quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Linha de alta velocidade vai ligar Lisboa e Porto em 1h15




REDE FERROVIÁRIA

Linha de alta velocidade vai ligar Lisboa e Porto em 1h15

 

Primeira fase da nova infra-estrutura vai servir Aveiro, Coimbra e Leiria, será construída em bitola ibérica e cruza-se com a linha do Norte em vários pontos, permitindo uma articulação com a rede convencional. Projecto custa 4500 milhões.

 

Carlos Cipriano 22 de Outubro de 2020, 6:18

https://www.publico.pt/2020/10/22/economia/noticia/linha-alta-velocidade-vai-ligar-lisboa-porto-1h15m-1936153

 

O PNI – Programa Nacional de Investimentos 2030 – que vai ser anunciado esta quinta-feira em Lisboa com a presença do primeiro-ministro e dos ministros das Infra-estruturas, Ambiente e Agricultura – contempla como principal projecto uma nova linha Lisboa-Porto, que numa segunda fase estará preparada para velocidades de 300km/hora, a fim de ligar as duas cidades num tempo de viagem próximo de 1 hora e 15 minutos. Segundo apurou o PÚBLICO, numa primeira fase, essa infra-estrutura será construída em bitola ibérica e articulada com a rede convencional para receber comboios com patamares de velocidade entre os 220 e os 250km/hora.

 

A construção desta linha será faseada, o que permitirá a sua utilização à medida que os sucessivos troços forem abrindo, pois cruzar-se-á com a Linha do Norte em alguns pontos. A prioridade vai ser dada ao troço Gaia-Soure, que representa metade do trajecto entre Lisboa e o Porto, devendo depois a linha tocar Leiria e prosseguir para Lisboa num canal já estudado pela Rave (a empresa criada em 2000 no Governo de António Guterres para estudar a rede de alta velocidade) a oeste da serra dos Candeeiros.

 

Ao ter como base o corredor da Rave, isto significa que de Leiria para Lisboa a nova infra-estrutura deverá passar nas proximidades de Rio Maior e Ota e entrar em Lisboa pela zona de Arruda dos Vinhos, num troço de difícil execução que exige vários túneis e viadutos. Daí que a prioridade seja dada à metade norte, mais fácil, entre Gaia e Soure.

 

 Este projecto torna inevitáveis, a mais longo prazo, a construção de mais duas pontes, sobre o Douro e o Tejo. A Ponte de S. João ficará congestionada ao absorver mais comboios vindos da nova linha e, a sul, uma “auto-estrada ferroviária” que liga o Porto a Lisboa em 1h15 obrigará a uma terceira travessia do Tejo para fazer repercutir os ganhos de tempo para a península de Setúbal, Alentejo e Algarve.

 

Ao construir a nova infra-estrutura em bitola ibérica, o Governo pretende que esta seja utilizada, no todo ou parcialmente, por outros serviços de passageiros com maior número de paragens (por exemplo, os Intercidades) ou que não tenham origem e destino em Lisboa e Porto. Os serviços de Lisboa para Braga, Guimarães, Viana do Castelo, Régua e Guarda poderão utilizar este novo corredor. Inversamente, o Porto ficará mais perto de Setúbal, Beja e Faro.

 

Duas décadas depois da primeira tentativa, Portugal volta a meter a alta velocidade ferroviária nos planos

No fundo, a nova linha Lisboa-Porto será o corredor central do eixo atlântico que poderá ligar a Galiza ao Algarve e à Andaluzia.

 

Embora construída em bitola ibérica, as travessas em que assentarão os carris serão polivalentes, isto é, estarão preparadas para que, no futuro, a linha possa migrar para bitola europeia. E só nessa altura – quando toda a linha for em bitola europeia – é que os comboios poderão verdadeiramente circular a 300km/hora e o Porto e Lisboa ficarem a 1h15 de distância.

 

Isto, porque os comboios de alta velocidade só estão homologados para circularem em bitola europeia. A sua homologação para bitola ibérica teria um custo demasiado elevado para que um governo ou fabricante nele investisse. Por isso, a nova linha Lisboa-Porto estará limitada a 250km/hora numa primeira fase (o que já permite assinaláveis reduções de tempos de trajecto face à Linha do Norte) e só a longo prazo será uma linha de alta velocidade.

 

As estações

Ao aproveitar os estudos feitos pela Rave, a linha de alta velocidade irá sair de Gaia e não deverá passar por Aveiro, cuja estação será servida através de uma variante à linha principal – isto é, haverá comboios Lisboa-Porto que passarão ao largo de Aveiro e outros que utilizarão esse desvio para efectuar paragem naquela cidade.

 

Já Coimbra terá a nova infra-estrutura a passar pela actual estação de Coimbra B, enquanto em Leiria está prevista uma estação Leiria/Marinha Grande num ponto junto à Linha do Oeste. Trata-se, mais uma vez, de articular a alta velocidade com a rede convencional, permitindo assim que comboios vindos de Torres Vedras e Caldas da Rainha possam prosseguir para norte pelo novo corredor.

