OPINIÃO
Não basta. Nem chega
Aos democratas, não lhes compete prender, banir ou mandar
calar os populistas. Aos democratas compete-lhes fazer melhor e com mais
competência do que hoje. E de modo a que a população sinta e perceba.
António Barreto
29 de Abril de
2023, 6:05
https://www.publico.pt/2023/04/29/opiniao/opiniao/nao-basta-chega-2047868
As últimas
semanas, entre o famigerado “caso TAP” e as cenas pouco recomendáveis da
Assembleia da República, passando por revelações assustadoras dos processos
Sócrates e Salgado, foram ricas em acontecimentos que sublinham a provocação de
uns e a tibieza de outros.
Entre as
fraquezas da democracia está a mais citada: é o regime de todos, incluindo os
não democratas e os antidemocratas. Além desta, outras fragilidades mostram bem
como, mais do que imperfeita, a democracia tem vícios, alimenta vícios e
premeia vícios. O regime democrático inclui corruptos, mentirosos,
exploradores, ladrões e os representantes das várias cáfilas conhecidas. A
democracia coexiste ainda com cunhas, droga, machismo, assédio sexual e tráfico
de influências. Muitos destes vícios e defeitos têm de ser tratados com
civilização. Outros, com a justiça e o Estado de direito. Quando estes últimos
falham, perde a democracia.
Os últimos episódios
“mediáticos” revelaram o papel crescente do partido Chega e os receios,
igualmente crescentes, dos que se dizem defensores da democracia. E que talvez
sejam, em título, pelo menos. Mas convém olhar melhor para este confronto que
parece simples, mas não é. Na verdade, os provocadores do Chega, ridículos, mas
eficazes, são tão perigosos quanto os prevaricadores do PS e do PSD. Os
oportunistas do Chega são tão ameaçadores quanto os que não são capazes de
gerir a democracia. Sem falar naqueles que se querem aproveitar da democracia.
O Chega parece
ter uma agenda clara. Começa por dar eco aos descontentamentos. Onde estes
faltam, inventa. Onde sobram, aproveita. Depois, usa a democracia, aproveita as
suas facilidades, incluindo representação e tribuna. A seguir, desacredita a
democracia, põe em crise as suas falhas e cria novas. Sabe-se que entre as
causas da morte das democracias encontram-se a incompetência e os abusos dos
democratas. O populismo não se alimenta de druidas e sonhos, bebe nos erros e
nas insuficiências da democracia. O Chega vai esforçar-se, dia após dia, por
perturbar as instituições em que está presente, tanto “por dentro”, como “por
fora”, na rua. A salvação e a glória do Chega residem na morte da democracia.
Para a
democracia, há tanto perigo nas provocações do Chega, quanto nas insuficiências
dos democratas. A estes, não compete tratar da educação dos populistas,
convertê-los ou proibi-los. Compete-lhes, isso sim, retirar argumentos, não
abusar e fazer com que, para a população, a liberdade seja superior às
promessas dos justiceiros. Aos democratas, não lhes compete prender, banir ou
mandar calar os populistas. Aos democratas compete-lhes fazer melhor e com mais
competência do que fazem hoje. E de modo a que a população sinta e perceba.
São conhecidas as
piores nódoas do Governo e do regime na actualidade. A crise da justiça vem à
cabeça. Gera desconfiança e descrédito. Estimula a corrupção. Incita ao abuso e
à fraude. Destrói quaisquer fundamentos morais da vida pública. Se existe
desilusão e frustração dos cidadãos relativamente à democracia, é seguramente
na falta de justiça e no seu enviesamento. O rol de vícios da justiça, que
inclui a impunidade, os favores, o nepotismo e a ineficiência, é enorme e está
colado aos casos de corrupção, de branqueamento, de roubo e de abuso de que
beneficiam os poderosos da economia, da política e da sociedade. Sem justiça,
não há liberdade nem democracia. Com uma certeza que a história nos ensina: os
populistas, as ditaduras de direita ou de esquerda e os “justicialistas” nunca
brilharam pela liberdade e pela democracia, nem sequer pela justiça. Mas
alimentam-se dos defeitos da justiça das democracias.
A incapacidade de
conduzir ou a impossibilidade de acabar um processo judicial contra um grande
corrupto ou um grande corruptor é mais grave para a democracia do que as acções
propriamente ditas do grande corrupto ou do grande corruptor. Os magistrados,
os oficiais, os advogados, os altos funcionários de Estado e os legisladores
são mais responsáveis, pelo declínio da justiça democrática, do que o
banqueiro, o político e o empresário.
A seguir, o
Serviço Nacional de Saúde, que corrói a confiança e retira as últimas defesas
dos mais frágeis e vulneráveis. Depois, as escolas sem professores, as
avaliações sem exames e as aulas em greve que destroem a esperança.
A incompetência
tão visível na TAP, no Aeroporto de Lisboa, nos transportes públicos e no
caminho-de-ferro estão a criar um clima de incredulidade difícil de imaginar
ainda há poucos anos. É difícil encontrar as causas deste estado de
incapacidade, de falta de previsão e de erro. Em todos estes casos, a
incompetência e a descoordenação foram evidentes. E dão a sensação de que as
autoridades se julgam impunes e proprietárias do bem comum.
A incompetência tão visível na TAP, no Aeroporto de
Lisboa, nos transportes públicos e no caminho-de-ferro estão a criar um clima
de incredulidade difícil de imaginar ainda há poucos anos
As grandes obras
de Lisboa, do porto à drenagem, da habitação à circulação, dos comboios ao
tráfego automóvel, sem informação suficiente, sem cuidado para com os
habitantes, sem faseamento mais confortável e sem consideração pelas
comunidades locais e pelas pessoas, são mais sinais de que a gestão do espaço
público não está a ser feita à altura das ansiedades da população.
É verdade que
vivemos horas, dias, semanas e meses difíceis. Talvez até anos. Nem o sistema
democrático, nem os políticos actualmente em funções, têm revelado serenidade e
saber para encarar esses tempos, para resolver os problemas que daí resultam,
para satisfazer aspirações e diminuir ansiedades. Realidades que todos vêem.
Rapidamente surgem ideias ou reflexos sobre o futuro imediato e os remédios
para as crises. Eleições e coligações estão entre as primeiras reacções.
Demissões e dissoluções, também. E também há quem sonhe com novas soluções e
novos regimes. É muito fácil encontrar, à esquerda e à direita, quem afirme
convictamente que “a democracia está esgotada”. São estes os suspiros melancólicos
que se ouvem. As soluções a encontrar para estes tempos difíceis são conhecidas
e estão ao alcance das mãos. Encontram-se com os partidos que temos, com os
meios que são os nossos e com algumas circunstâncias inescapáveis. Os
sonhadores que tomem nota. Não há solução fora da Europa, nem fora de Portugal.
Como não há soluções fora da democracia. Ou antes: há, mas são piores.
Não basta ser
democrata para defender a democracia. Nem chega ser provocador para a derrotar.
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