OPINIÃO
Avante, camarada! Nem a covid nos pára!
Quando tantos eventos foram adiados, quando se pedem
tantos sacrifícios aos Portugueses, quando a economia ameaça colapsar, quando o
número de mortos é um triste memorial da realidade, o PCP fala em coragem.
Estamos conversados.
André Lamas Leite
10 de Agosto de
2020, 0:10
https://www.publico.pt/2020/08/10/opiniao/opiniao/avante-camarada-covid-1927574
O ser humano é,
por definição, incongruente. Daí que os partidos políticos, constituídos por
elas e por eles, também o sejam. E o salto para as instituições, mesmo
abstractamente consideradas, conduz ao mesmo resultado. O problema maior reside
nas hipóteses em que essa incoerência mina os alicerces da confiança entre os
cidadãos e quem os representa.
O modo como o
actual Governo vem gerindo a pandemia merece, em meu juízo, uma valoração em
regra positiva. Porém, detectam-se, cada vez mais, incongruências gritantes,
sem qualquer explicação racional, mas somente ditadas por ocasionais
conveniências políticas e/ou económicas. Já acontecera com o 1.º de Maio, irá
suceder com o triste espectáculo do final da “Champions”, cujo anúncio mais se
assemelhava a uma proclamação oficial do fim da covid-19, para já não falar no
tratamento discriminatório que bares e discotecas vêm recebendo.
Das piores coisas
que numa democracia pode acontecer é a percepção de que há filhos e enteados.
Já sabemos que os há sempre: os mais próximos de quem está no poder, por
filiação ou outros jogos de interesses; e os demais, os que estão longe de
Lisboa – afinal, a distância entre o Porto e a capital não é de 300, mas de
3000 km, e para outras zonas do país é quase inultrapassável, mesmo com as
auto-estradas cavaquistas; “não é por mal, até chamávamos este e aquele, mas
desculpem lá, nem nos lembrámos.” Numa palavra, quem tem o mando ou os seus
apaniguados e os demais. O que impressiona são as vezes em que o poder político
perde a vergonha das aparências e, por isso, num certo sentido, até merece mais
respeito: diz directamente ao que vai.
Como sucede com a
festa do Avante, que agora já não é “festa”, mas “evento político-cultural”.
Como jurista, conheço bem a subtileza das palavras, tal como estou treinado a
ver o conteúdo para além da forma. Do que conhecemos, pouco mudará na Quinta da
Atalaia. Nada me move contra o PCP. Aliás, sou daqueles que reconhece o seu
inquestionável papel no fim do regime do Estado Novo e a defesa dos direitos
dos trabalhadores, considerando-o um partido charneira no nosso espectro
político. E se há algo que caricaturalmente se associa aos comunistas é a
congruência. Ainda que a URSS colapse, ainda que os tanques estejam em
Tiananmen, mesmo que Maduro prenda e mate sem motivação justificável, ainda que
o pequeno louco de cabelo esquisito brinque aos foguetões, mesmo que em Cuba
não possa existir oposição, o PCP defende as supostas emanações da sua
ideologia com uma admirável força que roça a própria negação da realidade.
Ora, mais uma
prova dessa coerência: haja ou não risco para a saúde pública, Avante é Avante.
Dizia um deputado comunista que é “um acto de coragem”. De quem? Só se for de
quem lá vai. Quando tantos eventos foram adiados, quando se pedem tantos
sacrifícios aos Portugueses, quando a economia ameaça colapsar, quando o número
de mortos é um triste memorial da realidade, o PCP fala em coragem. Estamos
conversados, embora, genuinamente, esta posição me deixe triste, pela tal
importância que reconheço aos comunistas no concerto dos partidos em Portugal.
É evidente que vamos ser intoxicados com exemplos de medidas de distanciamento
social, com isto e com aquilo, mas, na verdade, os festivais de música não
existiram, os demais partidos não realizaram as suas reuniões magnas, ficámos a
dar aulas a partir de casa; tudo se alterou.
Depois não se queixem do penhasco entre eleitores e
eleitos, da abstenção, de que os mais qualificados não vão para a política.
Pudera! Com decisões como esta, que, se analisada objectivamente, sem
partidarites agudas, é um hino perfeito ao mau-senso...
E o Governo e a
DGS? Bom, esta última é um órgão da Administração Pública directa, pelo que a
sua independência é, com qualquer partido, mais aparente que real. A decisão,
por isso, é política, embora quem a tome se refugie atrás dos técnicos. Nada de
novo – a tecnocracia decisória quando dá jeito. Afinal, o PCP participa na
solução governativa, com ou sem papel passado, e o PS desconfia mais do BE que
dos comunistas, que julga serem mais congruentes. Afinal, o Avante é a segunda
fonte de rendimento do PCP – ai o capitalismo, camaradas! E em Belém também
interessa assobiar para o lado – as presidenciais ali tão perto. Nada de novo
sob o sol, portanto.
Depois não se
queixem do penhasco entre eleitores e eleitos, da abstenção, de que os mais
qualificados não vão para a política. Pudera! Com decisões como esta, que, se
analisada objectivamente, sem partidarites agudas, é um hino perfeito ao
mau-senso. E, como dito, às escancaras, com a população entretida no ganha-pão
diário cada vez mais difícil. Enquanto a actuação governamental continuar com
buracos de queijo suíço como este em termos de coerência, não se queixe de
sermos banidos de corredores verdes, do impacto no turismo. Os estrangeiros
também sabem o que se passa cá, e naturalmente que havendo medidas por eles
tomadas que são apenas para protecção dos seus interesses, em nada ajudam tiros
no pé desta monta.
Avante, camarada!



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