OPINIÃO
Churchill foi finalmente enjaulado
Encaixotando a estátua de Churchill, as autoridades
britânicas fogem da realidade, revelando fraqueza nas suas convicções e
deixando os que apostam no radicalismo da vandalização a saborear a sua
lamentável vitória.
MANUEL CARVALHO
12 de Junho de
2020, 17:10
É doloroso para
todos os defensores dos ideais da democracia liberal ver a estátua de Winston
Churchill metida dentro de um caixote. E é uma vergonha maior para quem governa
uma cidade e um país que ao longo da história tumultuosa do século XX se tornou
uma referência na luta contra os totalitarismos e jamais prescindiu das suas
regras constitucionais. Churchill, um homem que se distinguiu pela sua coragem
física em guerras no Afeganistão, no Sudão, em Cuba, na África do Sul, que
esteve nas trincheiras da linha da frente na I Guerra Mundial e jamais deixou
de voar, até no auge do domínio hitleriano na Europa, é vítima da cobardia dos
que hoje governam Londres e o Reino Unido. Como imagem simbólica de um tempo, a
caixa que tapa Churchill é o triste sinal deste tempo. O tempo em que a
democracia condescende com os que atacam os seus fundamentos.
Nas manifestações
do fim-de-semana passado, a estátua tinha sido vandalizada e o vandalismo gerou
consternação. Churchill é ainda hoje o símbolo de uma Inglaterra orgulhosa da
sua história e, por isso mesmo, uma figura maior da consciência nacional dos
britânicos. Ouviram-se naturalmente algumas vozes a censurar o vandalismo e,
tarde e mal, o próprio Boris Johnson, que se diz (ou pretende ser) herdeiro dos
seus valores, apareceu a contestar a irracionalidade do atentado. Percebeu-se
também que o activismo cego pela crença de que a higienização acrítica do
passado restaura a decência do presente é suficientemente inteligente para
distinguir o homem que salvou a Europa da ameaça nazi de um comerciante de
escravos, Edward Colson, a quem erigiram uma estátua em Bristol por ter deixado
dinheiro à cidade. Mas nem o facto de Churchill estar fora da lista dos
proscritos do activismo anti-racista foi suficiente para acomodar o medo das
autoridades. Tinham de o meter numa caixa. “Absurdo e vergonhoso”, disse Boris
Johnson. E ficou por aí.
Churchill odiaria
esta solução. Churchill ficaria de peito aberto a desafiar quem o afrontasse.
Dizer o que pensava e agir de acordo com as suas convicções estava na sua
natureza. Iria à luta. Combateria. Fugiria, como fugiu da prisão na guerra
anglo-boer, em 1899, tinha então 25 anos. Por muito que as suas opiniões
racistas e imperialistas sobre negros, indianos ou chineses nos soem hoje como
uma aberração e tenham de ser vistas como uma nódoa negra na sua memória, ainda
que a sua brutalidade em actos como o afundamento da marinha francesa na
Argélia, na II Guerra Mundial, e a consequente morte de milhares de franceses,
os bombardeamentos de civis alemães em cidades como Dresden ou a repressão que
ordenou na Irlanda maculem a sua biografia, Churchill é um daqueles raros
homens que ajudou a Europa e a Humanidade a caminhar no bom sentido. Defender o
seu legado, mesmo que censurando as suas nódoas e máculas, é por isso uma
obrigação de todos os que defendem os valores democráticos.
Essa defesa não
se faz escondendo-lhe a imagem numa patética tentativa de proteger o seu
legado. Faz-se no combate das opiniões entre pessoas que, muito à custa da sua
herança, têm total liberdade para o fazer. E faz-se nos termos e limites da
lei. Encaixotando a sua estátua, as autoridades britânicas não seguem nem uma
nem a outra via. Preferem fugir da realidade, revelando fraqueza nas suas
convicções e deixando os que apostam no radicalismo da vandalização a saborear
a sua lamentável vitória.
Se fosse
necessário reforçar a protecção policial da estátua, percebia-se num gesto
preventivo. Se fosse necessário convocar as pessoas para manifestarem
publicamente o seu repúdio contra o vandalismo e o apagamento da memória,
entendia-se como acto de pedagogia. O que é impensável e inaceitável é virar a
cara aos problemas e enjaular numa caixa um símbolo indiscutível e precioso da
liberdade europeia. Mais do que uma pichagem de um energúmeno, são actos de
desistência e de cobardia como estes que ameaçam os fundamentos das
democracias.

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