JUSTIÇA
Novas provas mostram como Rendeiro e mais três
ex-administradores desviaram 11,6 milhões de euros do BPP
Chegaram novas provas ao processo onde João Rendeiro está
a ser julgado com mais cinco arguidos por fraude fiscal qualificada, abuso de
confiança e branqueamento de capitais. Advogados de defesa contestam a
legalidade das mesmas.
Sónia Trigueirão
30 de Novembro de 2020, 6:35
João Rendeiro e
mais cinco arguidos estão a ser julgados por fraude fiscal qualificada, abuso
de confiança e branqueamento de capitais.
O Banco Privado
Português (BPP), actualmente em liquidação, alega que tem novas provas sobre
como é que 11,6 milhões de euros do banco foram parar à esfera pessoal de João
Rendeiro, Salvador Fezas Vital, António Guichard Alves e Fernando Lima, antigos
administradores que estão a ser julgados, juntamente com mais outros dois
arguidos, por fraude fiscal qualificada, abuso de confiança e branqueamento de
capitais.
As novas provas,
num total de 75 documentos, já chegaram ao processo e aguardam a decisão do
colectivo de juízes que está a julgar o caso.
O Ministério
Público (MP) diz que devem ser aceites porque não conferem uma alteração
substancial dos factos, ou seja, não resultam em mais crimes para os arguidos
nem num aumento das sanções a aplicar. Segundo o MP, apenas alteram a
factualidade dos factos que lhes são imputados, isto é, dizem respeito à forma
como os mesmos ocorreram. O MP quer ouvir mais testemunhas.
Para o MP há um
facto, que está vertido na acusação: os quatro administradores obtiveram um
ganho de cerca de 11,6 milhões de euros, que era do BPP, tendo-se apropriado
desse valor indevidamente. A forma como o fizeram é que, mostrarão as novas
provas, caso sejam aceites, terá sido diferente da que está descrita na
acusação.
Os advogados dos
arguidos, que elaboraram uma resposta conjunta ao requerimento do BPP que é
assistente no processo, alegam ilegalidades na obtenção das provas e sustentam
que o banco não tem legitimidade para fazer investigações privadas, com o
julgamento já quase a chegar ao fim.
O que descobriu o
BPP?
O BPP decidiu
fazer uma análise ao sistema informático do banco e alega no seu requerimento
que encontrou provas de que alguém mexeu no sistema e inseriu, em 2008, dados
referentes a movimentos de 2002 e 2005.
Os elementos
inseridos em 2008 reportam-se à participação da sociedade Telesis no negócio da
compra de acções da Strand Ventures, em 19 de Agosto de 2002, e à respectiva
revenda a outra empresa, a Timdington, em 30 de Dezembro de 2005.
Ou seja, quem inseriu
os dados queria efectivamente que parecesse que o negócio teve a intervenção
directa destas empresas.
Foi a partir
desses dados, que o BPP vem agora dizer que são falsos, que o MP construiu uma
parte da acusação.
Na acusação, o MP
alega que a 20 de Dezembro de 2005 a Telesis veio a alienar as acções da Strand
Ventures, por 14,1 milhões de euros, ao preço unitário de 426,05 euros, obtendo
uma mais valia de 11,6 milhões de euros, sendo que o adquirente das acções foi
a Timdington, sem que esta tivesse saldo para o efeito, na sua conta.
O que defende o
MP é que o ganho da Telesis pelo valor de 11,6 milhões, foi conseguido
exclusivamente com dinheiros do BPP Cayman.
Segundo a
acusação, os arguidos parquearam dinheiros na Telesis, como se de um
financiamento a um cliente se tratasse, para depois investirem em acções, como
se o investimento fosse da Telesis, e venderam acções já valorizadas de volta
ao BPP por via da Timdington, como se de uma operação entre clientes Telesis e
Timdington se tratasse.
Portanto, para o
MP, a Telesis foi usada como meio para que, em 2007, os arguidos se
apropriassem indevidamente de 11,6 milhões de euros que eram do BPP.
Com base neste
negócio, e para efeitos do crime de fraude fiscal qualificada, o MP imputa aos
arguidos a obtenção de vantagem não declarada e que devia ter sido tributada à
taxa de 42% (categoria A do IRS).
