sábado, 5 de julho de 2014

Lei que impede estagiários de assinar artigos “visa impedir pessoas de trabalhar de graça”

Só quem tem carteira profissional pode publicar notícias


Lei que impede estagiários de assinar artigos “visa impedir pessoas de trabalhar de graça”
Pós-graduações em Jornalismo dão acesso, mediante propinas, a estágios remunerados e a licença para publicar textos

“A Comissão resolveria o problema, se emitisse uma carteira para os estagiários curriculares com uma duração máxima de três meses”, sugere António Granado

Imprensa Ana Henriques / 5 jul 2014 / PÚBLICO

A lei que proíbe os estagiários dos órgãos de comunicação social de assinarem artigos “visa impedir as empresas de despedir profissionais e de os substituir por pessoas que trabalham de graça”, diz um membro da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, Daniel Ricardo.
O PÚBLICO foi informado na quinta-feira por este organismo responsável pela acreditação dos jornalistas que os trabalhos dos estagiários curriculares não podem ser publicados no jornal. O presidente da comissão ameaçou o PÚBLICO com multas que podem ascender a muitos milhares de euros por o jornal permitir que jovens a terminar os cursos superiores desempenhem actos jornalísticos inerentes à profissão — como contactar fontes de informação oficiais. Para este organismo financiado pelo Estado, isso viola o Estatuto do Jornalista, segundo o qual os profissionais credenciados pela comissão são os únicos com “capacidade editorial” para fazer notícias.
“Sei de empresas de comunicação social que logo a seguir a terem feito despedimentos ligaram às universidades para lhes pedirem estagiários curriculares”, descreve Daniel Ricardo, que é jornalista da revista Visão e para quem nesta polémica está ainda em causa a responsabilidade social de quem trabalha na profissão, com tudo o que isso implica ao nível do sigilo profissional, por exemplo. “Compreendo que na crise que vivemos a tendência seja para gastar o mínimo. Mas não pode ser à custa do sacrifício dos estagiários curriculares”, observa. “Se uma profissão não for remunerada, é um hobby.”
Habitualmente a remuneração dos estagiários sucede num momento posterior, no chamado estágio profissional, de duração mais prolongada do que o curricular. Aí, a Comissão da Carteira Profissional já emite um título provisório de estagiário que permite ao recém-chegado à profissão exercer actos jornalísticos, sob supervisão. Neste momento há pós-graduações em Jornalismo cujos alunos podem, mediante o pagamento de propinas, aceder a estágios remunerados em redacções de diferentes grupos de comunicação social — e assinar os seus trabalhos. No curso da Universidade Nova em que o próprio Daniel Ricardo também dá aulas anuncia-se o valor das propinas: 4350 euros — “montante recuperado em aproximadamente 55% sob a forma de estágio profissional remunerado”.
“A pós-graduação inclui a possibilidade de acesso ao título provisório de estagiário, para o exercício de actividade profissional de jornalista, com redução do período obrigatório de estágio”, anuncia por seu turno o Instituto Universitário de Lisboa — ISCTE. Daniel Ricardo não vê nenhuma desigualdade de tratamento entre quem paga para conseguir a acreditação e quem está impedido, por lei, de a obter: “Ao fazerem do jornalismo a sua actividade principal, permanente e remunerada, os estagiários destas pós-graduações têm direito ao título [que lhes permite assinar trabalho].” Já os estagiários curriculares a terminar as licenciaturas, pelo contrário, “estão diminuídos profissionalmente”, quer por lhes faltar experiência, quer por não se encontrarem a receber um salário.
O facto de a lei prever que os estágios profissionais durem um ano e de estas pós- graduações terem uma duração inferior também não constitui problema para Daniel Ricardo.
“A Comissão da Carteira Profissional resolveria o problema, se emitisse uma carteira para os estagiários curriculares com uma duração máxima de três meses”, sugere o professor de Jornalismo da Universidade Nova António Granado, para quem os estudantes deviam, caso o problema se mantenha, recorrer a juristas que possam averiguar da constitucionalidade de “proibir alguém de escrever um texto no jornal”.
“Se isto se mantiver, o que vai acontecer é que outros jornalistas vão passar assinar os textos escritos pelos estagiários — como, aliás, já sucede nalguns órgãos de comunicação social”, denuncia.

Aluno de Ciências da Comunicação também da Universidade Nova e dirigente estudantil, Pedro Rebelo Pereira vê igualmente com maus olhos a posição da Comissão da Carteira: “É uma tremenda injustiça não podermos assinar. Se só pudermos fazer exercícios, não vamos aprender grande coisa.”

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