Sim tudo muito bem ... mas quando se chega à questão do Montijo: |
Todas estas alterações que vivemos, nomeadamente a paragem da aviação, não o levaram a repensar a necessidade de um novo aeroporto no Montijo?
Não tenho que repensar essa questão, não sou promotor de aeroportos. O Montijo foi submetido a avaliação de impacte ambiental, à administração do Ministério do Ambiente, e essa mesma administração, liderada pela APA, concluiu pela possibilidade de o aeroporto ser feito com um conjunto de medidas minimizadoras. Confesso que num cenário Portela+1 não consigo imaginar melhor localização do que o Montijo. Não há nenhum aeroporto que provoque menos impactos do que um aeroporto que já existe.
Matos Fernandes em Entrevista com o Público
OVOODOCORVO
|
ENTREVISTA
“O arrendamento de longa duração vai emergir no centro
das cidades”
Ministério do Ambiente organizou um programa com várias
medidas imediatas para relançar a economia. Matos Fernandes quer aproveitar a
oportunidade trazida pela crise da covid-19 para acelerar investimentos
públicos de dois mil milhões de euros, mais 350 milhões para alavancar
investimentos privados.
Patrícia Carvalho
e Luísa Pinto 19 de Abril de 2020, 7:20
Não é um plano de
Governo, mas é um plano de acção, a quatro anos, que permite uma resposta que
seja necessariamente “simultânea e imediata”, como o exige a gravidade da crise
que se instalou devido à pandemia da covid-19, e que tenha em conta “uma visão
de longo prazo”, que encare “a criação de bem-estar como uma necessidade” e
assuma que “a forma mais equilibrada de o conseguir será através de
investimentos numa economia neutra em carbono, circular e bio”.
Num documento
organizado em torno de dez objectivos, e depois de ter pedido a duas dezenas de
personalidades portuguesas que se pronunciassem sobre o modo como se poderiam
valorizar as questões da sustentabilidade ambiental na saída da crise provocada
pela covid-19, o ministro do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) chegou a um
plano de investimentos que atinge os dois mil milhões de euros, para os
projectos exclusivamente públicos, e os 350 milhões em apoios públicos ao desenvolvimento
de projectos privados.
João Pedro Matos
Fernandes foi buscar muitos dos planos que já tinha em carteira, como os que se
referem à expansão dos metros de Lisboa e Porto, ou o plano nacional do lítio e
do hidrogénio, e pretende acelerar outros, como a barragem do rio Ocreza. Em
comum têm o facto de todos poderem arrancar no prazo de 18 meses – “assim haja
a arte de concentrar o investimento necessário no sector do ambiente”.
Acredita que a
situação de excepção criada pela pandemia da covid-19 vai deixar marcas
suficientemente duradouras para aceleramos o caminho para uma economia verde?
Nós não quisemos
resolver a tensão entre aqueles que acham que o que está a acontecer é uma
razão para recuperar [a economia] muito depressa, pondo em segundo lugar as
questões ambientais, e os que acham que esta é a grande oportunidade para uma
sociedade mais justa e mais sustentável. Acho que a síntese desta tensão se
resolve pela afirmação, que é e foi sempre a nossa, que a política ambiental
não é uma política do “não”, mas sim uma política de pugnar pelo bem-estar de
todos, através de um conjunto de investimentos que sejam fundamentais para que
a economia possa crescer gerando bem-estar, mas que cresça neutra em carbono,
circular e regenerando recursos. É isso que é absolutamente fundamental. O
ambiente e a sustentabilidade ganharão um papel de maior relevância social se
forem objectivamente os motores da criação de riqueza e bem-estar qualificado.
A maior parte das
propostas que surgem neste documento não são novidade, referem-se à
consolidação de medidas e projectos já anunciados. O que é que esta situação de
pandemia trouxe de verdadeiramente novo ao que o MAAC projecta para os próximos
anos?
O que é
verdadeiramente novo aqui é a percepção de um conjunto de valores, que parecem
agora ser valores societais, que podem de facto multiplicar aquilo que eram os
projectos que vinham de trás e um conjunto de outros. Dos projectos que
aparecem na nossa lista final, a maior parte deles são novos do ponto de vista
da perspectiva do compromisso, para não dizer que são quase todos novos. Não há
um tostão investido destes dois mil milhões de euros de que ali se fala. Tudo
isso é novidade.
