Isolamento ferroviário de Portugal será negociado entre
Lisboa e Madrid
Ausência de acordo na retoma dos comboios internacionais
entre a CP e a Renfe poderá levar a que a decisão seja tomada ao mais alto
nível.
Carlos Cipriano
19 de Setembro de 2020, 7:30
O impasse nas
negociações entre a CP e a Renfe para a retoma do serviço internacional poderá
levar a que o assunto seja discutido entre os dois governos, provavelmente na
cimeira ibérica que deverá realizar-se na Guarda em Outubro, admitiu ao PÚBLICO
o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.
Na agenda deverão
também constar as intenções portuguesas de construir uma ligação ferroviária
entre o Algarve e Huelva e a reabertura da linha do Douro até Barca de Alva e a
sua ligação a Salamanca. Tudo projectos pelos quais nuestros hermanos não
manifestam grande entusiasmo.
As relações
ferroviárias transfronteiriças do Douro e do Algarve são dois dos 366 missink links (ligações em falta) que a
Comissão Europeia identificou como relevantes para a coesão europeia no âmbito
do transporte de passageiros. Dessas 366 ligações ferroviária desactivadas ou
subaproveitadas, Bruxelas fez uma lista das 38 mais prioritárias, nas quais se
inclui, precisamente a relação Pocinho – Barca de Alva - La Fregeneda –
Salamanca e Faro – Huelva.
O financiamento
comunitário destes projectos, somando o Interreg, o CEF, o Fundo de Coesão e o
FEDER, pode chegar aos 80%.
No curto prazo,
porém, os dois governos deverão pôr-se de acordo para que a CP e a Renfe voltem
a pôr nos carris os comboios internacionais. O centenário Sud Expresso e o
Lusitânia Expresso, que constituíam relações diárias entre Lisboa e Hendaya e
Madrid, foram suspensos em Março durante a pandemia e não voltaram a circular,
tendo a Renfe informado que não previa retomá-lo devido aos elevados prejuízos
e às incertezas provocadas pela pandemia.
O Lusitânia
Expresso é um negócio conjunto da CP e da Renfe, com igual partilha de receitas
e despesas. Já o Sud Expresso, embora operado também com material espanhol
(composições Talgo da frota da Renfe) é um comboio exclusivamente português.
Neste último, a CP paga o aluguer das carruagens à Renfe, bem como a tracção no
percurso espanhol entre Vilar Formoso e Hendaya.
Como os dois
comboios circulam atrelados durante dois terços do seu percurso, entre Lisboa e
Medina del Campo (onde cada um bifurca para Madrid e Hendaya), com evidentes
economias de custos, a CP não se atreve a reiniciar o Sud Expresso sozinho
porque tal faria disparar os custos. Além disso, a composição teria de fazer a
manutenção em Espanha o que implicaria deslocações em vazio entre Lisboa e Madrid.
Os prejuízos que
as duas empresas dizem ter com estes comboios são pouco explicados. A Renfe diz
que a totalidade dos seus comboios-hotel, onde se incluem também as ligações,
também interrompidas, de Madrid e Barcelona para a Galiza, dão 24 milhões de
euros de prejuízos por ano. Mas não discrimina esse valor por comboio.
Já a CP também
não discrimina os resultados do Lusitânia e do Sud. Limita-se a dizer que ambos
deram em 2019 um prejuízo de 4,5 milhões de euros (5 milhões em 2018 e 4,6
milhões em 2017). A taxa de ocupação dos dois comboios ronda os 63%, mas há a
percepção que o Lusitânia anda todo o ano praticamente cheio enquanto o Sud
(Lisboa-Hendaya) só tem procura significativa nos meses de Verão.
Sobre a estrutura
de custos, a empresa pública nada diz, sendo de esperar que a taxa de uso
(portagem ferroviária paga ao gestor de infraestrutura), a tracção e a
tripulação (serviço de bar e camas) constituam a maior factura.
No entanto, e
precisamente para ajudar os operadores ferroviários a vencer as quebras
provocadas pela pandemia do coronavírus, o Conselho da União Europeu aprovou
uma proposta que dá aos Estados membros a possibilidade de baixar a taxa de uso
cobrada pela utilização das linhas (indemnizando, naturalmente, os gestores das
infraestruturas).
Enquanto isto,
recrudesce na Europa o interesse pelos comboios nocturnos, com o apoio da
própria Comissão Europeia, que vê nestas viagens de longo curso uma forma
barata e ecológica para viajar, contrariando os pesados custos energéticos e
ambientais das viagens de avião de curta distância.
Neste segmento de
viagens, a Agência Ambiental Europeia calcula que um passageiro de comboio é
responsável pela emissão de 14 gramas de CO2 face às 285 gramas emitidas por um
passageiro de um avião.
TRANSPORTES
CP prepara concurso de mil milhões para comprar 129 novos
comboios
Caderno de encargos prevê compra de comboios suburbanos,
regionais e de longo curso. Incorporação nacional na produção vai contar para
escolher o fabricante.
Carlos Cipriano
25 de Setembro de 2020, 6:3
A bazuca europeia
chega (também) de comboio. Com o financiamento do PRR - Plano de Recuperação e
Resiliência, a CP prepara-se para comprar 62 comboios suburbanos, 55 regionais
e 12 composições de longo curso, num total de 129. O caderno de encargos ainda
está a ser preparado, mas a decisão quanto ao número de comboios parece fixada.
O valor deverá ascender aos mil milhões de euros, tendo em conta que um comboio
suburbano ou regional tem actualmente um preço médio de 7,5 milhões de euros e
que um comboio de alta velocidade oscila entre os 15 e os 20 milhões de euros.
