sábado, 12 de setembro de 2020

Só faltava pôr Arons na RTP. Agora já não falta

 


OPINIÃO

Só faltava pôr Arons na RTP. Agora já não falta

 

Foi assim com Guterres, foi assim com Sócrates e continua a ser assim com Costa. Eis uma bonita recompensa por uma vida inteira dedicada ao PS e ao lambe-botismo. Roma não paga a traidores, mas o PS, tal como a Casa de Lannister, paga todos os seus favores.

 

JOÃO MIGUEL TAVARES

12 de Setembro de 2020, 0:00

https://www.publico.pt/2020/09/12/opiniao/opiniao/so-faltava-arons-rtp-ja-nao-falta-1931257

 

Há três semanas, escrevi três textos sobre o problema das estruturas de corrupção instaladas em Portugal, procurando explicar que elas não passavam necessariamente pela promoção de actos puníveis à luz do Código Penal, mas pelo domínio de redes de influência nos sectores político, económico, mediático e até judicial, onde imperavam – e imperam – práticas de favorecimento dos “fiéis”, que a tudo se predispõem. Se para se ser corrupto é imprescindível corromper ou deixar-se corromper, para integrar as estruturas de corrupção basta fazer-se de parvo, atender os telefonemas do chefe, dar uma palavrinha ou fechar os olhos na hora certa.

 

Logo no primeiro desses textos, escrevi isto: “Há cada vez mais sinais que indicam o regresso em força do velho PS clientelar, pela mão de António Costa. Antecipando os duríssimos tempos que se aproximam, é como se o primeiro-ministro estivesse já a mover as suas peças para alcançar o máximo controlo sobre a política, a economia, a justiça e os media, com uma série de decisões extremamente preocupantes.” Depois dava vários exemplos, como a não recondução de Joana Marques Vidal, o papel do fogoso Homem Hidrogénio João Galamba, a escolha de Vítor Escária para liderar o seu gabinete ou as ligações do amigo Lacerda Machado ao cada vez mais super-empresário Mário Ferreira, agora dono da super-fragmentada TVI. E acrescentava, no final dessa lista: “Só falta mesmo Arons de Carvalho ir parar à RTP.”

 

Nesta quinta-feira, soubemos que já nem isso falta: Arons de Carvalho foi mesmo parar à RTP. O Governo nomeou-o para integrar o Conselho Geral Independente (CGI), e ser um dos seis membros que têm a incumbência de escolher a administração da RTP e o seu presidente, bem como definir a orientação estratégica da empresa. No final de 2017, o Governo já tinha nomeado para o CGI o inevitável embaixador Seixas da Costa. Agora, chegou a vez do inefável Arons de Carvalho, devido ao seu “percurso ímpar na história da comunicação social portuguesa”. Recordemos, então, esse percurso ímpar.

 

Ainda recentemente, o ímpar Arons tomou posição sobre a polémica que envolveu Sandra Felgueiras e o Sexta às 9, defendendo que um programa do género “não deveria existir num serviço público de televisão”. O ímpar Arons – que talvez assim tenha comprado o bilhete de entrada na Marechal Gomes da Costa – argumentou que “deve haver jornalismo de investigação”, mas que “a obrigação de todas as semanas ter de haver uma bronca qualquer para denunciar leva a que sejam queimadas etapas absolutamente necessárias no jornalismo”. Ah, a velha tese das etapas queimadas. O jornalismo de investigação do ímpar Arons quer-se tântrico, como o sexo. Lento, demorado e, de preferência, atrasado quando se trata de incomodar governos socialistas.

 

Foi assim com Guterres, foi assim com Sócrates e continua a ser assim com Costa. O ímpar Arons, o homem que afirmou não achar “reprovável uma pessoa viver com dinheiro emprestado”; o homem que foi apanhado nas escutas da Operação Marquês a ser pressionado pelo velho amigo para pressionar os restantes membros da ERC a deliberarem contra o Correio da Manhã (o que veio a acontecer); esse homem volta agora a ser premiado, aos 71 anos, com mais um lugar onde pode impor a sua magnífica visão do jornalismo português. Eis uma bonita recompensa por uma vida inteira dedicada ao PS e ao lambe-botismo. Roma não paga a traidores, mas o PS, tal como a Casa de Lannister, paga todos os seus favores.

 

Jornalista

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