ARRÁBIDA
Câmara de Setúbal espera legalizar “palácio” de Joe
Berardo com novo Plano Director Municipal
Presidente da autarquia diz que revisão do PDM concluída
em Agosto vai “corrigir” situação que levou ao chumbo do Instituto da
Conservação da Natureza e Florestas. Mas falta contornar problemas levantados
pelo património.
Francisco Alves
Rito
Francisco Alves
Rito 21 de Outubro de 2020, 21:15
A Câmara
Municipal de Setúbal conta com o novo Plano Director Municipal (PDM) para poder
vir a licenciar as obras que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, empresa de Joe
Berardo, está a fazer, ilegalmente, na antiga estação de camionagem de Vila Fresca
de Azeitão, indica uma declaração feita esta quarta-feira pela presidente do
município.
Depois de o
PÚBLICO ter avançado que a intervenção foi chumbada pelo Instituto da
Conservação da Natureza (ICNF) e pela Direcção-Geral do Património Cultural, e
após uma semana de silêncio, em que disse apenas que o caso está “em processo
de legalização”, Maria das Dores Meira apresentou a revisão do PDM como a
solução para o problema.
A autarca
comunista considera “estranha” a classificação atribuída aos terrenos pelo PDM
actualmente ainda em vigor. “Os terrenos em que aquele complexo foi construído
em 1960 foram, estranhamente, classificados pelo PDM aprovado em 1994, numa
gestão camarária liderada pelo PS, como espaços naturais e culturais,
classificação que impede ali qualquer construção e, no limite, obrigaria a
manter eternamente e até à ruína total aqueles edifícios sem que fosse
permitida qualquer alteração, ruína que, aliás, começava já a ser evidente”,
afirma Maria das Dores Meira.
Na longa
declaração que apresentou, na reunião pública do executivo municipal, a
presidente da câmara aponta também o dedo ao Plano de Ordenamento do Parque
Natural da Arrábida (POPNA).
“Dez anos mais
tarde, em 2004, o POPNA insiste nesta visão [do PDM], atribuindo àqueles
terrenos um regime de Protecção Complementar II, com fortes restrições à
edificação e voltando a não enquadrar a actividade que ali era desenvolvida
desde a década de sessenta”, refere.
Maria das Dores
Meira acrescenta que a situação será “corrigida” com a entrada em vigor do novo
PDM.
“A revisão do PDM
de Setúbal, já concluída, corrige esta situação alterando o uso daqueles
terrenos para funções compatíveis com outros usos urbanos, nomeadamente os que
foram apresentados pelo promotor em sede de discussão pública deste plano”,
garante.
Para a comunista,
não aproveitar a revisão do PDM para alterar o uso dos terrenos onde se
encontra o edifício de Joe Berardo seria “o equivalente a permitir que se
perpetuasse o estado de degradação e desqualificação urbanística e paisagística
daquele local, além de favorecer o desinteresse de potenciais interessados em
investir na requalificação daqueles edifícios”.
A declaração da
autarca não explica, no entanto, como pode a alteração do PDM resolver o
problema da falta de parecer positivo da Direcção-Geral do Património Cultural.
Como o PÚBLICO revelou esta quarta-feira, a DGPC chumbou as obras realizadas
pela empresa de Joe Berardo por afectarem a Zona Especial de Protecção do
Palácio da Bacalhôa. A DGPC considera que o novo edifício, apalaçado, é “em
certa medida ‘concorrencial’” com o monumento nacional.
Quanto à posição
da Direcção-Geral do Património Cultural, Dores Meira sublinha apenas que as
obras em curso estão “fora da zona onde não são permitidas construções”, nada
referindo sobre as alterações arquitectónicas e opções estéticas que justificam
o parecer negativo dado já por três vezes.
