domingo, 14 de junho de 2020

Padre António Vieira: uma vida em tensão, um legado em discussão / Ainda não vimos nada!


OPINIÃO
Ainda não vimos nada!

Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão selectiva da História, assim como à censura e à manipulação.

ANTÓNIO BARRETO
14 de Junho de 2020, 7:26

É triste confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores da História. Uma coisa é certa: com a ajuda dos movimentos anti-racistas, a colaboração de esquerdistas, a covardia de tanta gente de bem e o metabolismo habitual dos reaccionários, o movimento de correcção da História veio para ficar. Serão anos de destruição de símbolos, de substituição de heróis, de censura de livros e de demolição de esculturas. Até de rectificação de monumentos. Além da revisão de programas escolares e da reescrita de manuais. Tudo, com a consequente censura de livros considerados impróprios, seguida da substituição por novos livros estimados científicos, objectivos, democráticos e igualitários. A pujança deste movimento através do mundo é tal que nada conseguirá temperar os ânimos triunfadores dos novos censores, transformados em juízes da moral e árbitros da História.

Serão criadas comissões de correcção, com a missão de rever os manuais de História (e outras disciplinas sensíveis como o Português, a Literatura, a Geografia, o Meio Ambiente, as Relações Internacionais…), a fim de expurgar a visão bondosa do colonialismo, as interpretações glorificadoras dos descobrimentos e os símbolos de domínio branco, cristão, europeu e capitalista.

Comissões purificadoras procederão ao inventário das ruas e locais que devem mudar de nome, porque glorificam o papel dos colonialistas e dos traficantes de escravos. Farão ainda o levantamento das obras de arte públicas que prestam homenagem à política imperialista, assim como aos seus agentes. Já começou, aliás, com a substituição do Museu dos Descobrimentos pelo Memorial da Escravatura!

Teremos autoridades que tudo farão para retirar os objectos antes que as hordas cheguem e será o máximo de coragem de que serão capazes. Alguns concordarão com o seu depósito em pavilhões de sucata. Outros ainda deixarão destruir, gesto que incluirão na pasta de problemas resolvidos. Entretanto, os Centros Comerciais Colombo e Vasco da Gama esperam pela hora fatal da mudança de nome. Praças, ruas e avenidas das Descobertas, dos Descobrimentos e dos Navegantes, que abundam em Portugal, serão brevemente mudadas. Preparemo-nos, pois, para remover monumentos com Albuquerque, Gama, Dias, Cão, Cabral, Magalhães e outros, além de, evidentemente, o Infante D. Henrique, o primeiro a passar no cadafalso. Luís de Camões e Fernando Pessoa terão o devido óbito. Os que cantaram os feitos dos exploradores e dos negreiros são tão perniciosos quanto os próprios. Talvez até mais, pois forjaram a identidade e deram sentido aos mitos da nação valente e imortal. Esperemos para liquidar a toponímia que aluda a Serpa Pinto, Ivens, Capelo e Mouzinho, heróis entre os mais recentes facínoras. Sem esquecer, seguramente, uns notáveis heróis do colonialismo, Kaúlza de Arriaga, Costa Gomes, António de Spínola, Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Mário Tomé e Vasco Lourenço.

Não serão esquecidos os cineastas, compositores, pintores, escultores, escritores e arquitectos que, nas suas obras, elogiaram os colonialistas, cúmplices da escravatura, do genocídio e do racismo. Filmes e livros serão retirados do mercado. Pinturas murais, azulejos, esculturas, baixos-relevos, frescos e painéis de todas as espécies serão destruídos ou cobertos de cal e ácido.

Outras comissões terão o encargo de proceder ao levantamento das obras de arte e do património com origem na África, na Ásia e na América Latina e que se encontram em Portugal, em mãos privadas ou em instituições públicas, a fim de as remeter prontamente aos países donde são provenientes.

