UNIÃO EUROPEIA
Depois das palmas, soaram agora as críticas ao pacote
aprovado no Eurogrupo
Ministros das Finanças assinaram acordo mas não mudaram
de opinião: a fractura entre os países do Norte e do Sul mantém-se. Questões
que justificaram impasse das negociações não foram resolvidas.
Rita Siza
Rita Siza ,
Bruxelas 10 de Abril de 2020, 19:42
Não durou muito a
trégua alcançada pelos ministros das Finanças da União Europeia após uma
longuíssima reunião do Eurogrupo, que se prolongou por três dias e culminou com
o anúncio de um “excelente acordo” para uma resposta económica conjunta,
“ambiciosa” e “robusta”, à crise profunda provocada pela pandemia de
coronavírus no continente. “São biliões e biliões de euros. Não há
precedentes”, resumiu o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno.
Na manhã
seguinte, as reacções eram bem menos entusiásticas. O plano europeu, alavancado
em empréstimos e garantias no valor de 500 mil milhões de euros para a
assistência financeira dos Estados membros, a liquidez das empresas e a
protecção dos postos de trabalho, era criticado por eurodeputados de diversas
bancadas como inadequado, insustentável ou insuficiente — até o presidente do
Parlamento Europeu, David Sassoli, que aplaudiu o acordo alcançado no
Eurogrupo, sublinhou que será preciso ir muito mais além. “Os chefes de Estado
e de governo têm de ser corajosos e actuar com base na estimativa do Banco
Central Europeu de que serão precisos mais do que 1,5 biliões de euros para a
reconstrução”, considerou.
Depois de horas e
horas de debates técnicos e políticos sobre o recurso ao Mecanismo Europeu de
Estabilidade (MEE) e à disponibilização do seu “poder de fogo” para o
financiamento urgente dos países, os líderes preferiram virar a página e
desviar a sua atenção para o futuro, posicionando-se já para os próximos
embates: uma nova cimeira europeia por videoconferência, agendada para 23 de
Abril, e a posterior negociação do plano de relançamento e recuperação da
economia europeia e do próximo quadro financeiro plurianual para 2021-27, que
vão envolver o Conselho e a Comissão Europeia.
“É chegado o
momento para lançar as bases da nossa recuperação. Estou a trabalhar com a
presidente da Comissão Europeia num plano de acção para relançar a economia e
promover a convergência, através do crescimento sustentável e inclusivo baseado
na nossa estratégia verde e digital”, informou o presidente do Conselho
Europeu, Charles Michel, em comunicado.
Quanto à solução
encontrada para desfazer o impasse relativo à linha de crédito cautelar do MEE
— a sua limitação à despesa directa ou indirectamente ligada ao sector da
saúde, com a aceitação de uma condicionalidade macroeconómica light, enquadrada
pelos instrumentos do Semestre Europeu — as opiniões dividiram-se. David
Sassoli considerou a solução “muito útil”, por facilitar os investimentos nas
unidades, equipamentos e pessoal hospitalares, na investigação de tratamentos
ou curas para a covid-19 e nas regiões mais atingidas pela pandemia.
“Claro que nenhum
país será obrigado a utilizar este recurso: ele existe como uma opção
adicional”, assinalou. Em declarações ao PÚBLICO, o secretário de Estado
Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, confirmou que Portugal deverá
ser um dos países a prescindir, para já, deste apoio (que, segundo a fórmula
prevista, poderia garantir até 4000 milhões de euros de crédito ao país). Como
explicou, o interesse desta linha é servir como um “mecanismo de seguro” que
protege os países na eventualidade de se depararem com dificuldades em
financiarem-se no mercado. “Como qualquer seguro, é algo que compramos para não
ter de usar”, justificou.
Já Sassoli
apresentou o argumento para que países como a sua Itália utilizem o fundo de
resgate do euro, agora “reconvertido” para o apoio de emergência sanitária. “A
Itália já pagou 14 mil milhões de euros para este fundo, e agora pode receber
37 mil milhões, sem restrições nem condições desagradáveis”, assinalou.
De resto, bastou
uma noite de sono para se perceber que as divergências que dificultaram as
negociações, e quase impediram um consenso ao nível do Eurogrupo, continuam por
resolver. As fracturas entre o Norte e o Sul da Europa eram evidentes nas
diferentes leituras que o anúncio do acordo suscitou. “Vitória”, assinalavam os
títulos dos jornais dos Países Baixos, ecoando as declarações do ministro das
Finanças, Wopke Hoekstra, para quem o desfecho da “batalha” do seu país na
Europa não podia ter sido mais “razoável”. “Traição”, gritava a oposição
italiana, e em particular o líder da Liga, Matteo Salvini, que prometeu
submeter a confiança no ministro das Finanças, Roberto Gualtieri, à votação do
parlamento, por alegadamente ter aceitado um compromisso que vai contra o
interesse nacional.
O acordo só
surgiu porque os governantes decidiram riscar da ordem do dia a discussão da
mutualização da dívida, através da emissão de títulos conjuntos, os chamados
“coronabonds”. Mas isso não impediu que a discussão entre os governantes
corresse à margem do encontro, na arena mediática, inquinando qualquer compromisso.
“Às vezes é preciso bater o pé”, comentava Wopke Hoekstra no fim da reunião,
garantindo que essa linha vermelha (partilhada com a Alemanha, a Áustria e a
Finlândia) jamais será ultrapassada.
Mas Mário Centeno
manteve uma porta aberta para o debate, ao conseguir que os líderes
subscrevessem um caderno de encargos preliminar para o trabalho de Charles
Michel e Ursula von der Leyen. “Concordamos que é preciso desenhar um fundo de
recuperação que possa acelerar o investimento”, dizem as conclusões da reunião,
que deixam explícitas as diferentes visões dos Estados membros relativamente a
esse futuro instrumento financeiro “inovador”. “Alguns entendem que deve passar
pela emissão conjunta de dívida, outros querem encontrar outras alternativas”,
assumiu Centeno. O impasse continua.
Sem comentários:
Enviar um comentário