Sobre as obras
que decorrem ilegalmente há cerca de um ano e meio, a presidente da câmara não
esclareceu se foi feita alguma fiscalização nem explicou porque não foi
embargada, apesar de não ter licença de construção, que é obrigatória
previamente.
Promotor
comunicou que ia fazer limpezas e mudar coberturas
A autarca diz
apenas que a Bacalhôa Vinhos, “em comunicação feita no princípio de 2019,
informou a Câmara Municipal de Setúbal de que iria fazer limpezas nos vários
edifícios e terrenos adjacentes que constituem este antigo complexo industrial
(assim classificado pelo promotor) e mudar as coberturas destas estruturas” e
que apenas “mais tarde” apresentou nos serviços camarários “um pedido de
licenciamento”.
A responsável
reconhece que sem os pareceres positivos do ICNF, da DGPC, e de outros
organismos, “não poderia a autarquia licenciar as obras”, e acrescenta que “ao
longo dos últimos meses a Câmara Municipal de Setúbal alertou, por várias
vezes, o promotor da obra para a obrigatoriedade de ter o processo de
licenciamento concluído de forma a poder avançar com as alterações”.
A declaração
feita agora pela presidente da câmara confirma que a Infra-Estruturas de
Portugal (IP) é outra das entidades cujo parecer é obrigatório por a obra
encontrar-se junto à Estrada Nacional (EN)10. O PÚBLICO questionou a IP há
quase uma semana, por ter informação de que o parecer desta empresa é também
negativo, mas ainda não obteve resposta.
Dores Meira
afirma que a autarquia “não pode aceitar os processos adoptados pelo promotor e
que nos conduziram à actual situação”, mas deixa claro que pretende uma solução
que viabilize a requalificação do edifício.
“Tudo faremos
para criar as condições que permitam resolver da melhor forma este problema,
mas sempre tendo em vista a qualificação urbana daquela zona, assim como o
desenvolvimento e qualificação do nosso território”, conclui.
Como o PÚBLICO
avançou, a transformação da antiga estação de camionagem de Vila Fresca de
Azeitão, numa espécie de palácio, está a ser feita sem licença municipal de
construção e teve já pareceres negativos do ICNF e da DGPC. Além de tratar-se
de zona abrangida pela Reserva do Parque Natural da Arrábida, o edifício em
obras afecta a zona de protecção especial do Palácio da Bacalhôa, classificado
como monumento nacional, que fica em frente, do outro lado da estrada.
Cultura chumba “palácio” de Berardo por concorrer contra
o verdadeiro palácio mesmo em frente
Obras ilegais na antiga estação de camionagem para ali
criar um “falso histórico” afectam zona especial de protecção do Palácio e
Quinta da Bacalhôa, que é monumento nacional, diz DGPC.
Francisco Alves
Rito
Francisco Alves
Rito 20 de Outubro de 2020, 20:27
A transformação
da antiga estação de camionagem de Vila Fresca de Azeitão, Setúbal, numa
espécie de palácio, que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, empresa do empresário
Joe Berardo, está a fazer, tem parecer negativo também da Direcção Geral do
Património Cultural (DGPC), confirmou esta entidade ao PÚBLICO.
“A referida
intervenção está situada na Zona Especial de Protecção (Portaria n.º 255/96,
DR, II Série, n.º 263, de 13-11-1996) do Palácio e Quinta da Bacalhoa,
classificados como Monumento Nacional (Decreto de 16-06-1910, DR, n.º 136, de
23-06-1910/Decreto n.º 2/96, DR, I Série-B, n.º 56, de 6-03-1996/ Declaração de
Rectificação n.º 10-E/96, DR, I Série-B, n.º 127, de 31-05-1996), pelo que o
seu licenciamento municipal carece do parecer prévio e vinculativo da DGPC”,
esclarece a DGPC.
O parecer
negativo da direcção geral, dado já por três vezes, fundamenta-se na
“concorrência” que o novo edifício, por ser apalaçado, faz ao Palácio e Quinta
da Bacalhôa, monumento nacional que fica em frente às obras, do outro lado da
Estrada Nacional (EN)10.
