segunda-feira, 15 de junho de 2020

Cinco dos 27 acusados de crimes de ódio já tinham sido condenados no caso da morte de Alcindo Monteiro



JUSTIÇA
Cinco dos 27 acusados de crimes de ódio já tinham sido condenados no caso da morte de Alcindo Monteiro

Só cinco anos depois de iniciada, a investigação chega ao fim. Pelo caminho, juntaram-se novos inquéritos que agravaram os crimes e passaram a abranger um maior número de vítimas.

Ana Dias Cordeiro 14 de Junho de 2020, 6:42

Uma investigação conduzida pelo Ministério Público (MP) com a colaboração da Unidade Nacional Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) chegou ao fim, cinco anos depois de ter sido iniciada, com a acusação formal de 27 homens por crimes de discriminação racial, religiosa ou sexual e também de tentativa de homicídio qualificado. Os crimes terão resultado em, pelo menos, 18 vítimas.

De acordo com uma nota publicada neste sábado no site da Procuradoria-Geral da República (PGR), o MP requereu o julgamento dos 27 arguidos, ao acusá-los ainda da prática de ofensas à “integridade física qualificada, incitamento à violência, dano com violência, detenção de arma proibida, roubo, tráfico de estupefacientes e tráfico de armas”.

Duas pessoas terão sido agredidas com facas e outros objectos cortantes, resultando em ferimentos no abdómen e tórax. As partes do corpo visadas e atingidas “eram aptas a determinar as suas mortes, o que apenas não se verificou por razões alheias às vontades dos agressores”. Em alguns dos ataques, explica o MP, os arguidos actuaram com o objectivo de “fazerem seus, danificarem, partirem e destruírem bens dos ofendidos”.

Os 27 acusados, que podem ou não requerer a abertura da instrução para tentarem não ir a julgamento, agiram com o propósito de pertencer a um grupo que exaltava a “superioridade da raça branca face às demais”, lê-se ainda na nota da PGR. Os arguidos, uma vez pertencendo a tal grupo, “deveriam desenvolver acções violentas contra as minorias raciais, assim como contra todos aqueles que tivessem orientações sexuais e políticas diferentes das suas”. A actividade do grupo terá começado em Junho de 2015.

De acordo com o Código Penal, quem “incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, orientação sexual (…) é punido com uma pena de prisão de seis meses a cinco anos.

Já em Maio deste ano, o MP indiciou 37 arguidos no âmbito deste processo, como noticiou o Diário de Notícias. Dez desses arguidos não foram acusados. Ainda segundo o DN, as primeiras suspeitas confirmaram-se e os crimes agravaram-se porque mais vítimas e mais suspeitos foram identificados​. Assim, haverá 18 vítimas, incluindo um militante comunista que terá ficado com lesões cerebrais permanentes após ter sido espancado.

Mas este é um caso que se arrasta há vários anos. A detenção pela Polícia Judiciária, em Novembro de 2016, de 20 skinheads, numa operação que envolveu 40 buscas domiciliárias em Braga, Lisboa e Albufeira, está relacionada com este caso. Luís Neves, actual director-nacional da PJ, e que era na altura director da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT), disse então ao PÚBLICO que a investigação reunia um conjunto de “agressões bárbaras”, cometidas com facas ou em grupo e que a maior parte dos detidos integrava o grupo Portuguese Hammerskin (PHS).

Muitos desses elementos com menos de 30 anos já tinham então antecedentes criminais associados à discriminação. “Alguns são jovens à procura de um lugar na estrutura daquela organização através destes crimes”, afirmava então Luís Neves.

A demora na conclusão do inquérito pode ter várias explicações, segundo uma fonte ligada ao processo: outros inquéritos que se desconheciam na altura foram entretanto incorporados neste, os detidos para interrogatório não ficaram em prisão preventiva, o que não imprimiu a este processo um carácter urgente, e algumas vítimas tiveram medo de represálias, o que levou ao arquivamento de alguns processos entretanto reabertos no âmbito deste caso mais vasto.

Entre estes 27 acusados, cinco já tinham sido condenados pelo envolvimento na morte do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, espancado no Bairro Alto, em Lisboa, em 1995, e que terminou com a condenação de 16 elementos, entre eles Mário Machado a uma pena de quatro anos e três meses.

Passados alguns anos, e quando já era apontado como o líder do movimento de extrema-direita Hammerskins Portugal, Mário Machado foi condenado a quatro anos e dez meses de prisão efectiva no culminar de uma mega-operação que levou 36 skinheads ao banco dos réus por discriminação racial, sequestros, ofensas corporais, posse ilegal de armas e distribuição de propaganda nazi.

Neste grupo, e além de Mário Machado, cinco elementos foram condenados a penas de prisão efectiva e dezassete a penas suspensas. Foi a primeira condenação em Portugal por discriminação racial.

Segundo a acusação agora deduzida pelo procurador Óscar Ferreira, da 11ª Secção do DIAP de Lisboa, as actividades deste grupo terão começado em Junho de 2015 quando os arguidos começaram a “ofender pessoas com ideais políticos, raça, religião ou orientação sexual distintos dos seus e incentivando ao ódio e à violência contra aqueles”.

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