EDITORIAL
Trump e a ruína moral da América
Se não há tributação sem representação, como reclamaram
os colonos revoltados na América em vésperas da Declaração de Independência, o
contrário também se aplica: que moral tem Trump para ser eleito, quando faz
tudo para escapar aos impostos?
MANUEL CARVALHO
28 de Setembro de
2020, 22:45
https://www.publico.pt/2020/09/28/mundo/editorial/trump-ruina-moral-america-1933224
Richard Nixon
legou à história contemporânea uma interminável série de mentiras sobre a guerra
do Vietname, deixou um colossal compêndio de manipulações e golpes de
bastidores que culminaram no Watergate, que o forçou a deixar a presidência.
Mas, apesar do seu rasto infame na Casa Branca, quando foi forçado pela
imprensa a clarificar a sua situação fiscal, não teve alternativa e, antes de
mostrar a sua ficha de impostos, declarou: “A confidencialidade das minhas
finanças pessoais é muito menos importante para mim do que a confiança do povo
americano na integridade do Presidente.” Na América dos anos 70 do século
passado havia limites éticos e um código de valores republicano que até o mais
facínora dos presidentes sabia ser impossível ultrapassar. Hoje, essa América
está moribunda e é esse quase necrotério ético que permite Donald Trump
vegetar.
A revelação do
labirinto fiscal no qual o Presidente se tem escondido importa e não apenas
para os norte-americanos. Importa, porque expõe a corrupção moral que alimenta
os populistas e seus derivados. Importa, porque nos aponta para uma solução de
poder na qual não conta a decência, a verdade, o sentido de serviço público, a
honra ou a vergonha pessoal. Trump é o primeiro Presidente em décadas a
esconder a sua história fiscal e, ficámos a saber pela extraordinária
investigação jornalística do New York Times (a confirmar uma vez mais que o bom
jornalismo é indispensável à democracia), esconde-a pela sua putrefacção. Da
evasão fiscal às dívidas astronómicas que desfazem a sua aura de herói
americano rico e poderoso, dos conflitos de interesse de alguns dos seus negócios
à vulnerabilidade externa que as suas dívidas causam à Presidência, o que está
em causa é uma série de revelações que expõem a ruína moral da América através
do seu mais alto magistrado.
Que Trump mente
compulsivamente, que decide de forma errática e sem o rumo que distingue os
líderes, que despreza as heranças democráticas que tornaram os EUA num dos
faróis da liberdade já sabíamos. Que todos esses defeitos tinham sido até agora
insuficientes para pôr a nu a sua vileza e a sua incompetência também o
sabíamos. A história dos impostos vai muito para lá desse conhecimento
acumulado – porque prova que Trump nem sequer é capaz de respeitar a regra
básica de uma sociedade civilizada, que associa os impostos à cidadania e ao
sentido de comunidade. Se não há tributação sem representação, como reclamaram
os colonos revoltados na América em vésperas da Declaração de Independência, o
contrário também se aplica: que moral tem Trump para ser eleito, quando faz
tudo para escapar aos impostos?
tp.ocilbup@ohlavrac.leunam
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