FMI: Redução da
dívida desde 2014 será perdida em 2020, défice dispara para 7,1%
Fundo prevê que o
défice público em Portugal dispare para 7,1% e que a dívida pública bata um
novo recorde. É uma deterioração das contas públicas motivada pelo choque da
pandemia e que é comum a todos os países europeus.
Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 15
de Abril de 2020, 13:30
Depois de cinco
anos de redução progressiva do peso da dívida pública na economia, vai bastar
um ano para que as contas públicas portuguesas, abaladas pelo choque da
pandemia do coronavírus, voltem a bater um novo máximo na dívida, superando
novamente a barreira dos 130% do PIB.
De acordo com as
previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) – publicadas esta quarta-feira
no relatório Fiscal Monitor, produzido pelo Departamento de Assuntos
Orçamentais liderado pelo antigo ministro das Finanças Vítor Gaspar -,
Portugal, em linha com aquilo que acontece no resto da Europa e mesmo do mundo,
irá registar em 2020 uma deterioração muito significativa dos principais
indicadores das suas finanças públicas. Depois de um excedente de 0,2% em 2019,
a entidade com sede em Washington prevê para este ano um défice público de 7,1%
do PIB.
Um resultado
muito negativo, que supera em muito os limites previstos nas regras orçamentais
europeias, mas que é também projectado para a generalidade dos países da zona
euro, num cenário em que todos os Estados vêem as suas contas públicas
afectadas pelas medidas que se viram obrigados a tomar para combater a pandemia
e pelo impacto orçamental da quebra abrupta registada na actividade económica.
Para o total da zona euro, FMI espera uma subida do défice público dos 0,7% do
PIB registados em 2019 para 7,5% este ano.
Um saldo tão
negativo em 2020 faz com que Portugal volte a acumular dívida. De uma forma que
conduz a um novo recorde do peso da dívida pública na economia. De acordo com o
FMI, a dívida pública portuguesa vai disparar de 117,6% do PIB para 135%.
Este valor supera
o máximo que tinha sido atingido em 2014, quando o país, ainda a tentar sair de
uma grave crise económica em que recorreu aos empréstimos dos parceiros
europeus e do FMI, atingiu um rácio da dívida no PIB de 132,9%. Desde esse ano,
a tendência tem sido de diminuição do peso da dívida na economia, tendo-se
conseguido nos últimos quatro anos retirar quase 15 pontos percentuais a este
indicador. Todos estes ganhos, contudo, evaporam-se agora em apenas um ano, com
o indicador a agravar-se em 17,4 pontos.
As previsões
apresentadas pelo FMI para as contas públicas deste ano dificilmente podem ser
consideradas uma surpresa. Já era uma evidência para todos que a crise trazida
pela pandemia do novo coronavírus está a colocar as finanças públicas dos
países sob uma pressão poucas vezes vista. Não só os Estados têm de gastar mais
com os seus sistemas de saúde, como estão também a tomar medidas para limitar
os danos económicos da paragem registada na actividade, nomeadamente
assegurando parte do rendimento das famílias e apoiando as empresas em
dificuldades. Para além disso, com a economia a contrair-se (com uma recessão
de 8% este ano e mais 380 mil desempregados em Portugal, de acordo com as
contas do FMI), torna-se inevitável que as receitas fiscais caiam e as despesas
sociais aumentem, naquilo a que os economistas chamam de “funcionamento dos
estabilizadores automáticos”.
Mário Centeno,
numa entrevista concedida esta segunda-feira à TVI, estimou num valor entre
6000 e 7000 milhões de euros o montante do impacto orçamental resultante dos
estabilizadores automáticos, somados com o custo das medidas tomadas. O
ministro das Finanças não avançou com uma nova estimativa para o défice, mas os
números que sinalizou parecem indicar que está menos pessimista que o FMI, uma
vez que um impacto de 7000 milhões de euros representa cerca de 3,5% do PIB.
No caso do FMI,
aquilo que é previsto é uma diminuição forte da receita que o Estado pretende
obter, a um ritmo ainda mais forte do que o da queda da economia, e uma
escalada do peso da despesa pública no PIB para valores muito próximos dos 50%.