 

Em 1999, o PÚBLICO noticiava a decisão do governo de António Guterres em construir uma linha de alta velocidade que ligasse Lisboa ao Porto em 1h15. O ministro João Cravinho já não acreditava na modernização da linha do Norte e queria estruturar o território com um grande corredor ferroviário no litoral. Nessa altura, o ex-ministro das Obras Públicas, Oliveira Martins, lamentava que já se tivessem perdido dez anos: nos anos 80, ele próprio lançara os estudos para o TGV em Portugal, que o seu sucessor, Ferreira do Amaral, metera na gaveta. A mudança de ciclo político ajustara a agulha para a alta velocidade e o novo governo chega-se à frente. Porém, o traçado e a questão da Ota não são consensuais e seguem-se anos de discussões. A troika arrumou definitivamente com a alta velocidade, António Costa chamou-lhe um tabu, mas um seu ministro renasce-a das cinzas e volta a lançá-la.

 

Seguindo o traçado da Rave, a linha prossegue por Rio Maior (onde chegou a estar prevista uma estação na qual só parariam alguns serviços) e Ota, a qual deixou de ser um ponto fixo no mapa, permitindo agora que se decida construir um outro traçado mais perto de Santarém.

 

Esta abordagem de articular a linha de alta velocidade com a rede convencional está em linha com uma das premissas do Governo na elaboração de um plano ferroviário nacional “assente num modelo em rede, que inclua linhas, ramais e trajectos interligados”.

 

Financiamento

Para obter os 4500 milhões de euros necessários para este projecto, o executivo deverá recorrer a fundos comunitários, nomeadamente do QFP (Quadro Financeiro Plurianual) e do CEF (Connecting Europe Facility). A estratégia assenta em aproveitar a disponibilidade europeia para os projectos ferroviários (tanto na infra-estrutura, como no material circulante) para obter fundos comunitários e guardar o dinheiro a fundo perdido da “bazuca” europeia para os projectos rodoviários, os quais deixaram de ser financiados pela UE. É por isso que no Plano de Recuperação e Resiliência apresentado recentemente não constam investimentos na ferrovia, com excepção do metropolitano e metros ligeiros, cuja tutela, aliás, é do Ministério do Ambiente e não do das Infra-estruturas.

 

Neste jogo desigual, Matos Fernandes fica com o dinheiro a fundo perdido da “bazuca” e Pedro Nuno Santos com os financiamentos comunitários convencionais.

 

O “T deitado”

Aproximar Lisboa e o Porto e criar uma grande área metropolitana litoral foi uma estratégia cedo assumida pelo ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, que considera uma linha de alta velocidade indispensável para esse objectivo. Em entrevista ao PÚBLICO em 27 de Novembro de 2019, o governante dizia que “o país teria muito a ganhar” com uma ligação entre as duas cidades com uma velocidade entre os 250 e os 300km/hora. “No dia em que a viagem entre Lisboa e o Porto puder ser feita em pouco mais de uma hora, estaremos a pensar a forma como este país se organiza, a forma como a economia se articula, a forma como nós trabalhamos de maneira completamente diferente.”

 

Há 20 anos, o seu homólogo João Cravinho dizia a mesma coisa, quando anunciou uma linha de alta velocidade entre Lisboa e o Porto, também em 1h15m. O ministro dizia que esta linha era necessária para se opor ao centralismo espanhol de considerar Madrid o centro de uma estrela a partir da qual irradiavam linhas de alta velocidade para todos os pontos da Península Ibérica. Em Portugal, em vez de Madrid estar ligado a um ponto (Lisboa), estaria ligado a um corredor Lisboa-Porto, a uma grande metrópole litoral. Daí a ideia do “T deitado” como um eixo vertical a partir da qual sairia uma linha para Espanha. Cravinho falava mesmo de um eixo Pontevedra-Setúbal.

 

Mas também já há 20 anos as razões para construir uma nova linha Lisboa-Porto se prendiam com a fragilidade da Linha do Norte em responder aos desafios futuros da mobilidade entre as duas cidades. A linha estava a começar a ser modernizada e já somava atrasos. O objectivo era que os pendulares ligassem o Tejo ao Douro em 2h15, mas ficou decidido que se ficaria pelas 2h30, pois a aposta seria a alta velocidade.

 

Passaram-se 20 anos. A modernização da Linha do Norte não avançou e os pendulares demoram três horas entre Lisboa e o Porto. Um novo ministro anuncia que está na hora de se retomar a alta velocidade e o objectivo de 1h15 entre as duas capitais. Mas, pragmaticamente, não anuncia um projecto segregado, a ser construído de uma só vez como o seu antecessor, mas sim uma construção faseada que proporcione ganhos de tempo à medida que for sendo feito.


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