ENTREVISTA
"O verdadeiro objectivo dos
'planos de resgate' foi salvar os bancos"
PAULO PENA
04/07/2014 - PÚBLICO
Harald Schumann, jornalista alemão que está a realizar um documentário
sobre a troika, explica ao PÚBLICO por que acusou o Governo português de
"censura".
Há uma semana, na
conferência de imprensa de rotina do Conselho de Ministros, Luís Marques
Guedes, o ministro da Presidência, foi interpelado, em inglês, por um
jornalista que se queixava do silêncio do Governo português perante as suas
perguntas. A imagem passou nas televisões. Harald Schumann, editor do diário
berlinense Tagesspiegel, e autor do livro A Armadilha da Globalização esteve em
Portugal a filmar um documentário para o canal Arte, sobre o efeito da troika
nos países intervencionados.
É o seu segundo
documentário depois da crise financeira. O primeiro chamou-se “Quando a Europa
salva os bancos quem paga?”. Vista por seis milhões de europeus, esta
investigação de Schumann pode ter causado má impressão nos governantes
portugueses. Foi, pelo menos, isso que lhe disseram, para justificar o silêncio
de Carlos Moedas, Maria Luís Albuquerque e Pedro Mota Soares…
O que se passou
na conferência de imprensa?
Nós estávamos há
várias semanas a pedir entrevistas à ministra das Finanças e ao ministro do
Emprego, e também ao coordenador do programa de ajustamento, o secretário de
Estado Carlos Moedas. Mas os nossos pedidos ou eram adiados ou nem sequer
recebiam resposta. Quando a equipa de filmagens chegou e iniciámos a rodagem,
na semana passada, foi-nos transmitido, por porta-vozes, que os ministros e o
secretário de Estado não queriam ser entrevistados para o documentário. Por
isso perguntei ao ministro Marques Guedes a que se devia esta recusa
peremptória de colaborar com um filme que será difundido em, pelo menos, seis
países europeus. O senhor Guedes apenas disse que não lhe cabia comentar as
recusas dos colegas e que devíamos continuar a tentar.
E que razões vos
deram para manter a recusa?
Oficialmente,
disseram-nos que os governantes não queriam participar num documentário que só
será exibido em Janeiro próximo e que, até lá, muitas coisas poderiam
acontecer, tornando os seus depoimentos desactualizados. Como o que queríamos
deles era uma avaliação do que aconteceu ao longo do programa de ajustamento,
creio que estas razões não são credíveis. Nos bastidores, mais tarde, fomos
informados de que a minha “má reputação” teria sido a razão fundamental para
que recusassem qualquer entrevista.
Como é que
interpreta isso?
Bom, só pode
querer dizer que o facto de eu ser conhecido como um jornalista crítico,
independente, me causou má reputação neste Governo. Infelizmente, isso confirma
o problema básico de toda a operação da troika de credores na crise da zona
Euro: O chamado ajustamento está organizado de uma forma opaca, por vezes
arbitrária ou até ilegal. Os seus responsáveis sabem-no, e pretendem evitar
perguntas críticas.
O seu
documentário é sobre o efeito da troika. Onde tem filmado, além de Portugal?
Até agora estivemos
na Grécia e em Portugal. Na próxima semana filmaremos na sede do FMI, em
Washington. Mais tarde iremos à Irlanda e ao Chipre e, é claro, a Bruxelas e a
Frankfurt, para entrevistar os responsáveis da Comissão Europeia e do BCE.
Até agora, o que
vos foi possível observar?
A ideia de
resolver o problema da dívida através da austeridade falhou completamente. A
dívida é agora ainda mais insustentável do que era, há três anos. Os programas
são, também, extremamente enviezados. Todo o fardo é assumido pelos trabalhadores
e pelos contribuintes normais, enquanto as elites privilegiadas, que conseguem
evadir a sua riqueza através dos offshores, e que são as maiores responsáveis
pela crise, até conseguem lucrar com os programas de ajustamento. Por exemplo,
quando conseguem comprar activos valiosos ao Estado a preços de saldo.
Essa é, até
agora, a vossa principal conclusão?
O “resgate”
errado, que apenas salvou os investidores estrangeiros, principalmente alemães,
de perderem nos maus investimentos que fizeram, mina a confiança nas
instituições democráticas dos países afectados. Os Governos e os Parlamentos
desses países parecem ser apenas marionetas nas mãos de desconhecidos, e não
eleitos, burocratas estrangeiros. E, ou, de investidores.
O que mais o
surpreendeu na situação portuguesa?
O facto de terem
tido - em proporção - a maior manifestação de todos os países em crise, mas que
não teve qualquer impacto… Se, na Alemanha, 10% da população saísse à rua para
protestar, o que significaria uma manifestação de 8 milhões de pessoas, nenhum
Governo sobreviveria a isso intacto.
Os cidadãos
alemães estão conscientes do que se passa nos países da periferia?
Infelizmente,
não. De modo nenhum. A maioria dos alemães acredita realmente que o seu Governo
está a “ajudar” os gregos e os portugueses com “dinheiro dos contribuintes”.
O seu último
filme tratava da crise financeira. O que concluiu?
Que o verdadeiro
objectivo dos “planos de resgate” foi salvar os bancos - alemães, franceses,
ingleses - e os seus clientes ricos que fizeram investimentos estúpidos em
bancos sobredimensionados, alimentados pelas bolhas imobiliárias, na Irlanda, na
Espanha e em Portugal. Por esta razão, as dívidas dos bancos a credores
privados foi reciclada em dívida dos Estados a credores oficiais. Em vez dos
investidores, quem assumiu o risco foram os contribuintes de todos os Estados
da Europa.
Acredita que os
responsáveis europeus (a Comissão, os Estados, o BCE) lamentarão, um dia, essa
situação?
Tenho pouca
esperança nisso. A experiência diz-nos que esses tecnocratas se escudam da dura
realidade dos países mais pobres e dirão, sempre, que não tinham alternativa.
Com estes
documentários pretende criar algo de parecido com uma “opinião pública
europeia”?
Não. Não penso
que possa “criar” uma opinião pública europeia. Mas, é claro, é possível que um
dia possamos vir a ter um debate público à escala europeia. O principal
obstáculo são os governos nacionais que nos mantêm enredados em pontos de vista
estritamente nacionais, porque é aí que reside o seu poder. Mas pudemos ver
nestas eleições europeias, que a anacrónica defesa de interesses nacionais, que
não faz nenhum sentido economicamente, faz ricochete. Agora, em muitos países,
estão em ascensão forças nacionalistas, que prometem ver-se livres desta Europa
opaca e não-democrática. Esta receita, se posta em prática, tornar-nos-ia, a
todos, mais pobres. Perderíamos todos os ganhos da divisão transnacional do
trabalho. Mas é precisamente porque os nossos governos mantêm os cidadãos em
iliteracia económica, para camuflar a verdade e os interesse que servem, que
estes extremistas são bem sucedidos. Por isso, todos os que não queremos que a
Europa regresse aos tempos sombrios do século passado temos de fazer o que
estiver ao nosso alcance para criar um discurso público que ultrapasse as
fronteiras nacionais. Ou o conseguimos, ou o projecto
europeu irá ruir
VÍDEO /
HARALD SCHUMANN AT THE EUROPEAN PARLIAMENT
On the 25th
of April 2013, Harald Schumann, investigative journalist at the Tagesspiegel,
presented his film "The Secret Bank Bailout" at the European
Parliament. An event organised by Finance Watch and the Réseau Financement
Alternatif.
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