OPINIÃO
Manifesto-me sobre as bicicletas, trotinetas e afins
Qualquer espaço em que o peão supostamente teria os seus
direitos garantidos é hoje sistematicamente devassado por novos hunos feitos
déspotas do espaço urbano.
PAULA TEIXEIRA DA
CRUZ
25 de Novembro de
2020, 0:20
https://www.publico.pt/2020/11/25/opiniao/opiniao/manifestome-bicicletas-trotinetas-afins-1940438
Já me não calo
quando as bicicletas, trotinetas e afins atravessam impunemente as passadeiras
de peões, saltam passeios, provocando receio e necessidade do próprio peão se
pôr a salvo, isto quando consegue. Nada importa, os seus condutores sentem-se
acima da lei, em plena zona de impunidade.
Qualquer espaço
em que o peão supostamente teria os seus direitos garantidos – os passeios, as
passadeiras... – é hoje sistematicamente devassado por novos hunos feitos
déspotas do espaço urbano.
E se algum de
nós, pobres mortais, nos atrevermos a chamar a atenção, a resposta mais
simpática que podemos receber é se “somos polícias”, ou uma violenta “rosnadela”,
quando não uma adjetivação vernácula que só pode indignar, isto quando a
“condução” não se torna mais agressiva, em jeito de desafio ou mesmo confronto
direto entre a máquina e o peão que ousou censurar o seu condutor.
Como é notório
para quem circule a pé pela cidade, bicicletas e trotinetas caídas e espalhadas
pelos passeios sem qualquer cuidado impedem os peões de se movimentarem
adequadamente, como é seu direito. Basta olhar em redor.
Lá as
dificuldades de mobilidade de doentes, idosos, invisuais, de carrinhos de
crianças ou de qualquer um de nós, só para citar alguns exemplos, isso não
interessa para nada. Os velocípedes contribuem para a melhoria climática e quem
não souber isso é visto como um imbecil arrogante e um negacionista da ecologia
radical.
Mesmo existindo
ciclovias, pode crer, caro leitor, que o passeio ou a passadeira têm um encanto
deveras especial para muitos condutores, perdão, para estes novos cavaleiros da
economia verde.
Já tive a má
oportunidade de presenciar encontrões que levam as pessoas a um suave e terno
beijo no asfalto – pois claro – ante a passividade de tantos em socorrer quem
foi alvo de agressões e que em regra são os mais frágeis. Aí, o valoroso
cidadão, que tão especial e valente se sente, montado no seu cavalo branco ou
em pé no mesmo, na posse da sua arma de agressão, sabe o que faz? Pois... foge.
Para os cidadãos
agredidos ou não que assistem sem uma palavra aos atropelos que tenho descrito,
vai o meu lamento, embora perceba o receio. Mas se nos calarmos todos... enfim,
é a mobilidade “suave/agressiva” instalada.
Agora o que
também não percebo é a atitude passiva e tantas vezes conivente das forças de
segurança. Já me sucedeu solicitar a intervenção de autoridades, perante uma infração
que decorria literalmente debaixo dos seus olhos e, apesar de o ciclista ter
parado, mandaram-no seguir e interpelaram-me… a mim, uma vez que lhes competia
a eles assegurar a ordem e não à minha humilde pessoa! Não vale a pena
aborrecer ninguém sobre o diálogo que se seguiu, sobre ações, omissões e
direitos dos cidadãos quando presenciam um delito, até à chegada das
autoridades, que no caso estavam exatamente ali, mas que devem ter optado por
um acto de mercê do alto da sua autoridade, porventura preocupadas em não
perturbarem a marcha dos novos cavaleiros cobertos pelo que foi decretado como
politicamente correto.
Que fique bem
claro: com os que vão descritos não se comparam os que usam bicicletas,
trotinetas e afins – sim, que agora também vieram os patins – de forma serena e
cívica. Esses sim, fazem parte da mobilidade suave, merecem a nossa simpatia e
até admiração por contribuírem para uma menor pegada carbónica e um mundo mais
sustentável. O problema, em suma, é mesmo a nossa cultura cívica ou a falta
dela
Tudo isto para
não falar dos automobilistas – em especial ambulâncias e táxis –, que se
deparam tantas vezes com os novos reis do espaço urbano que lhes levam os
retrovisores ou lhes amachucam os carros.
E seguros de
acidentes? Que coisa é essa? Código da Estrada? Ora essa... Identificação dos
velocípedes? Não vale a pena.
A extrema
“ciclovização” da cidade não prejudica só os peões, mas o conjunto do trânsito,
de que nos permitimos destacar ambulâncias e transportes públicos.
Que fique bem claro:
com os que vão descritos não se comparam os que usam bicicletas, trotinetas e
afins – sim, que agora também vieram os patins – de forma serena e cívica.
Esses sim, fazem parte da mobilidade suave, merecem a nossa simpatia e até
admiração por contribuírem para uma menor pegada carbónica e um mundo mais
sustentável.
O problema, em
suma, é mesmo a nossa cultura cívica ou a falta dela.
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