer dizer, a forma populista não leva inscrita uma maneira
única de exercer a liderança. Neste dois exemplos que dei há muitas diferenças:
por exemplo, quantas instituições intermédias existem entre a população e
aquele que exerce o papel de figura simbólica, e como tem de negociar, essa
figura simbólica, com o povo.
Mas não existe
aqui um problema de base? As figuras são mais do que simbólicas, têm poder. E,
quando morrem, esse poder não ficou no povo; muitas vezes, morrem associadas a
um projecto demasiado pessoal...
Por um lado, esse
problema não é exclusivo das construções de poder de tipo populista. É muito
difícil encontrar um processo revolucionário em que não haja muitas
dificuldades nos processos de substituição das lideranças. Eu dou sempre um
exemplo muito distante desta cultura política: quando morre Buenaventura Durruti,
o líder carismático dos anarquistas espanhóis, há um milhão de trabalhadores no
seu funeral em Barcelona, que não estão no seu enterro por ele ter um cargo
especialmente relevante na CNT [confederação sindical anarquista], não tem
nenhum poder institucional que justifique isso. É porque tem uma liderança de
tipo simbólico numa cultura extremamente horizontal e, no entanto, é porque há
figuras simbólicas que têm um papel central que as pessoas lá estão. Julgo que
é um aspecto comum a todos os processos de ruptura de carácter revolucionário:
como se constrói o processo de substituição? Acho que ele se faz com boas
instituições. E essas instituições podem ser estatais ou não, mas devem
organizar a vida quotidianas, fazendo com que sejam menos necessários
catalisadores simbólicos para momentos especiais. Os povos não vivem
permanentemente em momentos de excepcionalidade: há ondas de mobilização que
logo são sucedidas por momentos de refluxo e, quando isso acontece, tem de
haver instituições estatais ou na sociedade civil, de novo tipo ou mais
clássicas, que reflictam a nova correlação de forças e que construam a vida de
acordo com os novos equilíbrios de poder. Este é um problema para todas as
forças políticas que constroem uma forma para a ruptura e depois têm de
encontrar outras formas para a gestão da nova situação.
O Podemos não
pode ser vítima de uma espécie de populismo mediático? De alguma forma, a força
com que apareceu alicerça-se na mediatização das suas figuras. Ora, a presença
na comunicação social cria notoriedade, mas também formata a mensagem do novo
partido...
Não creio que
estejamos limitados. Mas é verdade que, num contexto de uma sociedade civil
muito desarticulada, bastante débil, pelo menos nos sectores populares, é
impossível construir um catalisador sem contar com a comunicação social. Se as
estruturas populares fossem mais fortes, precisaríamos certamente menos de uma
liderança catalisadora e com expressão mediática. Parece-me que os media não
têm condicionado a prática do Podemos e que foram uma condição sine qua non
para a nossa irrupção nas eleições europeias. Não se pode, por um lado, dizer:
gosto do fenómeno Podemos, mas não gosto desta componente, porque esta
mediatização é central na existência do fenómeno.
As decisões do
Podemos, até agora, não têm sido tomadas sem alguma polémica. As duas mais
conhecidas são a eleição da equipa que vai preparar o congresso por lista
fechada e a decisão de substituir o símbolo do partido, nos boletins de voto,
pela cara de Pablo Iglesias...
Creio que se
verificou exactamente o contrário. Ao lançarmos a hipótese Podemos, fizemo-lo
não com um processo dirigido por cima, mas num processo que começou por baixo e
pela acção das pessoas. Quando lançámos o Podemos, defendíamos que há
suficientes partidos em Espanha, mas o que faz falta é incorporar a maioria dos
sectores populares que estão a sofrer a investida da gestão oligárquica nesta
crise que, apesar disso, não estavam incorporados na construção de uma
alternativa política. Aquilo que nós fizemos foi construir uma ferramenta
política que seja cada vez mais útil para incorporar e juntar cada vez mais
gente. O que significa que essa ferramenta não seja, entre aspas, só
propriedade daqueles que têm mais horas para militar e trabalhar nela, mas que
seja suficientemente ampla para que todo o mundo possa sentir-se parte e
decidir. A questão fundamental é a criação de uma ferramenta que não reproduza
um certo funcionamento centrípeto das organizações tradicionais de esquerda,
que olham mais para dentro de si do que para fora. Queremos um instrumento que
seja capaz de ajudar a gerar a nova maioria política que, pela primeira vez em
30 anos, temos condições de criar em Espanha.
O Podemos foi o
fenómeno nestas eleições, mas teve 8% dos votos. Pela primeira vez, os partidos
do centrão, PP e PSOE, tiveram menos de 50% dos votos, mas a alternativa a este
"arco da governabilidade", como se diz em Portugal, é muito diversa. Há
o Podemos, a Esquerda Unida, mas também os partidos da esquerda nacionalista
basca, catalã e galega: o Bildu, a Esquerda Republicana da Catalunha e o Bloco
Nacionalista Galego. É gente muito diferente. E alguns não querem governar
Espanha, querem sair de Espanha...
