CORONAVÍRUS
FMI: o Grande Confinamento será a pior recessão desde a
Grande Depressão
Fundo prevê queda de 3% no PIB mundial, com a economia da
zona euro a cair 7,5%. É a maior quebra em 90 anos, mas o FMI alerta que há
“riscos severos de um resultado pior”. Em Portugal, o PIB pode afundar-se 8%.
Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 14
de Abril de 2020, 13:30
Depois da Grande
Depressão nos anos 30 do século passado e da Grande Recessão que resultou da
crise financeira de 2008, a crise económica trazida pelo novo coronavírus já
está a ser também baptizada. A economista-chefe do Fundo Monetário
Internacional (FMI), Gita Gopinath, chama-lhe agora o Grande Confinamento, num
relatório sobre o estado da economia mundial, publicado nesta terça-feira, em
que a entidade com sede em Washington revê de forma dramática as projecções de
crescimento para todos os países, antecipando que o globo registe este ano a
maior contracção na economia dos últimos 90 anos.
Nas suas
previsões de Primavera — as primeiras desde que foi declarada a pandemia —, o
FMI aponta para uma contracção da economia mundial de 3% em 2020. É um
resultado que compara, por exemplo, com a redução do PIB de 0,1% que se
verificou em 2009, no auge da crise financeira internacional de há cerca de uma
década.
Normalmente, à
escala mundial, basta um crescimento abaixo de 3% para se começar logo a falar
de uma recessão. Um cenário de contracção da economia mundial é extremamente
raro, sendo quase inédito um recuo da dimensão do agora previsto para 2020.
“O Grande
Confinamento, como lhe poderemos chamar, deverá encolher o crescimento global
de forma dramática (...) A magnitude e a velocidade do colapso na actividade
são diferentes de qualquer coisa que tenhamos experimentado durante as nossas
vidas”, afirma Gita Gopinath, assinalando que estamos perante a “pior recessão
desde a Grande Depressão, e muito pior do que a Crise Financeira
Internacional”.
Antes do
aparecimento da pandemia, o FMI previa que a economia mundial, em mais um ano
de expansão relativamente lenta, iria crescer 3,3%, uma ligeira aceleração face
aos 2,9% registados em 2019. Agora, as contas ficaram totalmente invertidas,
principalmente pelo facto de a contracção das economias se verificar ao mesmo
tempo em todo o lado.
Zona euro a cair
7,5%
O FMI diz que se
irá registar este ano uma redução do PIB per capita em 170 países e assinala que
é a primeira vez que há registo, em simultâneo, de recessões no conjunto dos
países avançados e nos países emergentes. Nos países avançados, o PIB vai cair
6,1%, e nos mercados emergentes, habituados a taxas de crescimento elevadas, a
perda será de 1%.
Dentro dos países
avançados, a zona euro pode voltar, tal como aconteceu em 2009 e nos anos
seguintes, a destacar-se pela negativa. O FMI prevê para o conjunto dos 19
países com a moeda única uma contracção de 7,5% (em 2009 foi de 4,5%), um
resultado pior do que o antecipado neste momento para os EUA, onde o FMI vê a
economia a cair 5,9%.
Itália, com uma
recessão prevista de 9,1%, e Espanha, com o PIB a cair 8%, são entre as grandes
economias as que mais caem, prejudicadas por terem sido dos países mais atingidos
pela pandemia. Há ainda dois outros factores que as penalizam especialmente: um
peso significativo do sector do turismo, um dos mais prejudicados pela
pandemia, e um nível de endividamento mais elevado, que dificulta a resposta à
crise. Estas duas características são partilhadas com outras economias da zona
euro de menor dimensão, como é o caso da Grécia, que o FMI vê a cair 10%, e
Portugal, com uma contracção do PIB prevista de 8%.
Não se pense
contudo que os outros países da zona euro escapam ilesos à crise. Alemanha,
França e Holanda deverão registar contracções do PIB em 2020 de 7%, 7,2% e
7,5%, respectivamente.
