ENTREVISTA
CORONAVÍRUS
“Há empresas que deixaram de ser viáveis e o crédito não
vai ajudar”
Sérgio Rebelo, professor da Kellogg School of Management,
alerta que Portugal tem pouca capacidade orçamental. Ainda assim, considera que
“há algum espaço de manobra desde que o BCE esteja disponível para comprar
dívida portuguesa”.
Sérgio Aníbal e
Andrea Cunha Freitas 14 de Abril de 2020, 6:58
Abandonar a
contenção e limitar pouco a actividade, apostando na chamada “imunidade de
grupo”, não é a melhor opção nem mesmo no plano económico, já que, mesmo
podendo trazer aumentos temporários no consumo, os efeitos económicos de longa
duração serão negativos. Esta é um das conclusões de um estudo publicado
recentemente por Sérgio Rebelo, economista português residente nos Estados
Unidos há várias décadas, em conjunto com Martin S. Eichenbaum e Mathias
Trabandt. No trabalho, os especialistas analisam, com base nos dados da gripe
espanhola de 1918, os equilíbrios entre a protecção de vidas humanas através de
medidas de contenção da actividade e o impacto na economia dessas medidas.
Em resposta às
perguntas enviadas por e-mail pelo PÚBLICO, o professor da Kellogg School of
Management defende que “de uma forma geral, os governos estão a fazer aquilo
que é preciso para adequar o curso de epidemia à capacidade hospitalar”. Do
ponto de vista económico, afirma que aquilo que é necessário nesta fase é
“tomar medidas que aliviem o sofrimento das famílias mais desprotegidas, que
preservem as empresas viáveis e que mantenham os empregos”, alertando contudo
que “há infelizmente empresas que deixaram de ser viáveis e a essas o crédito
não vai ajudar”. Para o Estado, deixa um aviso: “se a situação económica piorar
vai ser preciso tomar mais medidas, mesmo que isso signifique um endividamento
maior”. O que é preciso, diz, é “preservar a capacidade produtiva”.
No vosso artigo –
“Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence
from the 1918 Flu” - falam, por um lado, na influência desta perturbação na
economia com um possível aumento de mortes por suicídio e, por outro, numa
redução de mortes nos acidentes de viação e poluição por causa do seu
abrandamento. Porquê fazer este tipo de contas?
O modelo que
construímos tem em conta os custos da recessão causada pela epidemia em si e
pelas medidas de contenção adoptadas para reduzir o número de fatalidades. Mas
um modelo é sempre uma simplificação da realidade em que tentamos incluir
apenas aquilo que é crucial. No nosso caso, o modelo não leva em consideração
aspectos como acidentes de viação e fluxos de poluição.
Onde é que se
encontra, no presente caso, o ponto ideal entre a aplicação de medidas de
contenção e a manutenção de alguma actividade económica?
É exactamente
esse ponto ideal que o modelo permite determinar. É claro que é mais fácil
fazer isto no computador do que na realidade. O modelo é apenas um instrumento
para nos ajudar a pensar sobre escolhas que são muito difíceis de fazer.
Há muitas
informações e variáveis que não conhecemos. Por exemplo, porque escolheu a
(optimista) taxa de mortalidade de 0,5%, quando a OMS fala numa previsão de 2%?
A taxa de
mortalidade é o número de pessoas que faleceram devido à covid-19 dividido pelo
número de pessoas infectadas. Temos uma ideia razoável do numerador deste
rácio, mas uma ideia muito imprecisa do denominador. Há muitas pessoas
infectadas sem sintomas que não são incluídas no denominador. Isso resulta em
estimativas da taxa de mortalidade que são artificialmente elevadas. Por esta
razão, utilizámos os dados por escalão etário da Coreia do Sul, um país que
usou um número muito grande de testes para aferir o número de infectados.
Usámos depois a distribuição por idades nos Estados Unidos para adaptar a taxa
de mortalidade à realidade americana. Excluímos pessoas com mais de 70 anos
porque este grupo etário tem taxas muito baixas de participação no mercado de
trabalho.
A análise que faz
diz respeito aos EUA. Há motivos para pensar que pode ser diferente noutros
países, noutras economias? No caso português, por exemplo?
As variáveis
cruciais são a estrutura etária da população e a capacidade hospitalar. As
razões pelas quais assistimos a situações dramáticas na Itália são que cerca de
30% da população tem mais de 60 anos e a capacidade hospitalar é bastante
limitada.
As medidas de
contenção actualmente em vigor na Europa e nos EUA são as adequadas? Os
governos têm estado, a este nível, a reagir bem?
De uma forma
geral, os governos estão a fazer aquilo que é preciso para adequar o curso de
epidemia à capacidade hospitalar, reduzindo a taxa de mortalidade e ganhando
algum tempo para ver se se descobre um tratamento eficaz ou uma vacina.
