sexta-feira, 5 de junho de 2020

Mexia em risco na EDP. E depois? / Justiça pode travar ciclo de 15 anos de Mexia na EDP



EDITORIAL
Mexia em risco na EDP. E depois?

É bom que a magistratura judicial perceba que, hoje, decisões como o pedido de suspensão de António Mexia pouco mais causam aos cidadãos do que um simples encolher de ombros. Não há pior sinal do que esse gesto de alheamento.

MANUEL CARVALHO
5 de Junho de 2020, 23:51

O gestor de uma das mais importantes empresas com base em Portugal arrisca-se a ficar suspenso das suas funções a pedido do Ministério Público (MP). O anúncio é grave e requer cuidados nas diligências processuais que se seguem. Até porque quem vai decidir sobre o pedido do MP é o juiz Carlos Alexandre, que a defesa da EDP acusa de falta de isenção; até porque este processo dura há três anos e se é verdade que se abriu uma nova frente na investigação com uma notícia do PÚBLICO em Março de 2018, sobre suspeitas de bónus a empresas que construíram a barragem do Baixo Sabor, é importante saber as razões que levam o MP a agravar agora as medidas de coacção do gestor da EDP; até porque a raiz desta investigação esteve também sob a atenção da Comissão Europeia, que a arquivou, e algumas das suas diligências, nomeadamente a utilização de mails do CEO da empresa, foram proibidas pelo antecessor de Carlos Alexandre no processo, o juiz Ivo Rosa.
Todos os indícios do negócio dos CMEC (Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual) exalam um óbvio travo de suspeição. Mesmo que a empresa tivesse direito a reparações pela quebra de um contrato (o dos CAE), as negociações com o então ministro Manuel Pinho, no reinado pérfido de José Sócrates, exigem investigação e transparência. E o agravamento dos custos da barragem do Baixo Sabor justifica toda a atenção da Justiça. O problema maior é o cansaço com tantas suspeitas e tão poucas absolvições ou condenações. O que se pede por isso é que o MP seja capaz de nos explicar o que há de novo sem, obviamente, quebrar o segredo de justiça. Há novidades que chegaram com cartas rogatórias? António Mexia andou três anos sem poder perturbar o processo e agora pode?
Se a legítima preocupação dos cidadãos sobre a extensão dos tentáculos da corrupção, o Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre devem perceber que mais do que operações com nomes espectaculares ou diligências processuais que entram no radar dos jornais, o que precisamos é de resultados. Não duvidamos que os procuradores hão-de ter as mais ponderosas razões do mundo para pedir o afastamento de Mexia. Mas após tantos tiros de pólvora seca, tanto tempo, tantas buscas aparatosas e tão poucas acusações e ainda menos condenações, é bom que a magistratura judicial perceba que, hoje, decisões destas pouco mais causam aos cidadãos do que um simples encolher de ombros. É mais uma. Não há pior sinal sobre a relação do país com a justiça do que esse gesto de alheamento.

tp.ocilbup@ohlavrac.leunam

ENERGIA
Justiça pode travar ciclo de 15 anos de Mexia na EDP

António Mexia lidera a EDP desde 2006. A um ano de completar o quinto mandato, o gestor pode ter de ceder o lugar se vingarem as medidas de coacção pedidas pelos procuradores do caso EDP ao juiz Carlos Alexandre. Empresa reage e diz que proposta do Ministério Público é “ilegal”.

Ana Brito 5 de Junho de 2020, 21:52

Ao juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, a quem a defesa de António Mexia aponta uma alegada falta de parcialidade e uma actuação concertada com o Ministério Público, caberá decidir se o actual líder da EDP vai cumprir o ano que ainda lhe falta neste seu quinto mandato à frente da empresa.

O gestor, que há três anos é arguido no chamado caso EDP, e está acusado pelos crimes de corrupção activa e participação económica em negócio, corre o risco de ser afastado das funções que desempenha há 14 anos se o juiz titular do processo aceder ao pedido do Ministério Público para que lhe seja aplicado um conjunto de medidas de coacção que incluem, além do afastamento da liderança da EDP, a proibição de entrar em todos os edifícios do grupo, a impossibilidade de viajar para o estrangeiro (com a obrigação de entregar o passaporte), a impossibilidade de contactar testemunhas arguidos do processo, e o pagamento de uma caução de dois milhões de euros.

As mesmas medidas foram pedidas para o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto, com a diferença de que a caução tem o valor de um milhão de euros. O próprio Ministério Público esclareceu em comunicado que imputa a estes dois arguidos do caso EDP “em co-autoria, a prática de quatro crimes de corrupção activa e de um crime de participação económica em negócio”.