Os principais monumentos erectos em homenagem à expansão, a começar pelos Jerónimos e pela Torre de Belém, serão restaurados com o cuidado de lhes retirar os elementos de identidade colonialista. Os memoriais de homenagem aos mortos em guerras do Ultramar serão reconstruídos a fim de serem transformados em edifícios de denúncia do racismo. Não há liberdade nem igualdade enquanto estes símbolos sobreviverem.

Muitos pensam que a História é feita de progresso e desenvolvimento. De crescimento e melhoramento. Esperam que se caminhe do preconceito para o rigor. Do mito para o facto. Da submissão para a liberdade. Infelizmente, tal não é verdade. Não é sempre verdade. Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão selectiva da História, assim como à censura e à manipulação. E, se quisermos ir mais longe no tempo, não faltam exemplos. Quando os revolucionários franceses rebaptizaram a Catedral de Estrasburgo, passando a designá-la por Templo da Razão, não estavam a aumentar o grau de racionalidade das sociedades. Quando o altar-mor de Notre Dame foi chamado de Altar da Liberdade, caminharam alegremente da superstição para o preconceito. E quando os bolchevistas ocuparam a Catedral de Kazab, em São Petersburgo e apelidaram o edifício de Museu das Religiões e do Ateísmo, não procuravam certamente a liberdade e o pluralismo. E também podemos convocar os Iconoclastas de Istambul, os Daesh de Palmira ou os Taliban de Bamiyan que destruíram símbolos, combateram a religião e tentaram apropriar-se tanto do presente como do passado.

Os senhores do seu tempo, monarcas, generais, bispos, políticos, capitalistas, deputados e sindicalistas gostam de marcar a sociedade, romper com o passado e afastar fantasmas. Deuses e comendadores, santos e revolucionários, habitam os seus pesadelos. Quem quer exercer o poder sobre o presente tem de destruir o passado.

Muitos de nós pensávamos, há cinquenta anos, que era necessário rever os manuais, repensar os mitos, submeter as crenças à prova do estudo, lutar contra a proclamação autoritária e defender com todas as forças o debate livre. É possível que, a muitos, tenha ocorrido que faltava substituir uma ortodoxia dogmática por outra. Mas, para outros, o espírito era o de confronto de ideias, de debate permanente e de submissão à crítica pública.

O que hoje se receia é a nova dogmática feita de novos preconceitos. Não tenhamos ilusões. Se as democracias não souberem resistir a esta espécie de vaga que se denomina libertadora e igualitária, mergulharão rapidamente em novas eras obscurantistas.

HISTÓRIA
Padre António Vieira: uma vida em tensão, um legado em discussão

Foi missionário e diplomata, pregou a igualdade de todos os homens perante Deus e defendeu o comércio de escravos por estratégia política (e teológica). Homem de contradições flagrantes, Vieira está em Portugal no centro da discussão sobre a memória histórica que se desenrola mundo fora.

Mário Lopes
Mário Lopes 12 de Junho de 2020, 22:33

“Descoloniza”, escreveram no pedestal da estátua de Padre António Vieira, vandalizada por estes dias no Largo Trindade Coelho. A mesma tinta vermelha foi aplicada na boca, nas mãos e no hábito do missionário jesuíta do século XVII, figura de absoluto destaque da cultura e das letras portuguesas, exacerbado oficialmente como pioneiro na defesa dos direitos humanos. A tinta vermelha na estátua firmou de forma evidente a visão contrária: está manchado de sangue o legado de António Vieira — mensagem acentuada pelo coração pintado no peito das três crianças ameríndias esculpidas a seus pés.

A pichagem de uma estátua que nunca foi verdadeiramente consensual questiona a representação de António Vieira como figura humanista, como activista anti-esclavagista empenhado na defesa dos índios brasileiros quando Portugal era a potência que administrava aquele território, sublinhando a violência colonialista da acção evangelizadora e o facto de o padre jesuíta nunca ter condenado a escravatura dos povos africanos. O protesto surgiu num contexto específico, na sequência das manifestações que se sucedem nos Estados Unidos após a morte de mais um cidadão indefeso às mãos da polícia e da internacionalização do movimento social norte-americano, com o debate a alargar-se à forma como o racismo e a discriminação se perpetuam.