É uma pergunta
muito importante. No Estado espanhol, uma alternativa nacional popular tem de
ser plurinacional e popular. Isso não é uma escolha, é um dado que está aí e
que tem de assumir. Isso não significa que seja visto como uma fatalidade, é
uma realidade sujeita a negociação, mas é claro que a hegemonização da ideia de
Espanha por parte da direita aumentou, como reacção, a força e constituição das
esquerdas independentistas, certamente com muitas razões, mas também porque o
projecto de Espanha foi hegemonizado pelo pior das oligarquias deste país, que
corromperam a política. Isto quer dizer que, com outro tipo de proposta
integradora de convivência plurinacional e assimétrica, em que sejam os
diferentes povos que decidam a sua inserção, se a quiserem, num conjunto maior,
parece-me que se abre a possibilidade de reconstruir algumas pontes que o
Partido Popular dinamita permanentemente. Esta convergência não pode ter
expressão eleitoral unificada neste momento, mas pode ser uma convergência em
relação a uma leitura: o esgotamento do regime nascido em 1978 e a necessidade
de abrir um processo constituinte que pode tornar efectivos todos os direitos. Creio
que, em 9 Novembro, na Catalunha [consulta popular encabeçada pelos
independentistas catalães], se vai ver que só uma acumulação unilateral de
forças não chega para exercer a autodeterminação. Mesmo que haja uma maioria
esmagadora na Catalunha pela independência, isso não cria por si só a
independência. É preciso, para isso, uma mudança da arquitectura constitucional
e jurídica do Estado espanhol que necessita do esforço de todas as forças
democráticas.
Nos partidos
oriundos do movimento operário há a ideia de que o partido é uma espécie de
exército disciplinado contra um inimigo poderoso que mantém uma situação de
injustiça. Nesse contexto, a ideia de primárias abertas a toda a gente para
eleger candidatos é uma iniciativa estranha que aparece nos partidos do
sistema, muitas vezes como um dispositivo em que alguma coisa muda para que
tudo permaneça igual. Com primárias abertas a todos, como é possível garantir
que o partido não se torne igual ao resto?
As primárias têm
a virtude de colocar o instrumento político em contacto com a sociedade. Têm o
problema de dificultarem muito a vida interna e fazerem subir a tensão. No
nosso caso, é preciso partir do objectivo político para chegar aos
procedimentos. Não é um procedimento que, em abstracto, nos pareça melhor, mas
serve os nossos propósitos. Qual é a questão central deste período em Espanha?
É que estamos num processo eleitoral muito acelerado de disputa política entre
as possibilidades de fechamento oligárquico dos de cima e de abertura
democrática a partir dos de baixo. Se isto é assim, o que faz falta é um
instrumento que esteja à altura destes desafios para travar estas batalhas em
que as eleições são absolutamente centrais e em que há condições de obter uma
maioria popular nova.
Qual é a posição
do Podemos em relação ao euro?
Estamos
conscientes de que a União Europeia é um erro. A integração europeia tem sido
apenas um processo ao serviço do capital financeiro e contra a soberania dos
povos, e sabemos que temos de dar passos em relação a um processo de
recuperação democrática que tem de passar por colocar novamente alguns
elementos da soberania no controlo da cidadania: um Banco Central Europeu que
esteja ao serviço dos cidadãos e do desenvolvimento, e não da especulação
financeira. Tudo isso pode implicar repensar alguns elementos nucleares da
integração europeia, como o euro. O fundamental é que em primeiro lugar esteja
a soberania popular e ver como se concretizaria o resto em cada caso.
Mas é possível
democratizar e mudar esta União Europeia?
Esta União
Europeia colapsou. E este projecto está falido pela execução das políticas da
troika, que colocam em causa a própria União Europeia e a possibilidade de um
espaço económico integrado. A dúvida é se, perante este colapso, vamos para um
processo de UE a duas velocidades com aprofundamento do autoritarismo de
mercado, sem legitimidade democrática e sem escutar a voz dos seus cidadãos, ou
para um processo em que haja uma transformação que garanta a soberania dos
povos e construa um caminho diferente de cooperação entre os povos da Europa.
Mas é possível
recuperar a soberania dos povos sem que isso signifique o recrudescimento do
nacionalismo e a divisão das nações?
A unidade dos
povos da Europa tem de passar pela recuperação da soberania por parte de cada
um dos povos e de todos. É preciso que os povos recuperem a sua capacidade de
autogoverno. Nesse sentido, as estruturas de maior peso e que estão mais ao
alcance do povo são os Estados nacionais. Isso não quer dizer que fiquemos
presos neles, mas eles têm as ferramentas políticas fundamentais para construir
uma outra integração.
Durante o
referendo à Constituição Europeia, o filósofo Antonio Negri defendeu que mais
valia uma má Constituição europeia que a manutenção das nações no continente...
Essa hipótese do
companheiro Negri e de algumas pessoas dessa área demonstrou estar errada.
Sem comentários:
Enviar um comentário