OPINIÃO
O parecer de Schrödinger e o saco de gatos da TAP
Podíamos até chamar-lhe o “coiso jurídico”, o
“bezidróglio jurídico” ou, sei lá, a “geringonça jurídica” – nada daquilo tem
valor jurídico algum. Não há blindagem. Não há sequer um capacete.
João Miguel
Tavares
29 de Abril de
2023, 0:06
https://www.publico.pt/2023/04/29/opiniao/opiniao/parecer-schrodinger-saco-gatos-tap-2047801
Existia. Não
existia. Afinal existe. Afinal não existe. A comissão de inquérito à TAP entrou
do domínio da mecânica quântica, com um parecer que já atravessou os vários
estados da matéria, e que, como o gato de Schrödinger, existe na condição de
vivo-morto – é e não é em simultâneo, desde que, como no paradoxo, não sejamos
tentados a olhar. São estas as estranhas propriedades do famoso parecer que
alegadamente ofereceu ao Governo uma “decisão juridicamente blindada” (palavras
de Fernando Medina), capaz de poupar os contribuintes portugueses a terem de
largar, como de costume, milhões em indemnizações, no caso do despedimento por
justa causa da CEO e do chairman da TAP.
Medina começou
por dar a ideia de que o parecer existia, na conferência de imprensa do
despedimento e numa intervenção posterior em Bruxelas. Mariana Vieira da Silva
e Ana Catarina Mendes garantiram que o parecer existia mesmo, e que existia com
tanta intensidade que nem sequer podia ser partilhado, para defesa dos
interesses do Estado. Mais tarde, Fernando Medina veio clarificar que o parecer
não existia e que estava tudo no relatório da IGF. A seguir, Mariana Vieira da
Silva declarou em entrevista que se tratava de “uma questão puramente
semântica”, e que utilizou a palavra “‘parecer jurídico’ como podia ter
utilizado ‘apoio jurídico’, como ‘contributo jurídico’” – donde, não vale a
pena andar a chamar mentirosas às pessoas por causa disso.
E, por fim,
quando o parecer ou o apoio ou o contributo jurídico chegou à comissão de
inquérito à TAP, depressa se percebeu que Mariana Vieira da Silva tinha
realmente razão: o nome de baptismo é absolutamente indiferente. Podíamos até
chamar-lhe o “coiso jurídico”, o “bezidróglio jurídico” ou, sei lá, a
“geringonça jurídica” – nada daquilo tem valor jurídico algum. Não há
blindagem. Não há sequer um capacete. É um conjunto de documentos com data
posterior ao despedimento, que jamais poderão ter servido para o sustentar.
Mas, então,
impõe-se uma pergunta, pressupondo que Fernando Medina e João Galamba não são
totalmente desprovidos de inteligência: porque é que eles acharam excelente
ideia despedir duas pessoas em directo por justa causa, sem qualquer garantia
de que o pudessem fazer, e tendo até gente a aconselhá-los (como a chefe de
gabinete de Galamba) que não o fizessem? A ter de apostar, a minha resposta é
esta: porque era preciso remover da TAP tudo o que ainda cheirasse a Pedro Nuno
Santos.
O Governo está dividido em facções, e para decapitar os
inimigos internos e a sua influência na empresa mais importante do regime vale
a pena correr todos os riscos
Foi uma limpeza.
O Governo está dividido em facções, e para decapitar os inimigos internos e a
sua influência na empresa mais importante do regime vale a pena correr todos os
riscos. Desde que chegou ao Governo, Medina limpou a TAP, mentiu com os dentes
todos sobre a “decisão juridicamente blindada”, queixou-se à ERC de um jornal
que escreveu a verdade sobre a justa causa, e enterrou duas ministras com a
história do “parecer”. Imaginem só o ambiente no Conselho de Ministros. Em
2026, o PS vai estar igualzinho ao PSD em 1996. E merece.
P.S. – Um leitor
que percebe mais de ordens honoríficas do que eu alertou-me para as 21
condecorações de Maria Cavaco Silva, 19 das quais grã-cruzes iguais às de Janja
Lula da Silva. Parece que é uma “prática diplomática” antiga. Donde, no meu
artigo de terça-feira, não deveria ter chamado “marcelice” àquilo que é apenas
um hábito misógino universalmente aceite, e que consiste em condecorar esposas
de reis ou presidentes pelo enorme mérito de se terem casado com eles.
O autor é
colunista do PÚBLICO
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