HABITAÇÃO
O fim de Setembro vai trazer uma onda de despejos na
habitação?
Senhorios e inquilinos dizem não ter os dados todos para
perceber o que se vai passar. Mas não acreditam que o reduzido número de
pedidos de empréstimo que chegou ao IHRU espelhe a realidade que aí vem. “O
pior vai ser agora”, antecipa o presidente da Associação de Inquilinos, que vai
pedir ao Governo novas medidas.
Luísa Pinto 5 de
Setembro de 2020, 21:01
O mês de Setembro
assinala o fim do prazo dado para a suspensão dos despejos de inquilinos que
não tenham cumprido o pagamento de rendas assim como da suspensão da caducidade
e da oposição à renovação dos contratos de arrendamento. Os inquilinos que não
tenham pago rendas, e até mesmo aqueles que já tinham visto um tribunal
confirmar uma acção de despejo que lhes foi interposta por um senhorio, não
poderiam ser despejados até ao dia 30 de Setembro. Terminado este prazo, vai
haver uma onda de despejos?
O PÚBLICO ouviu
os representantes dos proprietários e dos inquilinos, mas nem Iolanda Gávea, da
Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), nem Romão Lavadinho, da
Associação de Inquilinos de Lisboa (AIL), dizem ter dados para perceber todo o
panorama do que se está a passar com os contratos de arrendamento. Romão
Lavadinho, contudo, teme o pior: “o problema vai ser a partir de agora”.
Seis meses depois
da eclosão da pandemia, ainda ninguém percebeu muito bem como é que as famílias
e os titulares dos contratos de arrendamento enfrentaram as dificuldades em
pagar as rendas. A moratória para a suspensão do pagamento das rendas esteve em
vigor até ao mês subsequente ao levantamento do estado de emergência, o que
aconteceu a 2 de Maio.
A renda do mês de
Junho esteve, então, abrangida pelo prazo, pelo que a partir do dia 1 de Julho
os inquilinos passaram a estar obrigados ao pagamento da renda vencido no mês
de Julho, e o pagamento em duodécimos do montante das rendas em dívida durante
os 12 meses seguintes.
O que aconteceu
depois foi que o Governo alargou o período de candidaturas a empréstimos do
IHRU, e permitiu que inquilinos com quebras de 20% nos rendimentos e sujeitos a
uma taxa de esforço superior a 35% pudessem solicitar empréstimos ao IHRU até
ao dia 1 de Setembro. Mas a principal medida do Governo para o apoio aos
contratos de arrendamento habitacional não teve muita adesão. Até ao dia 24 de
Agosto o número total de pedidos submetidos era de 2177.
“Há 730 mil
contratos de arrendamento. Houve um milhão de pessoas que foi para layoff,
houve 60 ou 70 mil que foram para o desemprego. Alguém acredita que só 2100
pessoas – que foi o número de pedidos de empréstimo que deu entrada no
instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) – é que tiveram rendimento
reduzido e dificuldades em pagar a renda? Ninguém pode acreditar nisso”, atira
Romão Lavadinho, admitindo ter havido falta de informação, e muita
desinformação, na forma como foi enfrentado este problema.
“Chegaram a
Associação alguns sócios a garantir que ouviram o primeiro-ministro a dizer que
as rendas não seriam pagas durante a pandemia. Isto não é verdade! Nem o
primeiro-ministro disse isto, nem nenhuma lei permite que assim seja”, explica
Lavadinho, admitindo a dificuldade que teve em passar a informação com
eficácia.
“Nós tentámos
sempre esclarecer as pessoas, e apesar de não concordarmos com a solução
encontrada pelo Governo – que é uma solução minimalista, mesmo não havendo
juros, a verdade é que as pessoas tinham de contrair empréstimos – tentámos
dizer que sinalizar as dificuldades de pagamento no IHRU era a única solução.
Houve inquilinos que chegaram a acordo com os senhorios para baixar as rendas,
mas esses casos também foram residuais. O problema vai ser agora”, afirma.
