segunda-feira, 8 de junho de 2020

O extremismo que gera o extremismo



O extremismo que gera o extremismo

Uma vez que o extremismo alimenta o extremismo, o discurso arruaceiro contra as forças da segurança é o melhor estímulo que se pode conceder à extrema-direita

MANUEL CARVALHO
9 de Junho de 2020, 6:28

A Associação Sindical dos Polícias apresentou queixa contra os indivíduos que na manifestação deste sábado empunhavam cartazes com a apologia do ódio contra as forças policiais. A decisão merece elogio e apoio. Porque, como diz o sindicato, “esta mensagem, desenquadrada do motivo da manifestação, reflecte bem a intenção de quem a exibia”, e porque “não é este tipo de mensagens que contribui para a construção de uma sociedade mais justa, mais livre e mais igual”. Pelo contrário, quem empunha um cartaz num acto público defendendo que “um polícia bom é um polícia morto” está a fazer o jogo da intolerância e do extremismo em tudo semelhante aos que continuam a alimentar a peste do racismo. Quem não suporta o preconceito racial ou qualquer outro preconceito violador do princípio da igualdade de todos os seres humanos à face da lei não pode tolerar este tipo de mensagens radicais e violentas.

O que nos leva para um problema que, não sendo estrutural em Portugal, exige todos os cuidados e atenções: o problema do extremismo que contamina e subverte as causas justas. A denúncia e o protesto contra o racismo serão tanto mais eficazes quanto mais forem feitos dentro das regras democráticas e dos limites da lei. Uma vez que o extremismo alimenta o extremismo, o discurso arruaceiro contra as forças de segurança, transformando todos os seus agentes em perigosos delinquentes e inimigos de causas progressistas, é o melhor estímulo que se pode conceder à extrema-direita. Porque legitima e normaliza o seu próprio radicalismo e intolerância. Para lá de criar ruído gratuito e divisão numa causa que deve mobilizar todas as pessoas de bem.

Num fim-de-semana em que tantas centenas de milhares de pessoas se mobilizaram em todo o mundo contra esse veneno das nossas sociedades que discrimina pessoas em função da cor da pele, quando tantos se uniram para afirmar que a barbárie que assassinou George Floyd não é tolerada, os exemplos do radicalismo anti-racismo acabaram por desviar os focos de atenção – nem uma figura ímpar da história na luta europeia contra o fascismo, como Winston Churchill, escapou à sanha. O pior que pode acontecer é deixar que este movimento se transforme numa luta de energúmenos contra energúmenos. Se é crime fazer a apologia do racismo, também há-de ser crime incentivar o ódio contra pessoas, sejam polícias ou políticos, negros ou brancos. E mesmo que não haja condenações, fica ao menos o alerta: num Estado de direito, não se fecham os olhos aos abusos, principalmente os que são cometidos sob a égide de boas causas.

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