quarta-feira, 17 de junho de 2020

Sou só eu que começo a ficar farto disto tudo?

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OPINIÃO
Sou só eu que começo a ficar farto disto tudo?

Quem faz oposição? Quem vê o óbvio ululante? Ninguém. À nossa volta só há bola, ombros encolhidos e uma resignação revoltante. Isto vai acabar mal.

JOÃO MIGUEL TAVARES
18 de Junho de 2020, 0:00

Portugal está cada vez mais parecido com um aristocrata falido que para camuflar a catástrofe das suas finanças aumenta o tamanho das festas. Ontem soube-se que Lisboa vai organizar a Final Eight da Liga dos Campeões. O Presidente da República já tinha avisado que estava para breve o anúncio de uma grande notícia para Portugal. Cá está ela: vamos acolher, segundo o Expresso, “a mais importante prova futebolística do planeta”. Claro que nenhuma das equipas é portuguesa, porque o nosso futebol está como o país, a perder competitividade de ano para ano, mas isso pouco importa – não somos os melhores a ser os melhores, mas somos os melhores a acolher os melhores dos melhores. Como diz Marcelo, várias vezes à semana, somos os melhores do mundo. Os melhores do planeta. Da galáxia. Do universo inteiro, desde o Big Bang.

Infelizmente, guardamos esse segredo só para nós. Devo confessar-vos que às vezes a profissão de colunista é dura, porque somos obrigados a manter uma capa de civilidade quando o que mais nos apetece é encher textos com injúrias, insultos e impropérios. Nada contra o futebol, atenção, nem contra a Web Summit (que também se vai realizar em Novembro, graças a Deus), nem contra qualquer evento que possa trazer dinheiro estrangeiro a este pobre país. Aquilo que me choca mesmo, e me revolta as entranhas, é que continuemos a abrir garrafas de champanhe para anunciar grandes eventos internacionais enquanto Portugal desliza de novo para um fundíssimo buraco, ao som do hino da Liga dos Campeões.

Já sobre aquilo que é estrutural, e compromete o futuro do país, impera o silêncio dos sepulcros, ou então praticamos aquela arte em que realmente somos dos melhores do mundo – a encolher os ombros. As escolas estão a abrir em toda a Europa (incluindo em França, a 22 de Junho) e nós por cá nada? Encolhemos os ombros. Qualquer país civilizado consideraria uma barbaridade deixar centenas de milhares de miúdos seis meses sem aulas presenciais, quando para muitos deles a escola é a única estrutura sólida de apoio ao seu bem-estar social? Encolhemos os ombros. Os hospitais estão a adiar consultas, cirurgias e análises em catadupa, com frequência de forma completamente discricionária, causando a prazo uma enxurrada de mortes evitáveis? Encolhemos os ombros. A justiça adia processos e diligências e nos serviços públicos o pessoal vai todo de férias em Agosto, como se fosse um ano qualquer? Encolhemos os ombros. Em Pedrógão, e em todo o interior, as florestas ficam ao abandono, e a vegetação é de novo uma bomba-relógio à espera da próxima fagulha? Encolhemos os ombros.

Mário Centeno vai para o Banco de Portugal supervisionar o Montepio, o Novo Banco e a CGD, apesar de ter andado a decidir sobre todos eles nos últimos anos? Marcelo encolhe os ombros (“já tinha dito que não via problema que membros do governo passassem a governadores do Banco de Portugal”). O PSD encolhe os ombros (o importante “é fazer as leis correctamente, sem que haja pressa”). O Bloco encolhe os ombros (é contra, mas não trava a nomeação). O PCP encolhe os ombros (não vê incompatibilidades). Até Miguel Sousa Tavares encolhe os ombros (diz que não há ninguém mais competente do que Centeno). E é nessa altura que uma pessoa olha à sua volta, desesperada, e pergunta: afinal, quem protege este país? Quem faz oposição? Quem vê o óbvio ululante? Ninguém. À nossa volta só há bola, ombros encolhidos e uma resignação revoltante. Isto vai acabar mal.

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