Mas muitas das
coisas, apesar de não estarem orçamentadas, já estavam previstas.
Não havia
compromisso algum. Alguns exemplos: o projecto de multiplicar por cinco a
reabilitação das ribeiras, de que o PÚBLICO deu notícia há dias, não existia;
assumir o compromisso de fazer a protecção do litoral frente ao Furadouro, em
Ovar; a antecipação da construção da Linha Vermelha do metro em Lisboa; a
possibilidade de a nova linha de metro para Vila Nova de Gaia, com uma nova
ponte sobre o Douro. Tudo isso são projectos que são novos no nosso compromisso
ou na vontade de compromisso. Temos de facto, repito, um conjunto de valores
que emergem da maneira como a sociedade está a reagir à crise que podem
permitir avançar com projectos diferenciados. Vimos que o teletrabalho é
possível. A digitalização dos serviços ambientais tem necessariamente que se concretizar
a partir do momento em que sabemos isso e, já agora, com as vantagens da
redução do total de emissões, por haver também uma redução de deslocações.
Uma outra questão
que vai ser relevantíssima é que os investimentos que virão a ser feitos ou que
foram feitos na reabilitação do património imobiliário vão tender a
transformar-se em valores mais seguros e mais perenes. O mercado de
arrendamento de longa duração vai mesmo emergir no centro das cidades e com
isso vamos ter centros históricos muito mais vivos e menos deslocações. Há
também um conjunto de outros valores que acho que são muito importantes e que
emergem agora. A importância do silêncio e a melhoria da qualidade do ar das
cidades - afinal essas coisas são possíveis. Desejavelmente, devem ser
possíveis com projectos estruturados e nunca em situações como aquela que
estamos a viver. E há aqui, para concluir, uma outra dimensão que me parece da
maior importância para aquilo que é a redução da pegada ecológica, que é o
valor das cadeias curtas de produção, distribuição e consumo. Isso vai provocar
alterações na agricultura, que tem de ser cada vez mais diversa nas espécies
que cultiva, para poder abastecer mercados de proximidade. E isso vai
certamente provocar mudanças no consumo.
Acredita que o
valor do silêncio das cidades ou a melhoria da qualidade do ar vão pesar o
suficiente no momento de os contrapor, por exemplo, ao impacto que terá o baixo
preço do petróleo, associado à pressão para um rápido crescimento?
O nosso papel
aqui não é passar receitas, nem pouco mais ao menos. Mas o preço baixo do
petróleo é de facto a razão por que esperávamos para acelerar o phasing out dos
benefícios fiscais associados aos combustíveis fósseis. Já começou com o carvão
há três anos, começou com o gás e o fuelóleo no ano passado, pretendemos
alargá-lo, e este é o tempo para poder acelerar esse phasing out, para haver
formas justas de competição. A prova de que também do ponto de vista
institucional a sociedade está a mudar, tive-a quando li o senhor presidente da
ACAP [Associação do Comércio Automóvel de Portugal] a defender que são
fundamentais os subsídios aos veículos eléctricos.
Fala em avançar
com uma estratégia nacional para o hidrogénio, a somar-se à estratégia para o
lítio, que ainda não teve grandes avanços e que sofre uma grande contestação no
terreno. Acredita que vai haver menor contestação das comunidades?
Esta crise
sublinha a relevância da digitalização e da electrificação na sociedade e na
economia. E não existe a digitalização nem a capacidade de electrificar a
mobilidade sem haver lítio. Já percebemos o risco que temos em depender de
produtos e matérias-primas que vêm de muito longe. De muitos desses produtos e
matérias-primas nós dependeremos sempre, porque não existem em Portugal. Agora,
explorar recursos geológicos que são portugueses, com todo o cuidado ambiental,
porque isso não se discute, para desenvolver a indústria 4.0, a digitalização e
a electrificação da mobilidade, é absolutamente fundamental que venha a ser
feito. Não quero dizer com isto que acho que os movimentos locais que se opõem
vão mudar de opinião por causa disso. Agora, quero acreditar que a sociedade
entenderá, independentemente de simpatia, cada vez menos esses movimentos
locais.
