quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Câmara de Setúbal espera legalizar “palácio” de Joe Berardo com novo Plano Director Municipal // Cultura chumba “palácio” de Berardo por concorrer contra o verdadeiro palácio mesmo em frente

 



ARRÁBIDA

Câmara de Setúbal espera legalizar “palácio” de Joe Berardo com novo Plano Director Municipal

 

Presidente da autarquia diz que revisão do PDM concluída em Agosto vai “corrigir” situação que levou ao chumbo do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas. Mas falta contornar problemas levantados pelo património.

 

Francisco Alves Rito

Francisco Alves Rito 21 de Outubro de 2020, 21:15

https://www.publico.pt/2020/10/21/local/noticia/camara-setubal-espera-legalizar-palacio-joe-berardo-novo-plano-director-municipal-1936228

 

A Câmara Municipal de Setúbal conta com o novo Plano Director Municipal (PDM) para poder vir a licenciar as obras que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, empresa de Joe Berardo, está a fazer, ilegalmente, na antiga estação de camionagem de Vila Fresca de Azeitão, indica uma declaração feita esta quarta-feira pela presidente do município.

 

Depois de o PÚBLICO ter avançado que a intervenção foi chumbada pelo Instituto da Conservação da Natureza (ICNF) e pela Direcção-Geral do Património Cultural, e após uma semana de silêncio, em que disse apenas que o caso está “em processo de legalização”, Maria das Dores Meira apresentou a revisão do PDM como a solução para o problema.

 

A autarca comunista considera “estranha” a classificação atribuída aos terrenos pelo PDM actualmente ainda em vigor. “Os terrenos em que aquele complexo foi construído em 1960 foram, estranhamente, classificados pelo PDM aprovado em 1994, numa gestão camarária liderada pelo PS, como espaços naturais e culturais, classificação que impede ali qualquer construção e, no limite, obrigaria a manter eternamente e até à ruína total aqueles edifícios sem que fosse permitida qualquer alteração, ruína que, aliás, começava já a ser evidente”, afirma Maria das Dores Meira.

 

Na longa declaração que apresentou, na reunião pública do executivo municipal, a presidente da câmara aponta também o dedo ao Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA).

 

“Dez anos mais tarde, em 2004, o POPNA insiste nesta visão [do PDM], atribuindo àqueles terrenos um regime de Protecção Complementar II, com fortes restrições à edificação e voltando a não enquadrar a actividade que ali era desenvolvida desde a década de sessenta”, refere.

 

Maria das Dores Meira acrescenta que a situação será “corrigida” com a entrada em vigor do novo PDM.

 

“A revisão do PDM de Setúbal, já concluída, corrige esta situação alterando o uso daqueles terrenos para funções compatíveis com outros usos urbanos, nomeadamente os que foram apresentados pelo promotor em sede de discussão pública deste plano”, garante.

 

Para a comunista, não aproveitar a revisão do PDM para alterar o uso dos terrenos onde se encontra o edifício de Joe Berardo seria “o equivalente a permitir que se perpetuasse o estado de degradação e desqualificação urbanística e paisagística daquele local, além de favorecer o desinteresse de potenciais interessados em investir na requalificação daqueles edifícios”.

 

A declaração da autarca não explica, no entanto, como pode a alteração do PDM resolver o problema da falta de parecer positivo da Direcção-Geral do Património Cultural. Como o PÚBLICO revelou esta quarta-feira, a DGPC chumbou as obras realizadas pela empresa de Joe Berardo por afectarem a Zona Especial de Protecção do Palácio da Bacalhôa. A DGPC considera que o novo edifício, apalaçado, é “em certa medida ‘concorrencial’” com o monumento nacional.

 

 

Quanto à posição da Direcção-Geral do Património Cultural, Dores Meira sublinha apenas que as obras em curso estão “fora da zona onde não são permitidas construções”, nada referindo sobre as alterações arquitectónicas e opções estéticas que justificam o parecer negativo dado já por três vezes.

