sábado, 29 de abril de 2023

Na TAP, a mentira seria pior do que a violação do segredo

 


EDITORIAL

Na TAP, a mentira seria pior do que a violação do segredo

 

Com a crise da TAP perto do meio ano de vida, estas novas revelações já não aprofundam apenas a noção de descontrolo do Governo; afectam também a relação dos cidadãos com a política e a democracia.

 

Manuel Carvalho

29 de Abril de 2023, 6:49

https://www.publico.pt/2023/04/29/opiniao/editorial/tap-mentira-pior-violacao-segredo-2047855

 

O primeiro-ministro exigiu à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) o apuramento de toda a verdade sobre a tutela política da gestão da TAP, “doa a quem doer”. A ferida sangra o Governo, mas nem isso justifica o estranho desconforto do PS com a revelação de documentos indispensáveis para essa verdade. Ninguém consegue compreender o carácter secreto de emails que provam a combinação das perguntas e respostas a dar a uma comissão parlamentar entre a CEO da TAP, o grupo parlamentar do PS e o Ministério das Infra-Estruturas. Ninguém entende como poderiam ficar à margem do conhecimento público provas documentais que atestam a inexistência de um parecer jurídico para fundamentar o despedimento por justa causa da CEO.

 

O carimbo do secretismo colocado nesses documentos tinha apenas uma finalidade: a de condicionar os deputados. Se eles souberem do seu teor e, à luz das regras parlamentares, ficassem condicionados pelo dever de sigilo, não estavam a prestar um bom serviço à transparência democrática nem ao escrutínio que lhes cabe fazer do Governo. Não estando em causa questões do foro privado, matérias sensíveis para a segurança do Estado ou dados capazes de comprometer, por exemplo, investigações judiciais, a pretensão do secretismo é neste caso absurda e inaceitável.

 

É por isso que o presidente da CPI, o socialista Jorge Seguro Sanches, falha o alvo ao denunciar um pretenso “ataque ao coração da democracia”. Se o seu empenho fosse apenas a verdade e o direito dos cidadãos a serem informados, deveria antes ter protestado junto do Governo pela atribuição do carácter sigiloso aos documentos.

 

O que estava em causa era saber se o Governo decidiu a demissão por justa causa de Christine Ourmières-Wiedener com sólidos fundamentos jurídicos ou se em causa esteve apenas uma “batalha política”; o que importava esclarecer era se o ministro João Galamba participou ou não na promoção do encontro no qual o Governo encenou um simulacro da sua própria verdade. Sem os documentos, subsistia margem para dúvida legítima; com os documentos pode-se confirmar com mais substância o pântano onde o Governo se atola.

 

Com a crise da TAP perto do meio ano de vida, estas novas revelações já aprofundam apenas a noção de descontrolo do Governo; afectam também a relação dos cidadãos com a política e a democracia. Já não contam apenas os danos ao executivo, começam a sobrelevar os custos para o país. O caso da TAP corrói o ânimo, desfoca o país da batalha pelo futuro, degrada as instituições e deslegitima o Governo Não está em causa uma dissolução, mas o Governo só poderá ser o que o país dele espera se se reinventar.

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