José Pacheco Pereira
OPINIÃO
A dúplice fúria com o PCP, que faz tudo para a merecer
O erro político é grave para um partido que tem uma
relação especial com um determinado tipo de eleitorado, em que o PCP exerce uma
função tribunícia.
28 de Novembro de
2020, 0:00
https://www.publico.pt/2020/11/28/opiniao/opiniao/duplice-furia-pcp-faz-merecer-1940966
A única
verdadeira fúria na vida política portuguesa destes dias é com o congresso do
PCP. De novo se repete a diferença de critérios que já existiu no 1.º de Maio e
na Festa do Avante!, que mostra uma raiva dúplice com o argumento das condições
sanitárias violadas, ou com o “privilégio” dos políticos, que não tem havido
nem com a Igreja (nem tinha de haver, porque a Igreja é em geral prudente, com
excepção de alguns padres), nem com manifestações partidárias ou
protopartidárias, desde manifestações anti-racistas até manifestações pela
“verdade”, ou seja, contra a ciência, pela defesa dos trabalhadores da cultura
e outras, em que poderia, em alguns casos, haver mais razões para preocupação,
ou para reuniões do tipo das do PCP, como a convenção do Chega em Évora. Na
verdade, o problema é outro.
Comecemos pelo
PCP. O PCP devia desde o primeiro minuto ser prudente e adiar o congresso. À
cabeça, não havia nenhuma razão para não o fazer, porque ninguém estava a
querer coarctar a liberdade do PCP como partido político. Se fosse esse o caso,
manter o congresso contra ventos e marés teria um significado político próprio
e faria todo o sentido como luta pela defesa da democracia, fosse para quem
fosse, do Chega ao Bloco de Esquerda. Se o PCP o podia ter feito há meses,
agora já não o pode fazer, porque se meteu num beco sem saída que o levou a um
erro político e a uma ofensiva que, agora sim, é contra o PCP e a sua liberdade
política.
Para o PCP, ter-se deixado encurralar nesta imagem é meio
caminho andado para ajudar a engrossar a tribo do Chega, associando o partido
aos privilégios dos “políticos”, como sendo mais um igual aos outros, com a
arrogância de quem tem um acesso ao poder das excepções dos de “cima”. O PCP e
todos os “políticos” face a quem quer “trabalhar” nos restaurantes e não pode
O erro político é
grave para um partido que tem uma relação especial com um determinado tipo de
eleitorado, em que o PCP exerce uma função tribunícia. Agora o PCP tornou-se um
“filho” num reino de “enteados”, ou seja, passa para a opinião pública a ideia
de que quer usufruir de regalias e privilégios que os “outros” não podem ter no
estado de excepção. Ora, uma parte da identidade do seu eleitorado é de
protesto, de pessoas que, com bastante justeza, se sentem excluídas de um mundo
de favores e privilégios, assente no poder dos “mesmos de sempre”, assente no
dinheiro, assente numa hierarquia em que uma minoria é “filha” e uma esmagadora
maioria são “enteados”. Para o PCP, ter-se deixado encurralar nesta imagem é
meio caminho andado para ajudar a engrossar a tribo do Chega, associando o
partido aos privilégios dos “políticos”, como sendo mais um igual aos outros,
com a arrogância de quem tem um acesso ao poder das excepções dos de “cima”. O
PCP e todos os “políticos” face a quem quer “trabalhar” nos restaurantes e não
pode. O PCP ajuda assim uma campanha antidemocrática de demonização dos
“políticos” cujas consequências vão depois cair em cima de todos.
Quando digo que o
PCP podia em tempo adiar o congresso, parto do princípio de que ele neste
momento não é urgente para o partido. Na verdade, desconhece-se que o congresso
seja indispensável para resolver qualquer crise interna grave, que pode existir
mas que nunca chega a público num congresso em que se vota de braço ao alto e
em que o partido controla muito estritamente tudo o que vai a votos, nem há
verdadeira competição de listas e lugares. É verdade que as afirmações de que o
PCP o podia substituir, como fez a Iniciativa Liberal, por uma reunião online
só mostram ignorância sobre a base social do PCP, que é feita de gente mais
pobre e com menos meios e literacia do que a gente mais fina dos actuais
“liberais”. Acresce que há um elemento comunitário muito forte nos militantes
do PCP que vão a um congresso e que também não é substituído por Zooms. Isso
são argumentos para uma reunião presencial, mas não o são para a fazer agora em
plena crise pandémica.
O PCP tem razão
em afirmar que existe uma campanha cada vez mais agressiva contra os
comunistas. O que os partidos e personalidades da direita estão a fazer é
cavalgar um sentimento que existe lá fora, populista sem dúvida, mas que lhes
serve, à míngua de factores fortes de identidade, para atacar o PCP numa altura
em que este está a negociar com o PS. Embora haja ataque ao PCP, o alvo é o PS
e o Governo.
Sem comentários:
Enviar um comentário