 

Sobre as obras que decorrem ilegalmente há cerca de um ano e meio, a presidente da câmara não esclareceu se foi feita alguma fiscalização nem explicou porque não foi embargada, apesar de não ter licença de construção, que é obrigatória previamente.

 

Promotor comunicou que ia fazer limpezas e mudar coberturas

A autarca diz apenas que a Bacalhôa Vinhos, “em comunicação feita no princípio de 2019, informou a Câmara Municipal de Setúbal de que iria fazer limpezas nos vários edifícios e terrenos adjacentes que constituem este antigo complexo industrial (assim classificado pelo promotor) e mudar as coberturas destas estruturas” e que apenas “mais tarde” apresentou nos serviços camarários “um pedido de licenciamento”.

 

A responsável reconhece que sem os pareceres positivos do ICNF, da DGPC, e de outros organismos, “não poderia a autarquia licenciar as obras”, e acrescenta que “ao longo dos últimos meses a Câmara Municipal de Setúbal alertou, por várias vezes, o promotor da obra para a obrigatoriedade de ter o processo de licenciamento concluído de forma a poder avançar com as alterações”.

 

A declaração feita agora pela presidente da câmara confirma que a Infra-Estruturas de Portugal (IP) é outra das entidades cujo parecer é obrigatório por a obra encontrar-se junto à Estrada Nacional (EN)10. O PÚBLICO questionou a IP há quase uma semana, por ter informação de que o parecer desta empresa é também negativo, mas ainda não obteve resposta.

 

Dores Meira afirma que a autarquia “não pode aceitar os processos adoptados pelo promotor e que nos conduziram à actual situação”, mas deixa claro que pretende uma solução que viabilize a requalificação do edifício.

 

“Tudo faremos para criar as condições que permitam resolver da melhor forma este problema, mas sempre tendo em vista a qualificação urbana daquela zona, assim como o desenvolvimento e qualificação do nosso território”, conclui.

 

Como o PÚBLICO avançou, a transformação da antiga estação de camionagem de Vila Fresca de Azeitão, numa espécie de palácio, está a ser feita sem licença municipal de construção e teve já pareceres negativos do ICNF e da DGPC. Além de tratar-se de zona abrangida pela Reserva do Parque Natural da Arrábida, o edifício em obras afecta a zona de protecção especial do Palácio da Bacalhôa, classificado como monumento nacional, que fica em frente, do outro lado da estrada.

 

tp.ocilbup@otirsevlaocsicnarf

 

Cultura chumba “palácio” de Berardo por concorrer contra o verdadeiro palácio mesmo em frente

 

Obras ilegais na antiga estação de camionagem para ali criar um “falso histórico” afectam zona especial de protecção do Palácio e Quinta da Bacalhôa, que é monumento nacional, diz DGPC.

 

Francisco Alves Rito

Francisco Alves Rito 20 de Outubro de 2020, 20:27

https://www.publico.pt/2020/10/20/local/noticia/cultura-chumba-palacio-berardo-concorrer-verdadeiro-palacio-frente-1936023

 

 

A transformação da antiga estação de camionagem de Vila Fresca de Azeitão, Setúbal, numa espécie de palácio, que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, empresa do empresário Joe Berardo, está a fazer, tem parecer negativo também da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), confirmou esta entidade ao PÚBLICO.

 

“A referida intervenção está situada na Zona Especial de Protecção (Portaria n.º 255/96, DR, II Série, n.º 263, de 13-11-1996) do Palácio e Quinta da Bacalhoa, classificados como Monumento Nacional (Decreto de 16-06-1910, DR, n.º 136, de 23-06-1910/Decreto n.º 2/96, DR, I Série-B, n.º 56, de 6-03-1996/ Declaração de Rectificação n.º 10-E/96, DR, I Série-B, n.º 127, de 31-05-1996), pelo que o seu licenciamento municipal carece do parecer prévio e vinculativo da DGPC”, esclarece a DGPC.

