Só quem tem
carteira profissional pode publicar notícias
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Lei que impede estagiários de
assinar artigos “visa impedir pessoas de trabalhar de graça”
Pós-graduações em Jornalismo dão acesso, mediante propinas, a estágios
remunerados e a licença para publicar textos
“A Comissão resolveria o
problema, se emitisse uma carteira para os estagiários curriculares com uma
duração máxima de três meses”, sugere António Granado
Imprensa Ana
Henriques / 5 jul 2014 / PÚBLICO
A lei que proíbe
os estagiários dos órgãos de comunicação social de assinarem artigos “visa
impedir as empresas de despedir profissionais e de os substituir por pessoas
que trabalham de graça”, diz um membro da Comissão da Carteira Profissional de
Jornalista, Daniel Ricardo.
O PÚBLICO foi
informado na quinta-feira por este organismo responsável pela acreditação dos
jornalistas que os trabalhos dos estagiários curriculares não podem ser
publicados no jornal. O presidente da comissão ameaçou o PÚBLICO com multas que
podem ascender a muitos milhares de euros por o jornal permitir que jovens a
terminar os cursos superiores desempenhem actos jornalísticos inerentes à
profissão — como contactar fontes de informação oficiais. Para este organismo
financiado pelo Estado, isso viola o Estatuto do Jornalista, segundo o qual os
profissionais credenciados pela comissão são os únicos com “capacidade
editorial” para fazer notícias.
“Sei de empresas
de comunicação social que logo a seguir a terem feito despedimentos ligaram às
universidades para lhes pedirem estagiários curriculares”, descreve Daniel
Ricardo, que é jornalista da revista Visão e para quem nesta polémica está
ainda em causa a responsabilidade social de quem trabalha na profissão, com
tudo o que isso implica ao nível do sigilo profissional, por exemplo. “Compreendo
que na crise que vivemos a tendência seja para gastar o mínimo. Mas não pode
ser à custa do sacrifício dos estagiários curriculares”, observa. “Se uma
profissão não for remunerada, é um hobby.”
Habitualmente a
remuneração dos estagiários sucede num momento posterior, no chamado estágio
profissional, de duração mais prolongada do que o curricular. Aí, a Comissão da
Carteira Profissional já emite um título provisório de estagiário que permite
ao recém-chegado à profissão exercer actos jornalísticos, sob supervisão. Neste
momento há pós-graduações em Jornalismo cujos alunos podem, mediante o
pagamento de propinas, aceder a estágios remunerados em redacções de diferentes
grupos de comunicação social — e assinar os seus trabalhos. No curso da
Universidade Nova em que o próprio Daniel Ricardo também dá aulas anuncia-se o
valor das propinas: 4350 euros — “montante recuperado em aproximadamente 55%
sob a forma de estágio profissional remunerado”.
“A pós-graduação
inclui a possibilidade de acesso ao título provisório de estagiário, para o
exercício de actividade profissional de jornalista, com redução do período
obrigatório de estágio”, anuncia por seu turno o Instituto Universitário de
Lisboa — ISCTE. Daniel Ricardo não vê nenhuma desigualdade de tratamento entre
quem paga para conseguir a acreditação e quem está impedido, por lei, de a
obter: “Ao fazerem do jornalismo a sua actividade principal, permanente e
remunerada, os estagiários destas pós-graduações têm direito ao título [que
lhes permite assinar trabalho].” Já os estagiários curriculares a terminar as licenciaturas,
pelo contrário, “estão diminuídos profissionalmente”, quer por lhes faltar
experiência, quer por não se encontrarem a receber um salário.
O facto de a lei
prever que os estágios profissionais durem um ano e de estas pós- graduações
terem uma duração inferior também não constitui problema para Daniel Ricardo.
“A Comissão da
Carteira Profissional resolveria o problema, se emitisse uma carteira para os
estagiários curriculares com uma duração máxima de três meses”, sugere o
professor de Jornalismo da Universidade Nova António Granado, para quem os
estudantes deviam, caso o problema se mantenha, recorrer a juristas que possam
averiguar da constitucionalidade de “proibir alguém de escrever um texto no
jornal”.
“Se isto se
mantiver, o que vai acontecer é que outros jornalistas vão passar assinar os
textos escritos pelos estagiários — como, aliás, já sucede nalguns órgãos de
comunicação social”, denuncia.
Aluno de Ciências
da Comunicação também da Universidade Nova e dirigente estudantil, Pedro Rebelo
Pereira vê igualmente com maus olhos a posição da Comissão da Carteira: “É uma
tremenda injustiça não podermos assinar. Se só pudermos fazer exercícios, não
vamos aprender grande coisa.”
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