OPINIÃO
Os cientistas têm estado a orientar-nos na pandemia.
Deixemo-los orientar-nos também no combate às alterações climáticas
A importância da contribuição de especialistas
independentes para a política climática é evidente em todo o mundo; na verdade,
quase todas as leis climáticas existentes estabeleceram ou contemplaram um
órgão consultivo. A Europa não deve ficar atrás.
Alina Averchenkova
25 de Outubro de
2020, 0:25
Este ano, à
medida que a pandemia do coronavírus se espalhava rapidamente por todo o mundo,
fomos abruptamente recordados da importância do conhecimento científico para
assegurar o bem-estar das sociedades e desenvolver uma resposta política
informada nestes tempos de crise. Os cidadãos precisaram do conselho dos
especialistas em saúde – para nos ajudar a proteger-nos da devastação da
covid-19 e dar esperança de um regresso à normalidade. Os políticos contaram
com grupos de cientistas e especialistas para orientarem as medidas de
confinamento de emergência nas cidades e nos países, e para se proceder à
reabertura com o menor custo económico e humano possível.
Em tempos de
adversidade como estes, os especialistas científicos passaram a ser as vozes
mais solicitadas e confiáveis. Esta é uma lição importante para outra crise
global em grande escala que o mundo está a enfrentar – a crise global das
alterações climáticas. As alterações climáticas são uma ameaça global para a
qual os cientistas há muito alertam os políticos e o público em geral, mas a
resposta política tem sido insuficiente. A fé renovada da sociedade na ciência
estender-se-á à crise climática e obrigar-nos-á a levar essa ameaça mais a
sério?
A Europa, sejamos
justos, provou ser mais ambiciosa na sua acção climática do que muitos outros
países desenvolvidos. Mas as políticas europeias de descarbonização e adaptação
ainda ficam aquém do que a ciência diz ser necessário para evitar os piores
efeitos das alterações climáticas e, por isso, devemos fazer melhor. A melhor
forma de garantir que as políticas e os objectivos climáticos europeus são
cientificamente sólidos é incumbir um órgão independente de peritos com
autoridade para aconselhar sobre propostas e avaliar o progresso dos planos e
das políticas. Infelizmente, um tal órgão não consta da proposta de Lei do
Clima, da Comissão Europeia, cujo objetivo, em si louvável, é de consagrar em
lei a meta da neutralidade climática até 2050.
Embora a proposta
de Lei Europeia do Clima seja de uma escala jamais vista na União Europeia,
este tipo de lei não é uma invenção nova. Estão em vigor leis climáticas
nacionais abrangentes no Reino Unido, na Finlândia, em França, na Alemanha, na
Irlanda, no México, na Nova Zelândia, na Suécia e noutros países. Quase todas
as leis climáticas nacionais na Europa – e até mesmo no mundo – contam com um
órgão consultivo independente de especialistas criado especificamente para
aconselhar os governos sobre metas e políticas e para acompanhar os progressos.
E por uma boa razão: a ciência das alterações climáticas é complexa e as leis
só podem regular a resposta do próprio governo, donde a maior necessidade de
avaliações de terceiros. Os órgãos consultivos independentes de especialistas a
nível nacional contribuíram para uma melhor prestação de contas do processo de
formulação de políticas e para mais apoio político às acções climáticas. Sem um
órgão especializado independente, a Lei Europeia do Clima não será sujeita à
supervisão de terceiros para ajudar a preencher a lacuna entre as metas de
redução de emissões e os impactos reais das políticas e planos para
alcançá-las. Nem haverá qualquer autoridade clara e confiável para avaliar
independentemente o progresso em direcção a essas metas. A Lei Europeia do
Clima pode tornar-se única pelo que lhe falta, e não pelo que pretende ser. Uma
lei climática sem um órgão consultivo independente de especialistas é como um
mapa sem escala ou rosa-dos-ventos, o que torna difícil determinar a distância
e a melhor rota para chegar ao destino final.
Como podemos
assegurar que a implementação do Pacto Ecológico Europeu se apoia na melhor
ciência e experiência? A UE pode inspirar-se e aprender com as inovações e
experiências em matéria de governação a nível nacional. Nomeadamente, criando
um Conselho Consultivo Europeu para as Alterações Climáticas – um órgão
independente de especialistas que forneceria uma análise científica
independente sobre as metas e propostas políticas e acompanharia a
implementação da Lei Europeia do Clima, fornecendo uma perspectiva pan-europeia
sobre os progressos alcançados e a consistência política. Através de análises e
conselhos independentes, altamente qualificados e não politizados, este órgão
reforçaria a adesão política às propostas da Comissão e a legitimidade geral e
aceitação pública da implementação da transição para a neutralidade climática
na UE.
Os últimos seis
meses lembraram ao mundo como os cientistas são fundamentais para a nossa
sociedade e para o nosso bem-estar, e a importância de dar ouvidos aos seus
avisos e conselhos sobre questões de saúde pública e crises ambientais. Vamos
dar uma voz clara à ciência na resposta da Europa às alterações climáticas,
criando um órgão independente sobre ciência do clima para servir o Pacto
Ecológico Europeu
Pode-se perguntar:
não bastaria à Europa contar apenas com o trabalho do Painel Intergovernamental
sobre Alterações Climáticas (IPCC)? Porque é que a Europa precisa de ter um
painel de especialistas próprio? O IPCC fornece aos decisores políticos
avaliações científicas regulares sobre as alterações climáticas, as suas
implicações e riscos futuros, e aconselha sobre opções relativamente a medidas
de adaptação e mitigação. E, através das suas avaliações periódicas, o IPCC
contribui para uma compreensão científica e abrangente das alterações
climáticas e explica onde é necessária mais investigação. Todavia, o IPCC não
aconselha sobre metas e propostas de políticas específicas, nem avalia o
progresso da implementação numa determinada área geográfica. Um Conselho Consultivo
Europeu para as Alterações Climáticas complementaria o trabalho do IPCC,
aconselhando exclusivamente a União Europeia sobre objectivos e propostas de
políticas específicos e avaliando os progressos realizados na prossecução
desses objectivos apenas na Europa. Órgãos consultivos semelhantes a nível
nacional demonstram que esse contributo não prejudica o IPCC, pelo contrário,
ajuda a transpor o seu trabalho para uma aplicação nacional e regional
específica.
A importância da
contribuição de especialistas independentes para a política climática é
evidente em todo o mundo; na verdade, quase todas as leis climáticas existentes
estabeleceram ou contemplaram um órgão consultivo. A Europa não deve ficar
atrás. Recentemente, o Parlamento Europeu votou a favor da criação de um tal
órgão e, nas discussões do Conselho que se vão seguir, os Estados-membros
deveriam garantir que o mesmo seja consagrado na lei. Os últimos seis meses
lembraram ao mundo como os cientistas são fundamentais para a nossa sociedade e
para o nosso bem-estar, e a importância de dar ouvidos aos seus avisos e
conselhos sobre questões de saúde pública e crises ambientais. Vamos dar uma
voz clara à ciência na resposta da Europa às alterações climáticas, criando um
órgão independente sobre ciência do clima para servir o Pacto Ecológico
Europeu.
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