“Os pareceres
desfavoráveis foram fundamentados pela proposta de alteração da imagem
industrial do imóvel existente (correspondente às antigas instalações da
Transportadora Setubalense, mais tarde Rodoviária Nacional), tendo por base uma
estratégia de implementação de um ‘falso histórico’, inadequada do ponto de
vista patrimonial”, refere a DGPC em informação enviada ao PÚBLICO.
“O projecto
apresentado, assente na introdução de uma nova ‘roupagem arquitectónica’,
procurava reproduzir cânones estilísticos, ‘de linhas e proporções clássicas’,
similares a uma ‘residência nobre’ em Azeitão”, acrescenta a mesma nota.
A DGPC concluiu
que a “estratégia” de Joe Berardo, se fosse viabilizada “seria equívoca quanto
(i) à autenticidade da intervenção, (ii) cronologia histórica e (iii)
relevância arquitectónica do edifício, com evidentes implicações na percepção,
em certa medida ‘concorrencial’, junto do imóvel classificado localizado na
proximidade”.
As obras no
edifício da antiga estação, que na fachada principal estão em fase de
acabamentos, decorrem ilegalmente, sem licença municipal de construção, há
quase um ano e meio.
A Direcção Geral
do Património revela que a Câmara Municipal de Setúbal já tentou, por três
vezes, obter o parecer desta entidade, que, além de vinculativo deve ser prévio
ao licenciamento municipal.
“Conforme
requerido pela CM de Setúbal, através da plataforma digital SIRJUE, foram
emitidos três pareceres desfavoráveis em 20.12.19, 6.02.20 e 22.5.20”, refere a
DGPC.
O PÚBLICO
questionou a câmara de Setúbal sobre terem sido pedidos três pareceres e quais
as diferenças entre cada um deles mas, até ao fecho desta edição, não obteve
resposta.
A Direcção Geral
do Património Cultural faz questão de informar que “compete à CM de Setúbal,
enquanto entidade gestora do território, o embargo da referida obra e a tomada
de medidas consentâneas”.
O PÚBLICO
perguntou também, à Câmara de Setúbal, porque não foi decretado o embargo da
obra, mas não obteve resposta. A autarquia, que tem dito que o caso “está em
processo de legalização”, não respondeu também se pode haver legalização apesar
dos pareceres negativos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF) e DGPC.
Contactado pelo
PÚBLICO, o comendador Joe Berardo fez saber, por fonte próxima, que não comenta
o assunto.
O Palácio e
Quinta da Bacalhôa, também propriedade de Joe Berardo, monumento nacional que a
DGPC procura proteger com o parecer negativo neste processo, é uma das
primeiras manifestações da arquitectura renascentista em Portugal. A mais
antiga é a igreja da Foz do Douro cujas ruínas estão dentro do forte de São
João Batista.
Além de afectar a
zona de protecção do monumento nacional, a intervenção no novo edifício de Joe
Berardo situa-se em área da Reserva Natural do Parque da Arrábida, pelo que as
obras têm também parecer negativo do ICNF.
Como o PÚBLICO
avançou na semana passada, a intervenção “integra a área classificada como
Protecção Complementar tipo II” pelo que está “sujeita ao cumprimento do Plano
de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA)”.
O ICNF, cujo
parecer é igualmente vinculativo, não autoriza a obra e já efectuou uma acção
de fiscalização, tendo sido levantado um auto de contra-ordenação.
Ao que o PÚBLICO
apurou, no novo edifício, o comendador pretende instalar um centro
interpretativo do vinho, ligado à Bacalhôa Vinhos, e um novo grande espaço de cultura,
denominado Berardo Bacalhôa Collection (BBC).
tp.ocilbup@otirsevlaocsicnarf
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