JUSTIÇA
Advogada condenada a dez anos de cadeia por burlas com
“vistos gold”
Maria Antónia Cameira, que não estava presente na leitura
da sentença, lesou pelo menos dez pessoas em 4,6 milhões de euros.
Ana Henriques
Ana Henriques 2
de Setembro de 2020, 16:11
Até há meia dúzia
de anos, gozava de uma reputação invejável. Além de dirigir o ramo português da
União Internacional dos Advogados, tinha montado escritório no topo de uma das
torres das Amoreiras, tinha representação em vários países e uma carteira de
clientes que, apesar de pecar por escassa, representava uma área de negócio
florescente: os investimentos imobiliários de cidadãos estrangeiros para
aquisição de “vistos gold”.
O currículo que
Maria Antónia Cameira ainda mantém online diz que, além de ter “leccionado
durante vários anos na Faculdade de Direito de Lisboa”, se especializou na área
de fusões e aquisições. Mas nem tudo o que reluz é ouro: depois de ter burlado
pelo menos uma dezena de estrangeiros requerentes de “vistos gold”, apropriando-se
da maior parte do dinheiro que lhe entregavam para a aquisição de imóveis em
Portugal, a outrora prestigiada advogada foi esta quarta-feira condenada em
Lisboa a uma pena de dez anos de cadeia.
Para trás fica um
desempenho digno dos melhores actores. Diagnosticada clinicamente como
padecendo de doença bipolar e com uma personalidade narcisista, Maria Antónia
Cameira construiu uma imagem de alto profissionalismo que combinava na
perfeição com os hotéis de luxo onde se hospedava quando viajava para fora do
país para angariar clientela. Um cenário que inspirava segurança àqueles que,
entre 2014 e meados de 2017, altura em que foi detida, lhe entregaram centenas
de milhares de euros para a advogada lhes pagar as casas que queriam comprar em
território nacional, por forma a obterem autorização permanente de residência
para si a para as respectivas famílias.
A arguida chegou
a convencer algumas das suas vítimas de que tinham, efectivamente, conseguido os
“vistos dourados” e já eram felizes proprietários do imóvel que haviam
escolhido – quando, afinal, o visto lhes fora recusado, porque a advogada
gastara as suas poupanças, em vez de as aplicar. Por vezes ainda entregava aos
vendedores das casas algum dinheiro, mas a técnica de esconder a burla do
cliente anterior com o dinheiro do cliente seguinte acabava sempre da mesma
forma: com os estrangeiros – sobretudo cidadãos chineses e sul-africanos – sem
visto nem imóvel, e com as respectivas contas bancárias bem mais magras. Quando
vinham a Portugal tratar da papelada, Maria Antónia Cameira fazia questão de os
fazer transportar em carros Mercedes topo de gama com motorista e de os levar
aos melhores restaurantes.
O seu estilo de
vida era tal que, quando não havia dinheiro a entrar dos clientes, a advogada –
hoje com 62 anos — recorria ao pai para fazer face às inúmeras despesas que
tinha, concluiu a Unidade Central de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária,
que investigou o caso. O progenitor acabou por ficar praticamente sem
património. Na comunidade religiosa a que pertencia pregava a austeridade.
A advogada lesou
pelo menos dez pessoas, num total de 4,6 milhões de euros. Mais tarde, entrou
em acordo com uma delas para lhe devolver parte do dinheiro. Já as outras
vítimas tiveram de arcar com os prejuízos – que, pelo menos num dos casos,
correspondiam às poupanças de uma vida inteira. Julgada pela justiça britânica
por crimes do mesmo género, fugiu para Portugal antes de ali ser condenada, à
revelia, a seis anos de cadeia.
Considerada, nas
peritagens psiquiátricas a que foi submetida, como responsável pelos seus
actos, a arguida faltou à leitura da sentença. Segundo o seu advogado, João
Nabais, fê-lo com a autorização dos juízes. O representante da advogada ainda
não sabe se irá recorrer da condenação.
Maria Antónia
Cameira terá não só de devolver aos lesados o dinheiro de que se apropriou mas
também de lhes entregar uma indemnização por danos morais que totaliza mais de
cem mil euros. Porque aquilo que lhes foi subtraído não foi só o dinheiro, mas
também a possibilidade de se mudarem com as famílias para Portugal, disse a
juíza que leu a decisão no Campus da Justiça, em Lisboa, recordando a “frieza
atroz” com que continuava a ludibriar os clientes quando estes lhe pediam
satisfações.
Quando foi
interrogada pela primeira vez, depois de ter sido detida, a arguida começou por
negar tudo, para mais tarde alijar responsabilidades nos funcionários do
escritório das Amoreiras, que supostamente teriam movimentado as contas
bancárias por onde passava o dinheiro sem que ela soubesse.
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