REDE FERROVIÁRIA
Linha de alta velocidade vai ligar Lisboa e Porto em 1h15
Primeira fase da nova infra-estrutura vai servir Aveiro,
Coimbra e Leiria, será construída em bitola ibérica e cruza-se com a linha do
Norte em vários pontos, permitindo uma articulação com a rede convencional.
Projecto custa 4500 milhões.
Carlos Cipriano
22 de Outubro de 2020, 6:18
O PNI – Programa
Nacional de Investimentos 2030 – que vai ser anunciado esta quinta-feira em
Lisboa com a presença do primeiro-ministro e dos ministros das
Infra-estruturas, Ambiente e Agricultura – contempla como principal projecto uma
nova linha Lisboa-Porto, que numa segunda fase estará preparada para
velocidades de 300km/hora, a fim de ligar as duas cidades num tempo de viagem
próximo de 1 hora e 15 minutos. Segundo apurou o PÚBLICO, numa primeira fase,
essa infra-estrutura será construída em bitola ibérica e articulada com a rede
convencional para receber comboios com patamares de velocidade entre os 220 e
os 250km/hora.
A construção
desta linha será faseada, o que permitirá a sua utilização à medida que os
sucessivos troços forem abrindo, pois cruzar-se-á com a Linha do Norte em
alguns pontos. A prioridade vai ser dada ao troço Gaia-Soure, que representa
metade do trajecto entre Lisboa e o Porto, devendo depois a linha tocar Leiria
e prosseguir para Lisboa num canal já estudado pela Rave (a empresa criada em
2000 no Governo de António Guterres para estudar a rede de alta velocidade) a
oeste da serra dos Candeeiros.
Ao ter como base
o corredor da Rave, isto significa que de Leiria para Lisboa a nova
infra-estrutura deverá passar nas proximidades de Rio Maior e Ota e entrar em
Lisboa pela zona de Arruda dos Vinhos, num troço de difícil execução que exige
vários túneis e viadutos. Daí que a prioridade seja dada à metade norte, mais
fácil, entre Gaia e Soure.
Ao construir a
nova infra-estrutura em bitola ibérica, o Governo pretende que esta seja
utilizada, no todo ou parcialmente, por outros serviços de passageiros com
maior número de paragens (por exemplo, os Intercidades) ou que não tenham
origem e destino em Lisboa e Porto. Os serviços de Lisboa para Braga,
Guimarães, Viana do Castelo, Régua e Guarda poderão utilizar este novo
corredor. Inversamente, o Porto ficará mais perto de Setúbal, Beja e Faro.
Duas décadas depois da primeira tentativa, Portugal volta
a meter a alta velocidade ferroviária nos planos
No fundo, a nova linha Lisboa-Porto será o corredor
central do eixo atlântico que poderá ligar a Galiza ao Algarve e à Andaluzia.
Embora construída
em bitola ibérica, as travessas em que assentarão os carris serão polivalentes,
isto é, estarão preparadas para que, no futuro, a linha possa migrar para
bitola europeia. E só nessa altura – quando toda a linha for em bitola europeia
– é que os comboios poderão verdadeiramente circular a 300km/hora e o Porto e
Lisboa ficarem a 1h15 de distância.
Isto, porque os
comboios de alta velocidade só estão homologados para circularem em bitola
europeia. A sua homologação para bitola ibérica teria um custo demasiado
elevado para que um governo ou fabricante nele investisse. Por isso, a nova
linha Lisboa-Porto estará limitada a 250km/hora numa primeira fase (o que já
permite assinaláveis reduções de tempos de trajecto face à Linha do Norte) e só
a longo prazo será uma linha de alta velocidade.
As estações
Ao aproveitar os
estudos feitos pela Rave, a linha de alta velocidade irá sair de Gaia e não
deverá passar por Aveiro, cuja estação será servida através de uma variante à
linha principal – isto é, haverá comboios Lisboa-Porto que passarão ao largo de
Aveiro e outros que utilizarão esse desvio para efectuar paragem naquela
cidade.
Já Coimbra terá a
nova infra-estrutura a passar pela actual estação de Coimbra B, enquanto em
Leiria está prevista uma estação Leiria/Marinha Grande num ponto junto à Linha
do Oeste. Trata-se, mais uma vez, de articular a alta velocidade com a rede
convencional, permitindo assim que comboios vindos de Torres Vedras e Caldas da
Rainha possam prosseguir para norte pelo novo corredor.