A confirmarem-se
as projecções do Fundo, o peso da receita das Administrações Públicas no PIB
irá passar de 43,3% para 42,9%. E o peso da despesa subirá de 43,1% para 49,9%,
um valor que iguala o anterior máximo registado em 2013, curiosamente o último
ano em que Vítor Gaspar (responsável por estas previsões do FMI) foi ministro
das Finanças em Portugal.
Nas suas
projecções, o Fundo revela esperança que, um pouco por todo o mundo, o
agravamento da situação nas finanças públicas possa ser revertido parcialmente
logo em 2021, beneficiando de uma retoma da economia (o FMI prevê um
crescimento de 5% na economia portuguesa no próximo ano). Para Portugal, o FMI
prevê que o défice seja logo corrigido no próximo ano, baixando para 1,9% e que
a dívida pública volte a recuar, para 128% do PIB.
Ainda assim,
mesmo com esta recuperação, não se verifica um regresso aos níveis anteriores à
crise, sendo isso particularmente evidente em relação à dívida que é acumulada
durante este ano e que, necessariamente, irá demorar vários anos a ser
revertida, mesmo num cenário de retoma económica.
No relatório
agora publicado, o FMI, falando da situação das finanças públicas a uma escala
global, assume que “a pandemia elevou a necessidade de acção ao nível da
política orçamental de uma forma que não tem precedentes” e aconselha os países
a, primeiro, dar respostas orçamentais “rápidas, concertadas e adequadas à
severidade da crise sanitária” e, depois, a proteger as pessoas e empresas mais
afectadas pelo impacto económico negativo, “o que acarreta custos ainda
maiores”.
Neste cenário, um
agravamento dos défices e da dívida é visto como inevitável, mesmo que a
dimensão exacta do impacto da pandemia nas finanças públicas seja ainda
“altamente incerta neste momento, dependendo não só da duração da pandemia, mas
também de saber se a retoma será rápida ou se a crise deixará cicatrizes
profundas”.
Ainda assim, o
FMI deixa desde já um aviso para o futuro: “Assim que as economias recuperarem,
serão necessários progressos para garantir a sustentabilidade da dívida”.
É preciso
aumentar a dívida. Mas depois, como será?
Ricardo Paes
Mamede
14 Abril 2020 —
00:02
Opinião
Ocombate à
pandemia vai deteriorar muito as contas públicas. As despesas já estão a
aumentar e as receitas a cair. Os Estados vão ter de encontrar fundos para
reforçar os serviços de saúde, proteger os mais vulneráveis e preservar a
capacidade produtiva. Há várias formas de o fazer, mas não são todas viáveis no
caso português. Nem têm todas as mesmas implicações.
Uma solução
possível é repetir a receita de há 10 anos: aumentar impostos e cortar
salários, pensões e serviços públicos. Na altura, o resultado foi acrescentar
crise à crise. A redução do rendimento disponível acentuou a queda do consumo e
do investimento, penalizando a actividade económica, a criação de emprego e até
as contas públicas. Pode-se argumentar que esta crise é diferente, pois uma
parte do problema está nas limitações à produção e não na escassez de procura.
Isto tornaria menos grave a tentativa de obter recursos por via do aumento dos
impostos e/ou da redução da despesa. Mas esta conclusão é apressada.
A generalidade
dos salários e das pensões ainda não recuperou dos cortes de há uma década, o
que torna difícil reduzi-los ainda mais. O mesmo acontece com os impostos, que
se mantêm elevados por comparação com outros períodos e países. No que respeita
aos serviços públicos, a resposta à pandemia tenderá a exigir mais - e não
menos - financiamento. Isto acontece não apenas nos hospitais e centros de
saúde mas também nas escolas, nos tribunais, nas prisões e noutros serviços,
nem que seja pela necessidade de proteger os inúmeros funcionários que
pertencem a grupos de risco (lembremo-nos da média etária elevada dos
funcionários públicos).
