OPINIÃO
Demolição na Fontes Pereira de Melo. Uma pergunta directa
a Ricardo Veludo
Caro sr. engenheiro, que tenciona fazer ou continuar a
(não) fazer com o que resta do património arquitectónico do séc. XIX!?
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
19 de Outubro de
2020, 20:03
A 28 de Fevereiro
de 2008 formulava eu aqui, desde já através de um título, uma pergunta
fundamental: que fazer com o que resta do património arquitectónico do séc. XIX
em Lisboa? (1)
Entre o ‘fazer’
ou ‘continuar a deixar fazer’ esta pergunta era dirigida aos responsáveis da
CML e da “Cultura”. Entre estas duas dimensões em que os vereadores do
Urbanismo operam e decidem, existe uma vasta realidade estratégica, camuflada e
tácita, de interesses instalados, nomeações políticas e pressões contínuas de
promotores e Arquitectos ‘Criativos’ a que esses mesmos vereadores estão
sujeitos.
Agora que o
“reinado” de Manuel Salgado terminou, as atenções viram-se em expectativa para
o eng. Ricardo Veludo e para a questão do ‘continuar, ou não, a deixar fazer’.
No caso dos três
notáveis edifícios que formavam um conjunto patrimonial com o Palácio Sotto
Mayor e uma verdadeira ‘ilha de resistência’ à demolição do pouquíssimo que
resta na avalanche de arranha-céus que passou a caracterizar esta avenida,
repetiu-se o padrão, em fases já ‘clássicas’ de procedimento: começa-se pela
remoção das coberturas e deixam-se janelas abertas. Passa-se à demolição de
interiores, considerados em perigo de derrocada.
Deixam-se as
fachadas sustentadas a apodrecer num “engonhanço” propositado, enquanto os
protestos do público e as deliberações se desenvolvem, até se chegar à
inevitabilidade da demolição devido a questões de (in)segurança estrutural.
No caso destes
três edifícios, o processo adquiriu dimensões mais perversas, trocando-se o
Valor Patrimonial Arquitectónico e Urbanístico por um “Valor Cultural” através
da assim chamada Arte Urbana. Assim, maquiavelicamente e subtilmente,
relativizou-se o critério original de valor arquitectónico, camuflando-o
através da sua redução a mero suporte de pinturas temporárias. Os edifícios
passaram assim a ter portanto o estatuto de ‘a prazo’ e de ‘prontos a demolir’.
Uma espécie de letreiro implícito a anunciar: “aquilo”... “já não vale nada”.
Olhando para um
outro notável conjunto de edifícios da mesma época, os 86 a 96 da Av. Duque de
Loulé, e acompanhando o processo num artigo publicado por José António Cerejo a
14 de Julho de 2015 (2) verificamos que o
processo de licenciamento durou treze anos, nos quais depois de grandes
polémicas públicas, em 2009 houve um momento de esperança em que ‘foi aprovado
um outro projecto que obrigava à preservação dos interiores, incluindo a
“organização espacial do desenho original” e a “maior parte dos elementos
decorativos existentes”. Mas o desfecho foi clássico, com a demolição total dos
valiosos interiores em 2015. Neste caso, as notáveis e restauradas fachadas
ainda lá estão a lembrar-nos dolorosamente daquilo que perdemos nos interiores.
Este processo
tem-se repetido continuamente e vezes sem conta, numa destruição sistemática do
património arquitectónico do séc. XIX e
dos inícios do séc. XX. Caro sr. engenheiro Ricardo Veludo, que tenciona fazer
ou continuar a (não) fazer com o que resta do património arquitectónico do séc.
XIX!?
Historiador de
Arquitectura
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