EDITORIAL
Mexia em risco na EDP. E depois?
É bom que a magistratura judicial perceba que, hoje,
decisões como o pedido de suspensão de António Mexia pouco mais causam aos cidadãos
do que um simples encolher de ombros. Não há pior sinal do que esse gesto de
alheamento.
MANUEL CARVALHO
5 de Junho de
2020, 23:51
O gestor de uma
das mais importantes empresas com base em Portugal arrisca-se a ficar suspenso
das suas funções a pedido do Ministério Público (MP). O anúncio é grave e
requer cuidados nas diligências processuais que se seguem. Até porque quem vai
decidir sobre o pedido do MP é o juiz Carlos Alexandre, que a defesa da EDP
acusa de falta de isenção; até porque este processo dura há três anos e se é
verdade que se abriu uma nova frente na investigação com uma notícia do PÚBLICO
em Março de 2018, sobre suspeitas de bónus a empresas que construíram a
barragem do Baixo Sabor, é importante saber as razões que levam o MP a agravar
agora as medidas de coacção do gestor da EDP; até porque a raiz desta
investigação esteve também sob a atenção da Comissão Europeia, que a arquivou,
e algumas das suas diligências, nomeadamente a utilização de mails do CEO da
empresa, foram proibidas pelo antecessor de Carlos Alexandre no processo, o
juiz Ivo Rosa.
Todos os indícios
do negócio dos CMEC (Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual) exalam um
óbvio travo de suspeição. Mesmo que a empresa tivesse direito a reparações pela
quebra de um contrato (o dos CAE), as negociações com o então ministro Manuel
Pinho, no reinado pérfido de José Sócrates, exigem investigação e
transparência. E o agravamento dos custos da barragem do Baixo Sabor justifica
toda a atenção da Justiça. O problema maior é o cansaço com tantas suspeitas e
tão poucas absolvições ou condenações. O que se pede por isso é que o MP seja
capaz de nos explicar o que há de novo sem, obviamente, quebrar o segredo de
justiça. Há novidades que chegaram com cartas rogatórias? António Mexia andou
três anos sem poder perturbar o processo e agora pode?
Se a legítima
preocupação dos cidadãos sobre a extensão dos tentáculos da corrupção, o
Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre devem perceber que mais do que
operações com nomes espectaculares ou diligências processuais que entram no
radar dos jornais, o que precisamos é de resultados. Não duvidamos que os
procuradores hão-de ter as mais ponderosas razões do mundo para pedir o
afastamento de Mexia. Mas após tantos tiros de pólvora seca, tanto tempo,
tantas buscas aparatosas e tão poucas acusações e ainda menos condenações, é
bom que a magistratura judicial perceba que, hoje, decisões destas pouco mais
causam aos cidadãos do que um simples encolher de ombros. É mais uma. Não há
pior sinal sobre a relação do país com a justiça do que esse gesto de
alheamento.
tp.ocilbup@ohlavrac.leunam
ENERGIA
Justiça pode travar ciclo de 15 anos de Mexia na EDP
António Mexia lidera a EDP desde 2006. A um ano de
completar o quinto mandato, o gestor pode ter de ceder o lugar se vingarem as
medidas de coacção pedidas pelos procuradores do caso EDP ao juiz Carlos Alexandre.
Empresa reage e diz que proposta do Ministério Público é “ilegal”.
Ana Brito 5 de
Junho de 2020, 21:52
Ao juiz de
instrução criminal Carlos Alexandre, a quem a defesa de António Mexia aponta
uma alegada falta de parcialidade e uma actuação concertada com o Ministério
Público, caberá decidir se o actual líder da EDP vai cumprir o ano que ainda
lhe falta neste seu quinto mandato à frente da empresa.
O gestor, que há
três anos é arguido no chamado caso EDP, e está acusado pelos crimes de
corrupção activa e participação económica em negócio, corre o risco de ser
afastado das funções que desempenha há 14 anos se o juiz titular do processo
aceder ao pedido do Ministério Público para que lhe seja aplicado um conjunto
de medidas de coacção que incluem, além do afastamento da liderança da EDP, a
proibição de entrar em todos os edifícios do grupo, a impossibilidade de viajar
para o estrangeiro (com a obrigação de entregar o passaporte), a
impossibilidade de contactar testemunhas arguidos do processo, e o pagamento de
uma caução de dois milhões de euros.
As mesmas medidas
foram pedidas para o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto, com a
diferença de que a caução tem o valor de um milhão de euros. O próprio Ministério
Público esclareceu em comunicado que imputa a estes dois arguidos do caso EDP
“em co-autoria, a prática de quatro crimes de corrupção activa e de um crime de
participação económica em negócio”.
A EDP reagiu ao
início da noite num comunicado onde põe em causa a legalidade da proposta de
agravamento das medidas de coacção feita pelos procuradores Carlos Casimiro e
Hugo Neto. “O documento hoje conhecido é, apenas, a promoção do Ministério
Público quanto às medidas de coacção” e “é absolutamente desproporcional,
insensata e ilegal”, sustentou a EDP.
