OPINIÃO
A procuradora que ficou em primeiro mas perdeu
O Governo transformou o que devia ser um cargo
independente numa nomeação por confiança política. É uma vergonha, e uma
vergonha que deve ser denunciada.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
6 de Agosto de
2020, 0:00
https://www.publico.pt/2020/08/06/opiniao/opiniao/procuradora-ficou-perdeu-1927113
Esta é uma
história exemplar, que tem passado por debaixo dos radares mediáticos – e não
devia. É a história de uma procuradora portuguesa que ficou em primeiro lugar
num concurso internacional para o cargo de procuradora europeia e que viu o
segundo classificado passar-lhe à frente por indicação expressa do Governo. E é
a história de um Governo que, ao apresentar explicações para tal decisão,
recorreu a um argumento totalmente desconchavado, só para tentar justificar o
injustificável – o Governo transformou o que devia ser um cargo independente
numa nomeação por confiança política. É uma vergonha, e uma vergonha que deve
ser denunciada.
A Procuradoria Europeia (PE) é um órgão criado pela União Europeia (UE) em 2017 e que está neste momento a iniciar funções. Iremos ouvir falar muito dela no futuro. O seu propósito é combater as fraudes que atingem directamente os interesses da UE. A UE calcula que só nos últimos cinco anos cerca de 640 milhões de euros de fundos estruturais foram indevidamente utilizados e que os Estados-membros perdem anualmente 50 mil milhões (!) em receitas de IVA devido a fraudes transnacionais. A PE passará a investigar e a exercer acção penal contra desvios que envolvam fundos da UE num montante superior a 10.000 euros ou, em casos de fraudes transfronteiriças relativas ao IVA, que envolvam prejuízos superiores a 10 milhões de euros. Estão a ver o quanto esta matéria é sensível para Portugal, não estão?
Há quem diga que Ana Mendes de Almeida pagou o preço de
ter andado a vasculhar o Ministério da Administração Interna no caso das golas
anti-fumo. Mas talvez nem seja preciso ir tão longe
O Governo
português não concordou. Por isso, optou por passar por cima do concurso
internacional e nomear o segundo classificado, o procurador José Guerra,
utilizando o patético argumento de que fora ele o mais bem classificado no
concurso interno promovido pelo CSMP. É mais ou menos o mesmo que retirar ao
Liverpool a vitória na Liga dos Campeões de 2019 com o argumento de que foi o
Manchester City a ganhar o campeonato de Inglaterra.
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