OPINIÃO
O Ano Hidrológico 2020-2021: preocupação e expetativa
As políticas públicas para a água não têm ocupado o lugar
devido na escala de prioridades da agenda política nacional e regional.
RUI GODINHO
1 de Outubro de
2020, 0:25
Não escondo a
preocupação, mas também alguma expetativa, quanto ao futuro da Gestão da Água
em Portugal, quando se inicia o Ano Hidrológico 2020-2021, o primeiro de uma
década decisiva para o cumprimento de metas essenciais como os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030 e a Descarbonização da Economia,
enquadradas numa coerente Transição Climática integrada no Pacto Ecológico
Europeu.
Com efeito, as
Políticas Públicas para a Água não têm ocupado o lugar devido na escala de
prioridades da Agenda Política Nacional e Regional, sendo encaradas, de forma
redutora, como uma das componentes de “uma rede nacional de infraestruturas” e
não como um fator estruturante do Desenvolvimento Sustentável, através do
fomento da Coesão Territorial e Económica do País.
É certo que, a
partir de março passado, revelou-se entre nós e por todo o mundo a crise
sanitária geradora da pandemia covid-19, que passou a absorver as prioridades
de todos os responsáveis das principais instituições nacionais. Porém, a
situação de secundarização referida já se tinha instalado.
Esta pandemia
demonstrou, contudo, de forma bem nítida, que se a água já era assumida como um
recurso essencial “escasso” (ou mesmo “raro”, em inúmeras circunstâncias
relacionadas com severas condições de escassez e secas prolongadas), é muito
mais do que isso: trata-se de um “recurso vital”, dado que um “simples lavar de
mãos” se constitui como um dos procedimentos indispensáveis para evitar a
transmissão do virus SARS-CoV-2.
É muito relevante
que os serviços de água e saneamento tenham respondido de forma exemplar às
situações de emergência, calamidade e contingência, entretanto declaradas,
merecendo, por isso, todo o apreço do País por terem mantido, sem interrupções
e com elevados níveis de qualidade, o abastecimento de água e a drenagem,
tratamento e reutilização das águas residuais.
Este facto
recomenda a necessidade do “reforço da resiliência dos sistemas de água e
saneamento”, através da adoção e concretização no terreno de um “programa de
reabilitação e renovação de infraestruturas” com mais de duas décadas de
funcionamento, articulado com a “redução das perdas”, prolongando assim a sua
vida útil e aumentando a eficiência do serviço. Estas ações deverão constar
como uma das prioridades do PENSAARP 2030 [1], como já foi proposto pela APDA
ao Grupo de Trabalho da Secretaria de Estado do Ambiente, encarregado da sua
elaboração.
Mas, entretanto,
Portugal vem sofrendo, pelo menos desde o terrível ano 2017, sucessivos anos de
“seca meteorológica e hidrológica” em praticamente todo o País, com uma particular
incidência nos caudais e nas disponibilidade e qualidade das águas nas Bacias
Hidrográficas do Tejo, Sado, Guadiana, no Algarve e no Interior Norte e Centro.
As situações dos
rios Tejo e Sado têm que ser encaradas sem demora, dada a forte progressão da
“cunha salina” em ambos os casos, com significativos reflexos na degradação da
qualidade das águas para abastecimento e irrigação de culturas agrícolas
importantes para a economia nacional.
Urge agir, no
caso do Tejo, para garantir o cumprimento por parte de Espanha dos regimes de
caudais constantes da Convenção de Albufeira, e reforçar a capacidade de
armazenamento com a construção da
Barragem do Alvito no Rio Ocreza.
Quanto à Bacia do
Sado, é difícil entender que as transferências de água do Alqueva para a
Barragem do Monte da Rocha e Ermidas Sado, com o consequente reforço de caudais
no rio, continuem por concretizar-se.
No tocante aos
recursos hídricos subterrâneos – reserva estratégica a preservar com o máximo
de cuidado –, a confirmarem-se os diversos projetos turísticos e imobiliários
de grande densidade anunciados para o litoral alentejano, poderemos estar
perante a eminência de regimes de sobre-exploração potenciados pelo aumento da
carga antropogénica que se verificará, com as consequências negativas
inerentes.
Finalmente, a
expectativa quanto às medidas que venham a ser incluidas no “Programa de
Recuperação e Resiliência” que o Governo prepara, onde a “Água” consta dos
capítulos “Competividade e Coesão Territorial” e “Transição Climática”, numa
lógica de garantia de uma maior eficiência hídrica e contributo para suster a
desertificação que ameaça uma parte significativa do Sul do País.
[1] PENSAARP 2030
– Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas
Residuais e Pluviais 2021-2030
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