OPINIÃO
Uma aliança entre o PSD e o Chega seria uma estratégia
muito arriscada
Os partidos da direita populista revelam-se ser parceiros
de governo pouco fiáveis.
Alexandre Afonso
5 de Setembro de
2020, 7:13
https://www.publico.pt/2020/09/05/politica/opiniao/alianca-psd-chega-estrategia-arriscada-1930060
Nas últimas
semanas, uma potencial colaboração entre o PSD e o partido Chega de André
Ventura foi foco de atenção. Com o Chega a 8% das intenções de voto nas últimas
sondagens, à frente do CDS-PP, novas oportunidades de alianças à direita estão
a surgir. Enquanto Rui Rio falou de possíveis entendimentos eleitorais “se o
partido evoluir para uma posição mais moderada”, o Presidente do governo
regional da Madeira Miguel Albuquerque propôs uma “geringonça de direita” que
unisse o PSD, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal como única maneira de derrotar
a esquerda.
Portugal
encontra-se agora numa situação em que a maioria dos outros países europeus já
se encontrou anteriormente: como devem os partidos tradicionais lidar com a
direita populista? Nos últimos 30 anos, os partidos populistas de direita
transformaram a política europeia, mas até agora nunca tinham conseguido ganhar
uma posição significativa no sistema partidário português. Em Itália, Países
Baixos, Áustria, Noruega, Dinamarca ou Suíça, não só rivalizam em termos
eleitorais com os seus homólogos de direita, como também participaram em
coligações de governo em várias ocasiões. O que se pode aprender com a
experiência de outros países europeus? O que aconteceu quando partidos da
direita moderada decidiram colaborar com a direita populista?
Há três
estratégias que os partidos tradicionais podem adoptar face à direita radical:
ignorar, combater ou cooperar. Ignorar e combater foram as estratégias
dominantes utilizadas até ao início dos anos 2000. Era então considerado tabu
envolver-se com partidos considerados inimigos dos valores liberais da
democracia, e a estratégia apropriada era formar "cordões sanitários”
unindo a esquerda e a direita moderada para excluir estes partidos do poder. Em
2000, este tabu desapareceu quando os conservadores austríacos decidiram entrar
no governo com a FPOe de Jörg Haider, um partido fundado por antigos nazis.
Desde então, os partidos de direita radical têm sido um elemento regular de
coligações governamentais em vários países europeus. Quais foram as
consequências destas cooperações? Há duas características destes partidos que
os tornam parceiros de coligação pouco fiáveis.
Primeiro, a
natureza do seu apelo populista torna a sua agenda difícil de concretizar num
governo de coligação, o que torna o seu apoio instável. Por exemplo, é difícil
imaginar como o referendo interno sobre o restabelecimento da pena de morte que
Chega vai organizar no próximo fim-de-semana, se resultar num voto a favor,
poderia alguma vez ser apoiado por outros partidos. Porque o seu apelo
eleitoral é baseado na oposição ao sistema, a cooperação com o sistema tem
custos eleitorais especialmente elevados. As tensões entre as promessas
populistas aos eleitores e os compromissos que têm de fazer no governo
revelam-se frequentemente insustentáveis. Na campanha para as eleições de 2010,
o líder do PVV holandês Geert Wilders prometeu que o aumento da idade da
reforma seria um assunto em que nunca se comprometeria se fosse para o governo.
A primeira coisa que ele disse depois das eleições foi que finalmente, era algo
em que ele poderia fazer compromissos. O seu partido apoiou um governo
minoritário de liberais e democratas cristãos que puxou uma agenda de
austeridade muito impopular entre a base eleitoral do partido. Estas contorções
levaram Wilders a retirar o seu apoio ao governo após dois anos, causando a
queda do primeiro governo Rutte.
O segundo
problema é o dos recursos humanos. Por um lado, estes partidos são centrados em
líderes onipotentes pouco dispostos a partilhar poder e responsabilidades,
deixando poucas oportunidades para a constituição de uma elite partidária
competente. Até agora, o Chega tem sido o “one-man show” de André Ventura.
Geert Wilders também governa o seu partido com uma mão de ferro - é de facto o
único membro oficial do partido. Estruturas centradas num líder passam
frequentemente por purgas em que as elites do partido são excluídas ou fundam
partidos alternativos se não concordarem com o fundador. Como é difícil para
esses partidos integrar desacordos internos, podem ser mais frágeis, o que é
perigoso para apoiar maiorias no parlamento.
Além disso,
porque as posições partidárias têm de ser preenchidas por pessoas recrutadas
fora das estruturas políticas tradicionais, isso conduz frequentemente a elites
partidárias inexperientes ou imprevisíveis que se envolvem em escândalos. Um
vídeo do antigo líder da FPö austríaca e vice-chanceler Heinz-Christian Strache
discutindo subornos em Ibiza resultou na queda do governo no ano passado.
Existem
naturalmente excepções - por exemplo na Suíça ou na Dinamarca - mas por todas
estas razões os partidos populistas de direita revelaram-se frequentemente
parceiros de coligação pouco fiáveis para outros partidos. Como consequência,
muitos partidos de centro-direita que tinham cooperado com eles mudaram de ideias
após experiências amargas de cooperação. É o caso dos Liberais de Mark Rutte
nos Países Baixos, que se afastaram de Wilders após a sua deserção da coligação
e a queda do seu governo em 2012. Após o escândalo do vídeo da FPö, os
conservadores austríacos decidiram formar uma coligação com os Verdes após as
últimas eleições. Na Alemanha, se a CSU, a prima bávara da CDU de Angela
Merkel, tinha começado a cortejar a Alternativa para a Alemanha, regressou
agora ao centro apercebendo-se de que estava a perder eleitores à esquerda.
É evidente que o
Chega tem as suas características sui generis e o sistema político português é
diferente dos países do Norte da Europa. Mas várias dinâmicas observadas
noutros locais são visíveis em Portugal, e os partidos da direita deveriam
considerar os riscos antes de se comprometer com a direita populista.
Politólogo e
Professor Associado na Universidade de Leiden, nos Países Baixos
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