A EDP reagiu ao início da noite num comunicado onde põe em causa a legalidade da proposta de agravamento das medidas de coacção feita pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto. “O documento hoje conhecido é, apenas, a promoção do Ministério Público quanto às medidas de coacção” e “é absolutamente desproporcional, insensata e ilegal”, sustentou a EDP.

“Ao contrário daquilo que é jurisprudência pacífica, constante e uniforme nesta matéria, não são invocados, concretizados e indiciados quaisquer perigos concretos que fundamentem a aplicação de medidas de coacção, como é exigido por lei”, frisou a eléctrica, sublinhando que tem até 15 de Junho para se opor aos argumentos dos procuradores.

"EDP pagou bónus de quase 20 milhões de euros a construtoras investigadas no Lava-Jato e Operação Marquês"

A EDP sustenta que “os factos nos quais assentam as imputações criminais formuladas continuam a não estar, de forma alguma, fundamentados” e diz que “não se compreende a razão que motiva, agora, [que passam três anos desde que foram constituídos arguidos] a pretensão do agravamento do estatuto coactivo de António Mexia e de João Manso Neto”. E não se percebe “porque o Ministério Público, simplesmente, continua sem o dizer”, acrescenta a empresa.

O advogado dos gestores da EDP, João Medeiros, já pediu mesmo o afastamento do juiz Carlos Alexandre, por considerar que é parcial e actua em concertação com o Ministério Público, mas ainda não é conhecido o desfecho dos dois incidentes de recusa já apresentados.

A EDP já veio dizer que esta proposta do Ministério Público “não tem qualquer efeito do ponto de vista da gestão da EDP”. No entanto, o cenário de suspensão de funções do presidente da EDP já tem sido abordado quer pelo conselho de administração executivo, quer pelos accionistas da empresa. Um dos nomes falados para uma eventual substituição é o de Miguel Stilwell, o actual administrador financeiro da empresa, com noticiou o Correio da Manhã. Mas essa seria uma solução temporária, até ao final do mandato, pois, segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, há accionistas da empresa que consideram que uma solução definitiva não deve passar por ninguém que já tivesse responsabilidades de administração ou gestão na empresa quando ocorreram as situações que agora estão a ser investigadas.

Além das suspeitas de favorecimento da EDP nos processos relacionados com os contratos conhecidos como CMEC (custos para a manutenção do equilíbrio contratual) e com o prolongamento da concessão de várias barragens da EDP, na mira dos investigadores passou a estar também o negócio de construção da barragem do Baixo Sabor e, nomeadamente, a possibilidade de os gestores da EDP terem lesado a eléctrica, com pagamentos de 13 milhões de euros à construtora Odebrecht que não estavam previstos no contrato. Em todos estes casos, segundo o Ministério Público, terá estado envolvido também o antigo ministro da Economia, Manuel Pinho.

Em simultâneo, foi também confirmado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) que para um terceiro arguido no processo, o administrador executivo da REN João Conceição – a quem é imputada a prática de dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito – foi igualmente proposta a medida de suspensão do exercício de funções e, “subsidiariamente, e para o caso de não ser aplicada a referida medida de suspensão do exercício de função”, João Conceição deverá prestar “uma caução, de valor não inferior a 500 mil euros”. Não foi possível obter um comentário da REN.

O administrador executivo responsável pelas operações da empresa que gere o sistema energético nacional fica igualmente proibido de contactar com os arguidos. João Conceição foi um dos assessores do ex-ministro Manuel Pinho quando foram tomadas decisões sobre os CMEC e as concessões das barragens que estão no centro da investigação judicial iniciada em 2012 (embora o caso só tenha vindo a público em 2017, quando se realizaram buscas à sede da EDP e constituídos os primeiros arguidos).

O antigo ministro da Economia de José Sócrates também foi constituído arguido, mas neste momento há uma indefinição em relação ao seu estatuto. A sua defesa recorreu e o antigo titular do processo, o juiz de instrução criminal Ivo Rosa (que agora está a trabalhar em exclusivo no Processo Marquês), revogou a decisão dos procuradores, que, entretanto, recorreram para o Tribunal da Relação, que posteriormente revogou a decisão do juiz.

A defesa de Manuel Pinho, a cargo de Ricardo Sá Fernandes, apresentou então recurso para o Tribunal Constitucional, tendo este sido admitido, com efeitos suspensivos. Na prática, o estatuto do ex-ministro “está pendente do que decidir o Tribunal Constitucional”, onde o recurso já está desde Janeiro, explicou ao PÚBLICO o advogado Ricardo Sá Fernandes. Na mesma situação está também o antigo director-geral de Energia Miguel Barreto (ambos foram constituídos arguidos em Julho de 2017), também representado por Sá Fernandes.

tp.ocilbup@otirb.ana

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