No documento
refere que a queda de procura no alojamento local permitirá o regresso dos
moradores ao centro das cidades. Está a prever que não haverá recuperação do
sector do turismo a curto, médio prazo?
Não. A questão da
recuperação do sector do turismo joga-se à escala mundial, e Portugal será até
dos países da Europa e do Sul da Europa que mais depressa irá recuperar porque,
felizmente, até à data, os números que temos apresentado revelam um sistema de
saúde capaz, robusto, a funcionar (o que é sempre importante quando qualquer um
de nós vai de férias), e uma sociedade organizada para combater esta pandemia.
Coloco essa questão mais do lado da segurança do investidor. Parece evidente
que assim como não deve haver monoculturas agrícolas e monoculturas florestais,
não deve haver cidades monofuncionais. Porque 98% dos edifícios e das fracções
dos edifícios são privados, quero mesmo acreditar que alguns destes
investidores vão caldear os seus investimentos, tendo uma parcela relevante de
património de fogos edificados que sejam destinados ao arrendamento de longa
duração.
E já há algum
indicador que permita sustentar essa crença?
Já aparece hoje,
sobretudo em Lisboa, alguma oferta de casas para arrendamento com preços que
não têm nada que ver com o que era há dois ou três meses.
Uma das novidades
do documento é que sejam criados Roteiros Regionais para a Neutralidade
Carbónica. Como é que será desenvolvido?
Vai ser feito à
semelhança do roteiro nacional e do que foram os planos de acção para a
economia circular. Eu tenho uma visão muito clara sobre isto há muito tempo e
acredito muito que as políticas ambientais são territorializadas. Não podemos
ter uma política de água que seja igual em Terras do Bouro onde chove ou em
Alcoutim onde muito pouco chove, tem de haver soluções adaptadas. Tal como a
partir do plano de acção da economia circular nós fizemos planos regionais,
queremos fazer agora roteiros de neutralidade carbónica à escala da região.
Ficará nas mãos
das comissões coordenação de desenvolvimento regional?
Serão certamente
as entidades regionais os principais tomadores deste projecto, sim.
Metro em Lisboa
até Santo Amaro, tal como já foi falado, e no Porto uma nova linha entre a Casa
da Música e Santo Ovídeo (que, diz, terá ainda de ser acordada com a Área
Metropolitana do Porto). Com o tempo que estes processos levam - veja-se o que
aconteceu com a Linha Circular de Lisboa - e tendo em conta que aponta o prazo
de quatro anos para a execução destas propostas para o período pós-covid-19,
acredita que será possível realizar estas e as outras empreitadas previstas?
Estou confiante
que se tivermos a arte de concentrar o investimento necessário no sector do
ambiente vamos mesmo conseguir fazê-lo. Em relação à Linha Vermelha o projecto
já está bastante desenvolvido e nós sabemos bem porque é que avançamos com a
Linha Circular. Os estudos demonstram que é muito mais útil a Linha Circular do
que meia Linha Vermelha até Campo de Ourique.
O investimento no
metro previsto para Lisboa é quase o dobro do previsto para o Porto. Está
pronto para lidar com as críticas a esta diferença?
Neste momento o
investimento que está a ser feito no Porto é muito maior do que o que está a
ser feito em Lisboa. O dinheiro que está previsto para investimento nas áreas
metropolitanas de Porto e Lisboa no PNI [Programa Nacional de Investimentos]
são cerca de 800 milhões na área do Porto e 1,1 mil milhões em Lisboa.
Todas estas
alterações que vivemos, nomeadamente a paragem da aviação, não o levaram a
repensar a necessidade de um novo aeroporto no Montijo?
Não tenho que
repensar essa questão, não sou promotor de aeroportos. O Montijo foi submetido
a avaliação de impacte ambiental, à administração do Ministério do Ambiente, e
essa mesma administração, liderada pela APA, concluiu pela possibilidade de o
aeroporto ser feito com um conjunto de medidas minimizadoras. Confesso que num
cenário Portela+1 não consigo imaginar melhor localização do que o Montijo. Não
há nenhum aeroporto que provoque menos impactos do que um aeroporto que já
existe.
tp.ocilbup@ohlavrac.aicirtap
tp.ocilbup@otnip.asiul
Sem comentários:
Enviar um comentário