Diz ainda o MP
que os arguidos, mediante acordo, decisão e execução, auferiram rendimentos que
obtiveram com dinheiro do BPP, e que receberam via Telesis, pretendendo
ocultá-los da administração fiscal.
Mais: os arguidos
procederam à distribuição entre si dos 11,6 milhões de euros, sem que tivesse
havido autorização por parte da comissão de vencimentos ou dos accionistas do
BPP. E é assim que o MP sustenta o crime de abuso de confiança.
Mas as novas
provas dão uma nova versão à forma como o dinheiro saiu do BPP. Os 11,6 milhões
de euros saíram da Timdington, ou seja do banco, directamente para a esfera dos
arguidos em Outubro de 2007.
Em 23 de Agosto
de 2002 foi concedido um crédito por parte do BPP Cayman à Timdington, cerca de
14,9 milhões. Com esse valor, a Timdington adquiriu a 19 de Agosto de 2002,
194.501 acções da Strand Ventures. Em 3 de Setembro de 2007 é efectuada a venda
final pela Timdington das acções detidas na Ashurst (ex-Strand Ventures), por
81 milhões de euros, passando a estar disponível na sua conta junto do BPP
Cayman cerca de 77,4 milhões.
Entre 11 de
Outubro e 21 de Outubro de 2007, são efectuadas oito transferências a partir
dessa mesma conta da Timdington com destino a contas externas, em beneficio dos
arguidos, cerca de 11,6 milhões.
Perante a nova
descrição do que se passou, o MP vem assumir que, a confirmarem-se, as novas
provas são susceptíveis de colocarem em causa a descrição dos factos constante
da acusação relativamente à forma como os 11,6 milhões chegaram à posse dos
arguidos ou seja, à sua origem.
Porém entende que
não configuram uma alteração substancial dos factos e que se mantém a imputação
de um crime fiscal, uma vez que no entender da acusação os valores obtidos com
aquele negócio não foram declarados à autoridade tributária pelos arguidos.
Quanto ao crime
de abuso de confiança, sai reforçado com as novas provas, entende o MP.
Os crimes em
causa não são alterados porque, mesmo que se provassem as alterações no sistema
informático, estes factos ocorreram em 2008, portanto já estão prescritos.
Resumindo, para o
MP, as novas provas devem ser valoradas no processo.
Segundo o MP,
entre 2003 e 2008, o valor dos rendimentos não declarados pelos arguidos, em
sede de IRS, corresponde a quase 16,5 milhões de euros. Os arguidos são também
acusados de se terem apropriado, de forma ilegítima, de fundos da titularidade
do BPP, mais de 29 milhões de euros.
O MP pede ainda
uma indemnização para o Estado de quase 10 milhões de euros.
Os advogados de
João Rendeiro, Salvador Fezas Vital, António Guichard Alves e Fernando Lima
alegam que, “encontrando-se o processo criminal já na fase de julgamento (...)
em caso algum se admitem investigações paralelas privadas, feitas na sombra,
com desconhecimento e à revelia dos demais sujeitos processuais”, sobretudo do
tribunal.
De acordo com a
resposta ao requerimento do BPP, a que o PÚBLICO, teve acesso, os advogados
consideram que é ao MP, e não a uma entidade privada como é o assistente, que
compete promover a investigação criminal.
Argumentam ainda
que os documentos que o BPP agora apresenta encontram-se na sua posse e
disponibilidade desde sempre, nomeadamente, durante os mais de 10 anos que o
presente processo conta – recorde-se que este processo entronca noutro, aberto
logo em 2008.
“Tendo os
documentos à sua disposição durante os 8 anos (oito!) em que o inquérito
correu, podia o assistente tê-los disponibilizado ao Ministério Público ou
solicitado ao Ministério Público que os recolhesse e examinasse, por si ou
através de peritos”, alegam, sublinhando que esta investigação promovida pelo
BPP não foi independente. De resto, os advogados levantam a dúvida se outros
documentos não podem ter ficado de fora desta investigação.
Além disso, consideram que o banco ao promover uma investigação privada violou o dever do sigilo bancário. Cabe a agora ao colectivo de juízes decidir se vai ou não aceitar as novas pro
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