Quer isto dizer
que Portugal vai ter comboios de alta velocidade? A intenção é que as 12
composições de longo curso com que a CP pretende reforçar a frota dos
pendulares possam circular a 250 Km/hora, ou mais, dando por adquirido que se
cumprirão as intenções do Programa Nacional de Investimentos - PNI 2030 que
contempla uma linha de velocidade alta entre Lisboa e Porto construída de forma
progressiva através de variantes à actual linha do Norte. Estes comboios
poderiam, assim, aproveitar a sua velocidade máxima à medida que as variantes
fossem inauguradas.
A actual frota
dos pendulares ficou reduzida a nove unidades depois do acidente de Soure ter
deixado uma das composições irrecuperável.
Nos comboios
suburbanos o objectivo é substituir as 31 unidades da linha de Cascais (também
no pressuposto de que a IP fará a sua parte e mudará a tensão eléctrica daquela
linha dos 1500 volts em corrente contínua para os 25 mil volts em corrente
alternada), sobrando ainda 32 composições para as restantes linhas suburbanas
de Lisboa e do Porto.
Os 55 regionais
deverão ser todos comboios eléctricos, na expectativa, também, de que se
cumprirão os planos da IP de concluir a electrificação da rede ferroviária
nacional.
No seu plano de
negócios a CP justifica esta compra com a necessidade de substituir a actual
frota da empresa que é insuficiente e está envelhecida. A empresa, que há dois
anos teve graves problemas na sua operação por falta de comboios (vendo-se na
contingência de suprimir comboios quase diariamente), teve de recorrer a
material que estava encostado para poder assegurar a sua oferta regular.
A maior compra de
sempre de material circulante da CP deverá ser dividida em duas: as 117
composições suburbanas e regionais têm características comuns que lhes permitem
ser construídas sobre uma mesma plataforma, mas os 12 comboios de longo curso
têm uma exigência tecnológica superior, pelo que terão concursos públicos
separados.
Por decidir está
ainda a possibilidade de os concursos virem a ter uma opção de compra para mais
unidades. Esta opção, que não tem qualquer obrigatoriedade nem implica
afectação prévia de despesa, permite comprar mais comboios enquanto estes ainda
estão a ser fabricados, aproveitando-se a linha de montagem enquanto esta está
em funcionamento e com um preço eventualmente mais baixo devido às economias de
escala.
A última vez que
um concurso público para a aquisição de material circulante teve uma opção de
compra foi na frota de 34 unidades que entraram ao serviço nos suburbanos do
Porto em 2002. Foram os últimos comboios a serem construídos na fábrica da
Amadora, que à época pertencia à Bombardier. A opção de compra teria permitido
manter a fábrica em funcionamento por mais algum tempo, prolongando as suas
dificuldades ou, em alternativa, salvando-a se entretanto houvesse mais
encomendas.
Comboio made in
Portugal
A CP quer que a
incorporação nacional no fabrico dos comboios seja, a par do preço, um dos
critérios mais importantes dos caderno de encargos para a escolha do
fornecedor. O objectivo é associar a compra destes 129 comboios ao Centro
Tecnológico Ferroviário e às recém abertas oficinas de Guifões, nas quais se
pretendia fazer o comboio português.
Em rigor não se
trata de um “comboio português”, mas sim de um “comboio made in Portugal” como
há um ano explicava o presidente da CP, Nuno Freitas.
A ideia é juntar
empresas que possam fornecer componentes para os novos comboios em vez de os
importar já feitos de uma fábrica no estrangeiro. Nessa altura, o administrador
falava da Efacec, Salvador Caetano, Monte Meão, Sunviauto, Nomad Tech (da qual
possui uma quota de 7%), Martifer, Sermec, Almadesign, Amorim, bem como da
Associação de Fabricantes da Indústria Automóvel e da Associação Portuguesa de
Fundição, como parceiros possíveis para produzir os comboios em Portugal.
Algumas destas empresas são, já hoje, fornecedoras de multinacionais da
indústria ferroviária.
O objectivo do
comboio fabricado em Portugal - que não está propriamente em sintonia com os
ditames de Bruxelas relativamente à sã concorrência na indústria ferroviária -
terá de ser muito bem estudada para ser introduzida nos cadernos de encargos,
exigindo, seguramente, muitas horas de reuniões entre juristas e engenheiros.
Mas há agora um
ambiente na Europa que joga a favor dessa intenção. É que 129 comboios são uma
quantidade irrisória para as grandes multinacionais. Actualmente há muita
procura na Europa e os fabricantes estão a ficar saturados. A UE tem apostado
na ferrovia, há financiamento comunitário para a compra de material circulante
e são vulgares concursos internacionais para a compra de 500 ou 600 comboios.
Neste contexto
uma discreta parceria com algum fabricante disposto a investir em Portugal não
é de excluir. Poderá ser o caso dos chineses da CRRC ou dos suíços da Stadler.
Os primeiros pretendem entrar no mercado europeu, sendo Portugal uma possível
porta de entrada, e os segundos ganharam o último concurso da CP para fornecer
22 automotoras para o serviço regional (o qual aguarda em tribunal o resultado
da impugnação judicial apresentado por um dos concorrentes).
Tal como os
outros países, Portugal também vai buscar dinheiro ao Plano de Recuperação e
Resiliência, mas os mil milhões que prevê gastar serão pagos em suaves
prestações durante seis a oito anos dependendo da cadência da entrega dos
comboios.
Se o concurso
avançar em 2021, as novas composições poderão demorar entre cinco a oito anos a
serem entregues.
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