segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Há uma campanha para transformar um eucaliptal numa mata autóctone

 



FLORESTAS

Há uma campanha para transformar um eucaliptal numa mata autóctone

 

Associação de conservação da natureza Montis tem projecto de cinco anos para converter terrenos na Pampilhosa da Serra.

 

Camilo Soldado 23 de Novembro de 2020, 7:03

https://www.publico.pt/2020/11/23/local/noticia/ha-campanha-transformar-eucaliptal-mata-autoctone-1940129

 

Em 2019, a Montis comprou seis parcelas de terrenos na Pampilhosa da Serra, concelho do interior do distrito de Coimbra. Fê-lo através de uma campanha de angariação de fundos (crowdfunding), tal como tinha já acontecido noutras das 25 propriedades que também gere nos concelhos de Vouzela, São Pedro do Sul e Arouca. Depois de um ano a ponderar o passo seguinte, esta associação de conservação da natureza que nasceu em 2014 decidiu lançar outra recolha de fundos, desta vez para fazer a gestão de duas das parcelas da Pampilhosa.

 

Acontece que tanto o terreno de Covões (2,6 hectares) como o de Barroco Frio (2,3 hectares) são ocupados por generosas áreas de eucaliptal - 70% e 40%, respectivamente. E isto, do ponto de vista da Montis, que tem como um dos objectivos a promoção e conservação de espécies autóctones, não é muito interessante. Daí que a associação que tem sede em Vouzela se tenha lançado em mais uma campanha para acabar com os dois eucaliptais e favorecer a regeneração natural, conta o presidente, Pedro Oliveira, ao PÚBLICO.

 

“Do eucaliptal até à mata” é o nome da iniciativa, mas este não será um processo convencional. O caminho escolhido pela Montis é demorado, vai levar cinco anos e exige acompanhamento. O objectivo? Vencer os eucaliptos pelo cansaço. Pedro Oliveira, que é professor e biólogo, explica: “Este eucaliptal foi explorado e estava ao abandono, pelo que a madeira não é rentável. Vamos fazer um corte raso dos eucaliptos, com a comunidade a ajudar, sem retirar cepos. Depois desse primeiro corte, vamos cortando a toiça [as varas que vão brotando] até esgotar a raiz e, assim, o eucalipto acaba por deixar de rebentar”.

 

Envolver a comunidade

Se este projecto exige paciência, pede, ao mesmo tempo, o envolvimento da comunidade para lá do momento da doação, com acções de manutenção. “Além de potenciar a biodiversidade na região, o objectivo é também envolver voluntários, para que tomem consciência da importância que tem a intervenção das pessoas nos projectos de conservação da natureza”, diz.

 

Em parte, a duração de cinco anos explica a meta de 18.730 euros que a associação terá que angariar até 4 de Dezembro. E parte desse caminho está já feito: a campanha já atingiu 70% financiamento, mostra a plataforma online de recolha de fundos. “Este projecto é ousado porque estamos a experimentar uma forma de gerir um eucaliptal sem valor económico e ecológico. É a experimentação de uma forma agir, por métodos mais simples e mais naturais possível”, acrescenta. O corte de forma profissional implicaria o aumento dos custos mas também a aplicação de glifosfato, uma questão que poderia ser problemática, “apesar do ganho de tempo”. Assim, se correr bem, a ideia poderá ser replicada noutros pontos, tanto sob gestão da Montis, como de outros proprietários.

 

Depois de esgotados os eucaliptos, poder-se-á recorrer a um fogo controlado para limpar o material sobrante, fertilizando terrenos numa zona “em que os solos são muito pobres”, refere Pedro Oliveira. Mas nada se desperdiça, podendo as varas ser utilizadas para estabilizar o terreno em declive da Pampilhosa da Serra. “Depois, queremos permitir a regeneração de natural da floresta, de sobreiros, carvalhos e medronheiros”, detalha. Se necessário, poderão também promover a plantação de espécies autóctones, sendo que o planeamento está todo desenhado na página de angariação de fundos.

 

Algumas dessas espécies, como medronheiro, o sobreiro e a azinheiro não são estranhas à parcela de Covões que, tal como a de Barroco Frio, é acompanhada pelo rio Unhais e pela sua galeria ripícola pontuada por amieiros e salgueiros.

 

Lugar diferente, mesma luta

Deslocando o foco um pouco mais para Oeste, para os arredores de Coimbra, a Milvoz nasceu há um ano para alavancar a bio-reserva da Senhora da Alegria, em Almalaguês, a partir de uma mancha de folhosas preexistente que ocupava pouco menos de um hectare. No início deste mês, a associação de protecção e conservação da natureza escriturou uma pequena adição ao terreno que já detinha, um eucaliptal na parte superior da encosta onde está instalada a mancha. “O que queremos fazer nesse terreno é precisamente o que a Montis pretende fazer na Pampilhosa: transformar o eucaliptal em mata”, explica o presidente da Milvoz, Manuel Malva, ao PÚBLICO. 

 

Com esta aquisição - e somando uma pequena parcela que a associação está gerir, mas que não detém - a área da bio-reserva da Senhora da Alegria cresceu para cerca de 1,5 hectares. “A nossa acção é mais simbólica”, diz o presidente da associação de Coimbra, para explicar que a intervenção vale mais pelo exemplo que estabelece do que pela escala e, que opera.

 

O eucaliptal na parte de cima da encosta não está a dar margem para que o sub-bosque nativo que cobre, onde se encontram medronheiros e sobreiros, se desenvolva. “O objectivo é remover os eucaliptos e deixar a regeneração natural acontecer espontaneamente”, diz o biólogo.

 

Os fins são os mesmos que os da Montis, mas os meios podem diferir. A Milvoz está ainda a estudar o método de eliminação: se passa pelo abate simples, com recurso à contratação de um madeireiro (o que iria ter impacto no bosque nativo que está por baixo), ou pela retirada do anel de floema das árvores, para que o eucalipto caia de podre, mais leve e, portanto, com menor impacto nas outras espécies do bosque. 

 

De resto, os associados continuam com as operações de gestão da pequena reserva, com acções de controlo de vegetação invasora, de monitorização da biodiversidade e da criação de um trilho circular, que ainda não está terminada. Há também ainda trabalho a fazer no curso de água ao fundo da encosta, que tem a galeria ripícola dominada por canas e silvado, ilustra Manuel Malva. 

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