JUSTIÇA
Cinco dos 27 acusados de crimes de ódio já tinham sido
condenados no caso da morte de Alcindo Monteiro
Só cinco anos depois de iniciada, a investigação chega ao
fim. Pelo caminho, juntaram-se novos inquéritos que agravaram os crimes e
passaram a abranger um maior número de vítimas.
Ana Dias Cordeiro
14 de Junho de 2020, 6:42
Uma investigação
conduzida pelo Ministério Público (MP) com a colaboração da Unidade Nacional
Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) chegou ao fim, cinco anos
depois de ter sido iniciada, com a acusação formal de 27 homens por crimes de
discriminação racial, religiosa ou sexual e também de tentativa de homicídio
qualificado. Os crimes terão resultado em, pelo menos, 18 vítimas.
De acordo com uma
nota publicada neste sábado no site da Procuradoria-Geral da República (PGR), o
MP requereu o julgamento dos 27 arguidos, ao acusá-los ainda da prática de
ofensas à “integridade física qualificada, incitamento à violência, dano com
violência, detenção de arma proibida, roubo, tráfico de estupefacientes e
tráfico de armas”.
Duas pessoas
terão sido agredidas com facas e outros objectos cortantes, resultando em
ferimentos no abdómen e tórax. As partes do corpo visadas e atingidas “eram
aptas a determinar as suas mortes, o que apenas não se verificou por razões
alheias às vontades dos agressores”. Em alguns dos ataques, explica o MP, os
arguidos actuaram com o objectivo de “fazerem seus, danificarem, partirem e
destruírem bens dos ofendidos”.
Os 27 acusados,
que podem ou não requerer a abertura da instrução para tentarem não ir a
julgamento, agiram com o propósito de pertencer a um grupo que exaltava a
“superioridade da raça branca face às demais”, lê-se ainda na nota da PGR. Os
arguidos, uma vez pertencendo a tal grupo, “deveriam desenvolver acções
violentas contra as minorias raciais, assim como contra todos aqueles que
tivessem orientações sexuais e políticas diferentes das suas”. A actividade do
grupo terá começado em Junho de 2015.
De acordo com o
Código Penal, quem “incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de
pessoas por causa da sua cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião,
orientação sexual (…) é punido com uma pena de prisão de seis meses a cinco
anos.
Já em Maio deste
ano, o MP indiciou 37 arguidos no âmbito deste processo, como noticiou o Diário
de Notícias. Dez desses arguidos não foram acusados. Ainda segundo o DN, as
primeiras suspeitas confirmaram-se e os crimes agravaram-se porque mais vítimas
e mais suspeitos foram identificados. Assim, haverá 18 vítimas, incluindo um
militante comunista que terá ficado com lesões cerebrais permanentes após ter
sido espancado.
Mas este é um
caso que se arrasta há vários anos. A detenção pela Polícia Judiciária, em
Novembro de 2016, de 20 skinheads, numa operação que envolveu 40 buscas
domiciliárias em Braga, Lisboa e Albufeira, está relacionada com este caso.
Luís Neves, actual director-nacional da PJ, e que era na altura director da
Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT), disse então ao PÚBLICO que a
investigação reunia um conjunto de “agressões bárbaras”, cometidas com facas ou
em grupo e que a maior parte dos detidos integrava o grupo Portuguese
Hammerskin (PHS).
Muitos desses
elementos com menos de 30 anos já tinham então antecedentes criminais
associados à discriminação. “Alguns são jovens à procura de um lugar na
estrutura daquela organização através destes crimes”, afirmava então Luís
Neves.
A demora na
conclusão do inquérito pode ter várias explicações, segundo uma fonte ligada ao
processo: outros inquéritos que se desconheciam na altura foram entretanto
incorporados neste, os detidos para interrogatório não ficaram em prisão
preventiva, o que não imprimiu a este processo um carácter urgente, e algumas
vítimas tiveram medo de represálias, o que levou ao arquivamento de alguns
processos entretanto reabertos no âmbito deste caso mais vasto.
Entre estes 27
acusados, cinco já tinham sido condenados pelo envolvimento na morte do
cabo-verdiano Alcindo Monteiro, espancado no Bairro Alto, em Lisboa, em 1995, e
que terminou com a condenação de 16 elementos, entre eles Mário Machado a uma
pena de quatro anos e três meses.
Passados alguns
anos, e quando já era apontado como o líder do movimento de extrema-direita
Hammerskins Portugal, Mário Machado foi condenado a quatro anos e dez meses de
prisão efectiva no culminar de uma mega-operação que levou 36 skinheads ao
banco dos réus por discriminação racial, sequestros, ofensas corporais, posse
ilegal de armas e distribuição de propaganda nazi.
Neste grupo, e
além de Mário Machado, cinco elementos foram condenados a penas de prisão
efectiva e dezassete a penas suspensas. Foi a primeira condenação em Portugal
por discriminação racial.
Segundo a
acusação agora deduzida pelo procurador Óscar Ferreira, da 11ª Secção do DIAP
de Lisboa, as actividades deste grupo terão começado em Junho de 2015 quando os
arguidos começaram a “ofender pessoas com ideais políticos, raça, religião ou
orientação sexual distintos dos seus e incentivando ao ódio e à violência
contra aqueles”.

Sem comentários:
Enviar um comentário