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OPINIÃO
Sou só eu que começo a ficar farto disto tudo?
Quem faz oposição? Quem vê o óbvio ululante? Ninguém. À
nossa volta só há bola, ombros encolhidos e uma resignação revoltante. Isto vai
acabar mal.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
18 de Junho de
2020, 0:00
Portugal está
cada vez mais parecido com um aristocrata falido que para camuflar a catástrofe
das suas finanças aumenta o tamanho das festas. Ontem soube-se que Lisboa vai
organizar a Final Eight da Liga dos Campeões. O Presidente da República já
tinha avisado que estava para breve o anúncio de uma grande notícia para
Portugal. Cá está ela: vamos acolher, segundo o Expresso, “a mais importante
prova futebolística do planeta”. Claro que nenhuma das equipas é portuguesa,
porque o nosso futebol está como o país, a perder competitividade de ano para
ano, mas isso pouco importa – não somos os melhores a ser os melhores, mas
somos os melhores a acolher os melhores dos melhores. Como diz Marcelo, várias
vezes à semana, somos os melhores do mundo. Os melhores do planeta. Da galáxia.
Do universo inteiro, desde o Big Bang.
Infelizmente,
guardamos esse segredo só para nós. Devo confessar-vos que às vezes a profissão
de colunista é dura, porque somos obrigados a manter uma capa de civilidade
quando o que mais nos apetece é encher textos com injúrias, insultos e
impropérios. Nada contra o futebol, atenção, nem contra a Web Summit (que
também se vai realizar em Novembro, graças a Deus), nem contra qualquer evento
que possa trazer dinheiro estrangeiro a este pobre país. Aquilo que me choca
mesmo, e me revolta as entranhas, é que continuemos a abrir garrafas de
champanhe para anunciar grandes eventos internacionais enquanto Portugal
desliza de novo para um fundíssimo buraco, ao som do hino da Liga dos Campeões.
Já sobre aquilo
que é estrutural, e compromete o futuro do país, impera o silêncio dos
sepulcros, ou então praticamos aquela arte em que realmente somos dos melhores
do mundo – a encolher os ombros. As escolas estão a abrir em toda a Europa
(incluindo em França, a 22 de Junho) e nós por cá nada? Encolhemos os ombros.
Qualquer país civilizado consideraria uma barbaridade deixar centenas de
milhares de miúdos seis meses sem aulas presenciais, quando para muitos deles a
escola é a única estrutura sólida de apoio ao seu bem-estar social? Encolhemos
os ombros. Os hospitais estão a adiar consultas, cirurgias e análises em
catadupa, com frequência de forma completamente discricionária, causando a
prazo uma enxurrada de mortes evitáveis? Encolhemos os ombros. A justiça adia
processos e diligências e nos serviços públicos o pessoal vai todo de férias em
Agosto, como se fosse um ano qualquer? Encolhemos os ombros. Em Pedrógão, e em
todo o interior, as florestas ficam ao abandono, e a vegetação é de novo uma
bomba-relógio à espera da próxima fagulha? Encolhemos os ombros.
Mário Centeno vai
para o Banco de Portugal supervisionar o Montepio, o Novo Banco e a CGD, apesar
de ter andado a decidir sobre todos eles nos últimos anos? Marcelo encolhe os
ombros (“já tinha dito que não via problema que membros do governo passassem a
governadores do Banco de Portugal”). O PSD encolhe os ombros (o importante “é
fazer as leis correctamente, sem que haja pressa”). O Bloco encolhe os ombros
(é contra, mas não trava a nomeação). O PCP encolhe os ombros (não vê
incompatibilidades). Até Miguel Sousa Tavares encolhe os ombros (diz que não há
ninguém mais competente do que Centeno). E é nessa altura que uma pessoa olha à
sua volta, desesperada, e pergunta: afinal, quem protege este país? Quem faz
oposição? Quem vê o óbvio ululante? Ninguém. À nossa volta só há bola, ombros
encolhidos e uma resignação revoltante. Isto vai acabar mal.

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