Iolanda Gávea
consegue quantificar o universo de contratos em que houve negociação – pelo
menos do seio da ALP. “Em cerca de 3,5% do universo dos nossos contratos
habitacionais houve acordo entre os senhorios e os inquilinos para reduzir o
valor das rendas, diferindo o pagamento”, afirma a vice-presidente da ALP,
referindo-se a cerca de 300 contratos.
Ainda menos
expressivo foi o perdão parcial do valor das rendas, e que abrangeu cerca de
1,5% do universo de contratos da ALP. Nestes casos, houve um perdão de cerca de
10 a 15% do valor das rendas de Maio e Junho que os senhorios aceitaram baixar.
“Houve apenas um caso em que o senhorio perdoou 20% do valor da renda nesses
dois meses”, acrescenta Iolanda Gávea.
Denúncias de
contratos aumentaram
A vice-presidente
da ALP notou, no entanto, uma outra tendência, sobretudo no mês de Agosto. “Tem
havido um aumento muito grande da denúncia por parte dos inquilinos, sem que
estes estejam a equacionar o cumprimento do prazo do pré-aviso estabelecido na
lei. A razão invocada é a de que têm dificuldade em suportar o valor da renda”,
informa Iolanda Gávea.
Assim como têm
aumentado as denúncias por parte de inquilinos, também tem havido mais procura
e muito interesse na celebração de contratos de arrendamento. “E apesar de não
haver mais imóveis no mercado – a ALP tem o mesmo número que tinha em Janeiro –
também temos verificado uma maior abertura para a negociação do valor das
rendas”, informa a responsável da associação de proprietários, assumindo que a
instituição tem feito essa recomendação aos seus associados.
“Quando os
proprietários concordam, temos sugerido colocar uma renda abaixo do que se
considera ser uma renda de mercado. Fixa essa renda agora, mas actualiza mais
tarde, com incrementos de valor. O contrato permite que haja incrementos no
valor da renda e não coeficientes fixos de actualização. Uma renda pode ser
agora de 500 euros, e passar para 600 euros no ano seguinte. Desde que todos
estejam de acordo, não há nenhum problema”, termina.
A vice-presidente
da ALP diz não ter “nenhuma evidência” de que o número de despejos vai aumentar
a partir de Setembro, garantindo que nos serviços jurídicos da associação só
tem aparecido casos de despejo de inquilinos que já não pagavam ainda antes do
eclodir da pandemia.
Mas admite que na
actual fase do processo ainda não é possível saber o que se vai passar. Porque
só podem ser accionados processos de despejo com três meses de rendas em
atraso.
“Com o fim da
moratória, as pessoas tinham de começar a pagar a renda a 1 de Julho. E aqui
tinham duas hipóteses: ou começavam a proceder o pagamento da renda vencida a
Julho, ou se mantivessem os requisitos da lei, redução de rendimento 20% e taxa
de esforço em 35%, poderiam recorrer ao IHRU a partir da renda que se vencia em
Julho. Se não pagaram a renda de Julho, a de Agosto e a de Setembro, e se não
pediram empréstimos ao IHRU pode haver uma acção de despejo”, admitiu Iolanda
Gávea.
O pedido ou não
de empréstimo acaba por ser crítico neste caso. Porque há casos de inquilinos
que não pagaram a rendas, mas pediram esse empréstimos ao IHRU, e ainda estão à
espera da resposta do instituto.
De acordo com os
dados divulgados pelo Ministério da Infraestruturas e da Habitação dos 2177
pedidos de apoio submetidos ao IHRU até 24 de Agosto, mais de metade foram
rejeitados – 558 foram considerados “irregulares”, porque, por exemplo, não
entregaram documentação necessária, e 513 foram considerados “não elegíveis”,
isto é não cumpriam os critérios.
Nessa data, o IHRU
tinha dado como aprovados e concluídos apenas 606 processos, e concedido um
apoio de 634 mil euros. Ainda estavam em análise 496 processos, tendo o
Ministério afirmado que o reforço de meios humanos no instituto iria permitir
concluir os processos até ao final do mês de Setembro.
tp.ocilbup@otnip.asiul
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