No dia 23 de Abril só houve 17 movimentos de aviões a
descolar e aterrar na Portel
LISBOA
Debaixo de um céu (quase) sem aviões, a lei do ruído
passou a ser cumprida no Campo Grande
Tal como há quase um ano, os ambientalistas da Zero
voltaram a medir o ruído numa zona de Lisboa muito afectada pelo som constante
da passagem dos aviões de e para a Portela. A diferença é assinalável.
Abel Coentrão
Abel Coentrão 29
de Abril de 2020, 7:06
A legislação do
ruído tem sido cumprida, nas últimas semanas, no Campo Grande, em Lisboa. O
problema é que isso só está a ser conseguido por causa do Estado de Emergência
e da fortíssima redução dos movimentos de aeronaves no Aeroporto da Portela,
como constatou a associação ambientalista Zero, que voltou a fazer agora, neste
ponto da cidade, um exercício de medição do ruído ambiente, semelhante a outro
realizado em Julho do ano passado.
Quando ali esteve
em Julho do ano passado, para dar números (medidos em decibéis) a uma percepção
evidente a quem mora nesta e noutras zonas de Lisboa mais próximas da Portela,
a Zero percebeu que somado ao ruído de base, do tráfego automóvel, que já
deixava pouca margem abaixo dos limites legais, o barulho dos aviões a descolar
ou a aterrar acrescentava ao quotidiano dos habitantes toda uma camada de
poluição sonora já em clara violação da lei.
Aproveitando o
inesperado da actual situação, a Zero decidiu voltar ao local do crime com as
mesmas ferramentas - um sonómetro devidamente homologado e certificado, operado
pela empresa NoiseLab - para um exercício de comparação que ninguém esperava
poder realizar em condições normais. A associação bem tem pedido que se reduzam
os movimentos à noite, mas foi preciso um vírus, e uma pandemia global que
nestes dois dias atirou para quatro o número de aviões a passar ali no período
nocturno, para, por más razões, se perceber o impacto disso no ambiente urbano.
O aeroporto não
parou, como constaram por exemplo no dia 23, em que houve 17 movimentos aéreos.
Mas isso significa uma redução na sua actividade tão forte que o efeito é
notório nos gráficos e tabelas que resultaram deste trabalho. Que para o
dirigente da Zero Francisco Ferreira, mostra “que é impossível cumprir a
legislação em Lisboa com o aeroporto em funcionamento normal” e que “a sua
relocalização tem de ser equacionada no médio prazo”.
74 dbA
é o valor de exposição
Lden, ponderado para 24 horas (cobrindo os períodos diurno, entardecer e
nocturno) verificado em 2019. Em 2020 esse valor cai para 62 dBA, abaixo,
portanto, do limite legal, estabelecido em 65 dBA
A medição foi
contínua entre as 16 horas do dia 22 e as 15 horas do dia 24 de Abril. No ano
passado tinha decorrido entre 4 e 6 de Julho. Na comparação dos dois períodos
constatou-se uma a diferença de 12 dBA relativamente aos indicadores Lden
(média ponderada, para 24h, da exposição ao ruído nos períodos diurno,
entardecer e noite) e Ln (exposição no período nocturno). “Considerando que uma
variação de 10 dB no nível sonoro corresponde tipicamente a uma sensação do
dobro em termos de sensação auditiva, a diferença de 12 dBA verificada está
claramente acima dessa diferença”, assinala a Zero.
A Associação
lembra ainda que se “deve também ter em conta que a escala de decibel é
logarítmica e a intensidade sonora duplica a cada 3 dBA. Em Julho de 2019, o
Lden, que não pode ultrapassar para a zona em causa (zona mista / zona próxima
de infra-estrutura aeroportuária) os 65 dBA, assumiu um valor de 74 dBA, em
clara ultrapassagem do valor limite legal (mais 9 dBA), o mesmo tendo
acontecido relativamente ao Ln (correspondente ao período nocturno) que na
altura ultrapassou o valor legal em 11 dBA.
71,5 dBA
foi o valor de
exposição diurna máximo registado nos três dias de medição Julho de 2019. Este
mês, esse valor não ultrapassou os 61,2 dBA.
E o que isto
permite concluir. Para a Zero duas coisas importantes. A primeira é de que de
nada vale fazer mapas de ruído e planos de acção que não tenham em conta o
tráfego aéreo. Mexer nas ruas e circulação automóvel terá algum efeito
marginal, mas o grande problema, insiste Francisco Ferreira, vem de cima. E se
“não se pode mudar um aeroporto de lugar de um dia para o outro”, admite, estes
dados deveriam levar o Governo a reflectir sobre o impacto, no bem-estar e na
saúde da população afecta, do actual projecto de expansão da Portela e
prolongamento da sua actividade por mais quatro décadas, se avançar, como pretende
o executivo, a construção de uma infra-estrutura complementar no Montijo.
54 dBA
foi o valor de
exposição registado nos dois períodos nocturnos da medição feita este mês. A
lei estabelece um limite de 55 dBA neste período de descanso, mas na medição do
ano passado esse valor foi sempre ultrapassado, e muito, fixando-se nos 66 dBA
“Não quero
defender aqui outras soluções, mas julgo que é óbvio que se tornará
insustentável manter este modelo por 40 anos”, insiste Francisco Ferreira.
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