Além disso, o
volume dos recursos necessários é ainda maior do que há uma década. Em meados
de Março o governo previa que as medidas de apoio às famílias e às empresas
teriam um impacto de 2 mil milhões de euros por mês, o que representa cerca de
1% do PIB. Desde então foram anunciadas novas medidas, muitas delas com um
impacto orçamental relevante. Outras se seguirão, com certeza. Não seria
surpreendente, por isso, que os custos totais do combate aos efeitos económicos
da crise de saúde pública atingissem dois dígitos do PIB. A tentativa de
compensar este buraco orçamental através do aumento de impostos e/ou do corte
da despesa seria inaudito.
As consequências
seriam ainda mais graves se tivermos em conta as condições em que a economia
portuguesa sairá do estado de emergência. Centenas de milhares de pessoas terão
perdido o emprego e/ou visto reduzir de forma abrupta os seus rendimentos.
Dezenas de milhares de empresas não irão recuperar tão cedo os seus negócios.
Todos os sectores da economia privada - famílias, empresas e bancos - estarão
mais endividados. Nesse contexto, a tentativa de responder à crise através da
consolidação orçamental seria ainda mais grave do que há dez anos.
A alternativa à
austeridade é a obtenção de recursos por outras vias. Em teoria, haveria três
possibilidades: o financiamento directo pelo banco central (solução adoptada no
Reino Unido, mas impedida pelos Tratados no contexto da UE); transferências
orçamentais de uns países para outros (o que já acontece no contexto da europeu
mas em dimensões quase irrisórias, não sendo o seu aumento aceite pelos países
mais ricos); ou pedindo dinheiro emprestado, o que faz crescer a dívida dos
Estados. Esta última foi a solução encontrada pelas instituições europeias para
lidar com a crise.
Há dois problemas
potenciais no financiamento dos Estados por via do endividamento. O primeiro
são os custos envolvidos. Dívidas públicas muito elevadas tendem a ser
encaradas como um risco para os investidores e isso reflecte-se em taxas de
juro maiores, ou até na perda de acesso aos mercados. A UE procurou minimizar
estes problemas no imediato por três vias principais: a adopção de um novo
programa de compra de activos pelo BCE, a facilitação do acesso a fundos do
Mecanismo Europeu de Estabilidade e a criação de uma linha para refinanciar os
sistemas nacionais de apoio ao emprego. Estas medidas permitem que os Estados
se endividem a custos controlados nos próximos meses. Mas não há garantias de
que essas condições permaneçam nos anos seguintes.
Com as soluções encontradas,
o rácio da dívida dos Estados em percentagem do PIB vai subir muito. No caso
português, a dívida irá aumentar dos cerca de 116% registados em 2019 para
valores próximos ou superiores a 150% do PIB. A questão é: quais as implicações
disto?
Seriam
necessários três tipos de medidas para que os governos nacionais pudessem dar
as respostas que a situação exige, sem recearem consequências ainda piores no
futuro. Primeiro, haveria que garantir que as actuais condições de acesso a
financiamento se manteriam durante vários anos. Segundo, as regras orçamentais
da UE deveriam ser alteradas, aliviando a pressão para a descida rápida da
dívida dos Estados financeiramente mais frágeis. Por fim, teria de haver um
compromisso para o lançamento conjunto de um programa de retoma, caso se
confirme um cenário de recuperação lenta das economias europeias após a
emergência de saúde pública.
Da reunião do
Eurogrupo do passado dia 9 de Abril não saiu nada disto. O melhor que se
conseguiu foi a disponibilidade para ponderar um eventual programa de
relançamento económico, sem compromissos quanto a volumes ou origem dos fundos.
Sobre as condições de financiamento dos Estados no pós-covid, ou sobre as
pressões futuras para a redução das dívidas, nenhuma palavra.
Não admira por
isso que os investidores tenham permanecido indiferentes às conclusões do
Eurogrupo, como revela a estabilidade das taxas de juro dos países periféricos
nos mercados secundários. Não admira também que os governos nacionais hesitem
em tomar as medidas necessárias para minimizar os impactos económicos do
combate à pandemia. Não porque essas medidas não sejam necessárias. Mas porque
muitos governos têm medo do que vem a seguir.
Economista e
professor no ISCTE. Escreve de acordo com a antiga ortografia.
Sem comentários:
Enviar um comentário