América do Sul,
com uma redução do PIB de 5% (5,3% no Brasil), África Subsariana com uma perda
de 1,6% (1,4% em Angola), e Médio Oriente e Ásia Central, com uma diminuição de
2,6%, têm um dos piores registos anuais de que há memória nas suas economias.
E o mesmo
acontece na Ásia, apesar de a China, o primeiro país a sentir o impacto do novo
coronavírus, ainda conseguir apresentar uma taxa de crescimento positiva, de
1,2%. Este resultado, mesmo assim, fica bastante abaixo do crescimento de 6%
que antes era previsto e da variação de 6,1% conseguida em 2019.
Para 2021, diz o
FMI, pode ficar marcada uma recuperação. As projecções apresentadas apontam
para um crescimento da economia mundial no próximo ano de 5,8%, com os EUA e
zona euro a registarem variações no PIB de 4,7% e a China a acelerar para os
9,2%.
Ainda assim, diz
o Fundo, a recuperação de 2021 não será suficiente para retomar todo o nível de
actividade económica perdida, que se estima poder ser, no total de 2020 e 2021,
de cerca de 8,2 biliões de euros, “mais do que as economias da Alemanha e Japão
combinadas”.
Os responsáveis
do Fundo fazem ainda questão de assinalar que as previsões agora apresentadas
têm como pressuposto uma resolução relativamente rápida da crise sanitária, que
permita o relaxamento das medidas de confinamento já a partir da segunda metade
de 2020.
O problema é que,
neste momento, é ainda muito difícil prever com segurança quando é que isso irá
de facto acontecer e se não irão ocorrer retrocessos no controlo da pandemia. É
por isso que no relatório se alerta que existe “uma incerteza extrema em torno
das previsões de crescimento globais”, reconhecendo-se que há “riscos severos
de um resultado pior”.
Numa tentativa de
antecipar o que poderão ser esses resultados piores, o FMI traça três cenários
alternativos.
No primeiro,
assume uma manutenção das medidas de contenção em todos os países por um
período 50% mais longo do que o previsto no cenário-base, além de um ambiente
menos favorável nos mercados financeiros, com subida das taxas de juro da dívida.
Só isso faz com que a contracção do PIB prevista para 2020 seja 3 pontos
percentuais mais negativa, isto é, a economia mundial cairia 6% este ano.
No segundo
cenário, assume-se que ocorrerá um regresso da pandemia em 2021, com uma
dimensão dois terços mais forte do que o assumido no cenário-base. Isso faria
com que a retoma agora prevista para 2021 fosse colocada em causa, já que se
teria de retirar cinco pontos percentuais à taxa de crescimento projectada,
passando-a assim para 0,8% (com a Europa, por exemplo, a manter taxas de
crescimento negativas).
No terceiro
cenário, o pior, o FMI assume não só um período de contenção mais longo em 2020
como a ocorrência de uma recaída em 2021. E aí, o PIB ficaria 8% abaixo do
cenário-base no próximo ano.
Os responsáveis
do Fundo alertam ainda que o desempenho da economia dependerá em larga medida
das respostas à crise que serão dadas pelos Estados, seja por via da política
monetária, seja por via da política orçamental. Aqui, o FMI repete o apelo para
uma acção decidida de bancos centrais e governos, que permita manter
minimamente intacta a estrutura económica dos países.
O relatório
assinala os esforços que já têm vindo a ser feitos, mas alerta que, dependendo
da forma como evoluir a situação, poderá ser preciso ir mais longe.
Aos países com
uma situação orçamental de partida mais frágil, com níveis de dívida elevados,
o FMI diz que poderão ser forçados a recorrer a ajuda externa. E
especificamente em relação à zona euro, embora não dando o seu apoio explícito
a uma mutualização da dívida, o Fundo deixa um recado sobre a forma como se
devem evitar problemas como os registados na anterior crise.
“Na zona euro,
onde muitos países foram particularmente atingidos pelo vírus, um apoio europeu
de dimensão significativa direccionado a estes países deve complementar os seus
esforços nacionais, o que ajudaria a manter e garantir as necessidades de
financiamento resultantes do choque de grande dimensão, comum e puramente
exógeno”, conclui.
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