O extremismo que gera o extremismo
Uma vez que o extremismo alimenta o extremismo, o
discurso arruaceiro contra as forças da segurança é o melhor estímulo que se pode
conceder à extrema-direita
MANUEL CARVALHO
9 de Junho de
2020, 6:28
A Associação
Sindical dos Polícias apresentou queixa contra os indivíduos que na
manifestação deste sábado empunhavam cartazes com a apologia do ódio contra as
forças policiais. A decisão merece elogio e apoio. Porque, como diz o
sindicato, “esta mensagem, desenquadrada do motivo da manifestação, reflecte bem
a intenção de quem a exibia”, e porque “não é este tipo de mensagens que
contribui para a construção de uma sociedade mais justa, mais livre e mais
igual”. Pelo contrário, quem empunha um cartaz num acto público defendendo que
“um polícia bom é um polícia morto” está a fazer o jogo da intolerância e do
extremismo em tudo semelhante aos que continuam a alimentar a peste do racismo.
Quem não suporta o preconceito racial ou qualquer outro preconceito violador do
princípio da igualdade de todos os seres humanos à face da lei não pode tolerar
este tipo de mensagens radicais e violentas.
O que nos leva
para um problema que, não sendo estrutural em Portugal, exige todos os cuidados
e atenções: o problema do extremismo que contamina e subverte as causas justas.
A denúncia e o protesto contra o racismo serão tanto mais eficazes quanto mais
forem feitos dentro das regras democráticas e dos limites da lei. Uma vez que o
extremismo alimenta o extremismo, o discurso arruaceiro contra as forças de
segurança, transformando todos os seus agentes em perigosos delinquentes e
inimigos de causas progressistas, é o melhor estímulo que se pode conceder à
extrema-direita. Porque legitima e normaliza o seu próprio radicalismo e
intolerância. Para lá de criar ruído gratuito e divisão numa causa que deve
mobilizar todas as pessoas de bem.
Num fim-de-semana
em que tantas centenas de milhares de pessoas se mobilizaram em todo o mundo
contra esse veneno das nossas sociedades que discrimina pessoas em função da
cor da pele, quando tantos se uniram para afirmar que a barbárie que assassinou
George Floyd não é tolerada, os exemplos do radicalismo anti-racismo acabaram
por desviar os focos de atenção – nem uma figura ímpar da história na luta
europeia contra o fascismo, como Winston Churchill, escapou à sanha. O pior que
pode acontecer é deixar que este movimento se transforme numa luta de
energúmenos contra energúmenos. Se é crime fazer a apologia do racismo, também
há-de ser crime incentivar o ódio contra pessoas, sejam polícias ou políticos,
negros ou brancos. E mesmo que não haja condenações, fica ao menos o alerta:
num Estado de direito, não se fecham os olhos aos abusos, principalmente os que
são cometidos sob a égide de boas causas.

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