 

O parecer negativo da direcção geral, dado já por três vezes, fundamenta-se na “concorrência” que o novo edifício, por ser apalaçado, faz ao Palácio e Quinta da Bacalhôa, monumento nacional que fica em frente às obras, do outro lado da Estrada Nacional (EN)10.

 

“Os pareceres desfavoráveis foram fundamentados pela proposta de alteração da imagem industrial do imóvel existente (correspondente às antigas instalações da Transportadora Setubalense, mais tarde Rodoviária Nacional), tendo por base uma estratégia de implementação de um ‘falso histórico’, inadequada do ponto de vista patrimonial”, refere a DGPC em informação enviada ao PÚBLICO.

 

“O projecto apresentado, assente na introdução de uma nova ‘roupagem arquitectónica’, procurava reproduzir cânones estilísticos, ‘de linhas e proporções clássicas’, similares a uma ‘residência nobre’ em Azeitão”, acrescenta a mesma nota.

 

A DGPC concluiu que a “estratégia” de Joe Berardo, se fosse viabilizada “seria equívoca quanto (i) à autenticidade da intervenção, (ii) cronologia histórica e (iii) relevância arquitectónica do edifício, com evidentes implicações na percepção, em certa medida ‘concorrencial’, junto do imóvel classificado localizado na proximidade”.

 

As obras no edifício da antiga estação, que na fachada principal estão em fase de acabamentos, decorrem ilegalmente, sem licença municipal de construção, há quase um ano e meio.

 

A Direcção Geral do Património revela que a Câmara Municipal de Setúbal já tentou, por três vezes, obter o parecer desta entidade, que, além de vinculativo deve ser prévio ao licenciamento municipal.

 

“Conforme requerido pela CM de Setúbal, através da plataforma digital SIRJUE, foram emitidos três pareceres desfavoráveis em 20.12.19, 6.02.20 e 22.5.20”, refere a DGPC.

 

O PÚBLICO questionou a câmara de Setúbal sobre terem sido pedidos três pareceres e quais as diferenças entre cada um deles mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.

 

A Direcção Geral do Património Cultural faz questão de informar que “compete à CM de Setúbal, enquanto entidade gestora do território, o embargo da referida obra e a tomada de medidas consentâneas”.

 

O PÚBLICO perguntou também, à Câmara de Setúbal, porque não foi decretado o embargo da obra, mas não obteve resposta. A autarquia, que tem dito que o caso “está em processo de legalização”, não respondeu também se pode haver legalização apesar dos pareceres negativos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e DGPC.

 

Contactado pelo PÚBLICO, o comendador Joe Berardo fez saber, por fonte próxima, que não comenta o assunto.

 

O Palácio e Quinta da Bacalhôa, também propriedade de Joe Berardo, monumento nacional que a DGPC procura proteger com o parecer negativo neste processo, é uma das primeiras manifestações da arquitectura renascentista em Portugal. A mais antiga é a igreja da Foz do Douro cujas ruínas estão dentro do forte de São João Batista.

 

Além de afectar a zona de protecção do monumento nacional, a intervenção no novo edifício de Joe Berardo situa-se em área da Reserva Natural do Parque da Arrábida, pelo que as obras têm também parecer negativo do ICNF.

 

Como o PÚBLICO avançou na semana passada, a intervenção “integra a área classificada como Protecção Complementar tipo II” pelo que está “sujeita ao cumprimento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA)”.

 

O ICNF, cujo parecer é igualmente vinculativo, não autoriza a obra e já efectuou uma acção de fiscalização, tendo sido levantado um auto de contra-ordenação.

 

Ao que o PÚBLICO apurou, no novo edifício, o comendador pretende instalar um centro interpretativo do vinho, ligado à Bacalhôa Vinhos, e um novo grande espaço de cultura, denominado Berardo Bacalhôa Collection (BBC).

 

tp.ocilbup@otirsevlaocsicnarf

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