Em 1999, o
PÚBLICO noticiava a decisão do governo de António Guterres em construir uma
linha de alta velocidade que ligasse Lisboa ao Porto em 1h15. O ministro João
Cravinho já não acreditava na modernização da linha do Norte e queria
estruturar o território com um grande corredor ferroviário no litoral. Nessa
altura, o ex-ministro das Obras Públicas, Oliveira Martins, lamentava que já se
tivessem perdido dez anos: nos anos 80, ele próprio lançara os estudos para o
TGV em Portugal, que o seu sucessor, Ferreira do Amaral, metera na gaveta. A
mudança de ciclo político ajustara a agulha para a alta velocidade e o novo
governo chega-se à frente. Porém, o traçado e a questão da Ota não são
consensuais e seguem-se anos de discussões. A troika arrumou definitivamente
com a alta velocidade, António Costa chamou-lhe um tabu, mas um seu ministro renasce-a
das cinzas e volta a lançá-la.
Seguindo o
traçado da Rave, a linha prossegue por Rio Maior (onde chegou a estar prevista
uma estação na qual só parariam alguns serviços) e Ota, a qual deixou de ser um
ponto fixo no mapa, permitindo agora que se decida construir um outro traçado
mais perto de Santarém.
Esta abordagem de
articular a linha de alta velocidade com a rede convencional está em linha com
uma das premissas do Governo na elaboração de um plano ferroviário nacional
“assente num modelo em rede, que inclua linhas, ramais e trajectos
interligados”.
Financiamento
Para obter os
4500 milhões de euros necessários para este projecto, o executivo deverá
recorrer a fundos comunitários, nomeadamente do QFP (Quadro Financeiro
Plurianual) e do CEF (Connecting Europe Facility). A estratégia assenta em
aproveitar a disponibilidade europeia para os projectos ferroviários (tanto na
infra-estrutura, como no material circulante) para obter fundos comunitários e
guardar o dinheiro a fundo perdido da “bazuca” europeia para os projectos
rodoviários, os quais deixaram de ser financiados pela UE. É por isso que no
Plano de Recuperação e Resiliência apresentado recentemente não constam
investimentos na ferrovia, com excepção do metropolitano e metros ligeiros,
cuja tutela, aliás, é do Ministério do Ambiente e não do das Infra-estruturas.
Neste jogo
desigual, Matos Fernandes fica com o dinheiro a fundo perdido da “bazuca” e
Pedro Nuno Santos com os financiamentos comunitários convencionais.
O “T deitado”
Aproximar Lisboa
e o Porto e criar uma grande área metropolitana litoral foi uma estratégia cedo
assumida pelo ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, que considera
uma linha de alta velocidade indispensável para esse objectivo. Em entrevista
ao PÚBLICO em 27 de Novembro de 2019, o governante dizia que “o país teria
muito a ganhar” com uma ligação entre as duas cidades com uma velocidade entre
os 250 e os 300km/hora. “No dia em que a viagem entre Lisboa e o Porto puder
ser feita em pouco mais de uma hora, estaremos a pensar a forma como este país
se organiza, a forma como a economia se articula, a forma como nós trabalhamos
de maneira completamente diferente.”
Há 20 anos, o seu
homólogo João Cravinho dizia a mesma coisa, quando anunciou uma linha de alta
velocidade entre Lisboa e o Porto, também em 1h15m. O ministro dizia que esta
linha era necessária para se opor ao centralismo espanhol de considerar Madrid
o centro de uma estrela a partir da qual irradiavam linhas de alta velocidade
para todos os pontos da Península Ibérica. Em Portugal, em vez de Madrid estar
ligado a um ponto (Lisboa), estaria ligado a um corredor Lisboa-Porto, a uma
grande metrópole litoral. Daí a ideia do “T deitado” como um eixo vertical a
partir da qual sairia uma linha para Espanha. Cravinho falava mesmo de um eixo
Pontevedra-Setúbal.
Mas também já há
20 anos as razões para construir uma nova linha Lisboa-Porto se prendiam com a
fragilidade da Linha do Norte em responder aos desafios futuros da mobilidade
entre as duas cidades. A linha estava a começar a ser modernizada e já somava
atrasos. O objectivo era que os pendulares ligassem o Tejo ao Douro em 2h15,
mas ficou decidido que se ficaria pelas 2h30, pois a aposta seria a alta
velocidade.
Passaram-se 20
anos. A modernização da Linha do Norte não avançou e os pendulares demoram três
horas entre Lisboa e o Porto. Um novo ministro anuncia que está na hora de se
retomar a alta velocidade e o objectivo de 1h15 entre as duas capitais. Mas,
pragmaticamente, não anuncia um projecto segregado, a ser construído de uma só
vez como o seu antecessor, mas sim uma construção faseada que proporcione
ganhos de tempo à medida que for sendo feito.
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