“Ao contrário
daquilo que é jurisprudência pacífica, constante e uniforme nesta matéria, não
são invocados, concretizados e indiciados quaisquer perigos concretos que
fundamentem a aplicação de medidas de coacção, como é exigido por lei”, frisou
a eléctrica, sublinhando que tem até 15 de Junho para se opor aos argumentos
dos procuradores.
"EDP pagou bónus de quase 20 milhões de euros a
construtoras investigadas no Lava-Jato e Operação Marquês"
A EDP sustenta que
“os factos nos quais assentam as imputações criminais formuladas continuam a
não estar, de forma alguma, fundamentados” e diz que “não se compreende a razão
que motiva, agora, [que passam três anos desde que foram constituídos arguidos]
a pretensão do agravamento do estatuto coactivo de António Mexia e de João
Manso Neto”. E não se percebe “porque o Ministério Público, simplesmente,
continua sem o dizer”, acrescenta a empresa.
O advogado dos
gestores da EDP, João Medeiros, já pediu mesmo o afastamento do juiz Carlos
Alexandre, por considerar que é parcial e actua em concertação com o Ministério
Público, mas ainda não é conhecido o desfecho dos dois incidentes de recusa já
apresentados.
A EDP já veio
dizer que esta proposta do Ministério Público “não tem qualquer efeito do ponto
de vista da gestão da EDP”. No entanto, o cenário de suspensão de funções do
presidente da EDP já tem sido abordado quer pelo conselho de administração
executivo, quer pelos accionistas da empresa. Um dos nomes falados para uma eventual
substituição é o de Miguel Stilwell, o actual administrador financeiro da
empresa, com noticiou o Correio da Manhã. Mas essa seria uma solução
temporária, até ao final do mandato, pois, segundo informações recolhidas pelo
PÚBLICO, há accionistas da empresa que consideram que uma solução definitiva
não deve passar por ninguém que já tivesse responsabilidades de administração
ou gestão na empresa quando ocorreram as situações que agora estão a ser
investigadas.
Além das
suspeitas de favorecimento da EDP nos processos relacionados com os contratos
conhecidos como CMEC (custos para a manutenção do equilíbrio contratual) e com
o prolongamento da concessão de várias barragens da EDP, na mira dos
investigadores passou a estar também o negócio de construção da barragem do
Baixo Sabor e, nomeadamente, a possibilidade de os gestores da EDP terem lesado
a eléctrica, com pagamentos de 13 milhões de euros à construtora Odebrecht que
não estavam previstos no contrato. Em todos estes casos, segundo o Ministério
Público, terá estado envolvido também o antigo ministro da Economia, Manuel
Pinho.
Em simultâneo,
foi também confirmado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal
(DCIAP) que para um terceiro arguido no processo, o administrador executivo da
REN João Conceição – a quem é imputada a prática de dois crimes de corrupção
passiva para acto ilícito – foi igualmente proposta a medida de suspensão do
exercício de funções e, “subsidiariamente, e para o caso de não ser aplicada a
referida medida de suspensão do exercício de função”, João Conceição deverá
prestar “uma caução, de valor não inferior a 500 mil euros”. Não foi possível
obter um comentário da REN.
O administrador
executivo responsável pelas operações da empresa que gere o sistema energético
nacional fica igualmente proibido de contactar com os arguidos. João Conceição
foi um dos assessores do ex-ministro Manuel Pinho quando foram tomadas decisões
sobre os CMEC e as concessões das barragens que estão no centro da investigação
judicial iniciada em 2012 (embora o caso só tenha vindo a público em 2017,
quando se realizaram buscas à sede da EDP e constituídos os primeiros
arguidos).
O antigo ministro
da Economia de José Sócrates também foi constituído arguido, mas neste momento
há uma indefinição em relação ao seu estatuto. A sua defesa recorreu e o antigo
titular do processo, o juiz de instrução criminal Ivo Rosa (que agora está a
trabalhar em exclusivo no Processo Marquês), revogou a decisão dos
procuradores, que, entretanto, recorreram para o Tribunal da Relação, que
posteriormente revogou a decisão do juiz.
A defesa de
Manuel Pinho, a cargo de Ricardo Sá Fernandes, apresentou então recurso para o
Tribunal Constitucional, tendo este sido admitido, com efeitos suspensivos. Na
prática, o estatuto do ex-ministro “está pendente do que decidir o Tribunal
Constitucional”, onde o recurso já está desde Janeiro, explicou ao PÚBLICO o
advogado Ricardo Sá Fernandes. Na mesma situação está também o antigo
director-geral de Energia Miguel Barreto (ambos foram constituídos arguidos em
Julho de 2017), também representado por Sá Fernandes.
tp.ocilbup@otirb.ana
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