Quanto tempo é
que, acredita, poderá durar este problema de termos a economia total ou
parcialmente fechada?
Estamos nas mãos
dos cientistas que desenvolvem terapias e vacinas. Se se encontrar um
tratamento eficaz ou uma vacina a curto prazo, a economia vai recuperar
rapidamente. Mas temos que nos preparar para a possibilidade de isso não
acontecer e de a epidemia só parar por atingirmos herd immunity [imunidade de
grupo], ou seja quando houver um número grande de pessoas que teve a infecção e
adquiriu imunidade ao vírus. Na ausência de vacinas ou tratamentos só isso pode
evitar um segundo surto de infecções. Se a solução for herd immunity, temos que
implementar políticas de contenção por um período de tempo muito mais alargado
que um trimestre.
Que tipo de
medidas devem ser tomadas?
É preciso tomar medidas
que aliviem o sofrimento das famílias mais desprotegidas, que preservem as
empresas viáveis e que mantenham os empregos para que a economia possa
recuperar rapidamente quando a epidemia passar. Na Alemanha, o programa
Kurzarbeit (“trabalho curto”) permite às empresas reduzirem as horas de
trabalho dos seus trabalhadores. O estado dá uma compensação parcial aos
trabalhadores que sofreram redução nas horas de trabalho e rendimento. Ao
incentivar as empresas a não despedirem os seus trabalhadores o programa
permitiu à Alemanha recuperar rapidamente em 2010 e 2011. Este programa foi
revisto e adaptado para a situação actual.
Portugal ainda
tem muitas feridas abertas na economia pelos tempos da crise de 2008 e da
troika. Tem também níveis de dívida, pública e privada, muito elevados. Qual é
que acha que será o impacto da epidemia na economia portuguesa?
Portugal tem
pouca capacidade orçamental, por isso é preciso ser cuidadoso. Mas há algum
espaço de manobra desde que o Banco Central Europeu (BCE) esteja disponível
para comprar dívida portuguesa. A prudência na gestão da dívida durante
expansões é importante para termos espaço de manobra nas recessões.
O Governo já
anunciou uma série de medidas de apoio às famílias, desempregados, recibos verdes,
empresários, etc. Desde moratórias para empréstimos a isenções de pagamentos de
rendas, emissão de dívida e regras para layoff simplificados, entre outras
acções. É isto que é preciso? Devia-se ir mais longe ou, pelo contrário, ter
mais prudência no que diz respeito ao aumento do nível de endividamento?
É um balanço
delicado entre aliviar o presente e sobrecarregar o país com dívidas a pagar no
futuro. Portugal, tal como outros países, está a navegar à vista. Se a situação
económica piorar vai ser preciso tomar mais medidas mesmo que isso signifique
um endividamento maior, porque é preciso preservar a capacidade produtiva do
país.
Uma parte
importante das medidas consiste na concessão de crédito às empresas ou o
adiamento de despesas para os particulares. Não se estará apenas a adiar uma
factura?
O acesso ao
crédito é muito importante porque ajuda a evitar que empresas viáveis vão à
falência. Há infelizmente empresas que deixaram de ser viáveis e a essas o
crédito não vai ajudar.
Quanto tempo vai
ser preciso para nos recompormos disto tudo. Este tipo de crises deixa
cicatrizes na economia no longo prazo?
Tudo depende da
duração da crise. Se amanhã for descoberto um tratamento eficaz as cicatrizes
vão ser pequenas. Muitos países vão acabar mais endividados e com economias
mais fracas porque perderam empresas e empregos durante a epidemia. Há também
mudanças de comportamento que provavelmente vêm para ficar: mais comércio
electrónico e telemedicina, mais reuniões por videoconferência e ensino online,
mais automação e menos outsourcing [subcontratação].
Na Europa, o
debate económico tem estado centrado nos chamados “coronabonds”. Acha que
avançar para a mutualização de dívida é essencial para evitar o risco de uma
nova fragmentação na zona euro?
Como sempre esta
é uma questão política. Mas a mutualização permite partilhar o risco de um
choque comum de forma a que a retoma seja mais robusta e que a circulação de
pessoas na Europa possa recuperar mais rapidamente. Essa circulação é muito
importante para Portugal dada a importância do turismo na nossa economia.
Um dos cenários
que estará a trabalhar agora passa por “ir libertando” os sobreviventes da
covid-19, os seja, as pessoas que foram infectadas e recuperaram. A Alemanha
avançou recentemente com essa ideia consistindo numa espécie de “certificado de
imunidade” que permitia o regresso à vida “normal”. Acha que essa é uma
possível e boa solução? O regresso destas pessoas pode ter um efeito de alívio
na economia?
Acho que se tem
que evoluir rapidamente para estas soluções de smart containment, em que as
pessoas imunes podem trabalhar e circular livremente. Para implementar esta
solução é preciso ter a capacidade de fazer testes de imunidade em grande
escala.
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