Nos Estados Unidos, caíram estátuas de generais esclavagistas da Guerra da Secessão – e foi decapitada uma de Cristovão Colombo. Em Inglaterra, a estátua de um mercador esclavagista responsável pelo tráfico de quase cem mil pessoas, e pela morte de 20 mil, homem que foi também um grande filantropo da cidade de Bristol, foi atirada ao rio – e nem Churchill escapou à vandalização. Na Bélgica, estátuas e bustos do imperador Leopoldo II, soberano que supervisionou o domínio colonial sobre o Congo, assegurado de forma criminosa, particularmente cruel e, já à época, alvo de contestação, têm sido vandalizadas nos últimos dias. Esta semana, em Portugal, foi Padre António Vieira o alvo. Não se tratou, porém, de uma erupção surgida do nada.

Afinal, a instalação da estátua naquele largo lisboeta, em Junho de 2017, surgiu desde logo envolta em polémica. Um grupo de manifestantes que se opunha à estátua pretendia marcar a ocasião com uma intervenção – a deposição de uma coroa de flores, acompanhada de uma performance poética —, o que foi impedido pela presença de um grupo de neonazis rodeando a estátua. As motivações para a contestação estavam bem definidas na convocatória da manifestação: “Não aceitamos essa estátua. Com a colaboração da Igreja, mais de seis milhões de africanos foram escravizados pelos portugueses no tráfico transatlântico. Padre António Vieira era um esclavagista selectivo. A colonização portuguesa no final do século XVI já tinha dizimado 90% da população indígena. A evangelização jesuíta foi a maior responsável pelo etnocídio ameríndio.” Este é o ponto da discussão que então se abriu.

Uma fama contraditória
“Ocorre-me lembrar o que D. Francisco Alexandre Lobo, Bispo de Viseu, escreveu em 1823, no rescaldo de um período particularmente intenso de discussões políticas durante o chamado primeiro triénio liberal: ‘tem sido notavelmente vária, e até contraditória, a fama do célebre jesuíta, o Padre António Vieira’”, aponta o historiador e professor universitário Diogo Ramada Curto em depoimento ao PÚBLICO, acrescentando: “O que equivale a dizer, de modo ainda mais sucinto, que o debate em torno de Vieira e da sua obra não foi inventado por nós, nem data da inauguração da estátua no cimo da Rua da Misericórdia.”

A canonização, digamos assim, da figura e da obra de Padre António Vieira, que nasceu em Lisboa em 1608 e viria a morrer em 1697, aos 89 anos, em Salvador da Bahia, no Brasil, a então colónia portuguesa que se tornara a sua terra desde tenra idade (ali chegou pela primeira vez com os pais aos seis anos), é um mau serviço que prestamos à sua vida e ao seu tempo. “A vida e a obra do Padre António Vieira, como a de Camões, Eça ou Pessoa, comporta muitas dimensões, tantas vezes em contradição umas com as outras. No caso de Vieira, homem de acção, nos planos político e religioso, essas contradições são ainda mais flagrantes do que em outros grandes escritores portugueses”, destaca Diogo Ramada Curto.

José Eduardo Franco, historiador que, juntamente com Pedro Calafate, foi responsável pelo projecto Vieira Global, no âmbito do qual foi publicada a obra completa de Vieira em 30 volumes, descreve o missionário como alguém que atravessou toda a sua vida em “tensão interior”, dividido “entre a sua vocação fundamental, ser jesuíta e missionário fiel aos ideais do Evangelho, fazendo dos seus sermões um eco de revolta, uma tribuna de pregação altamente crítica dos poderes instituídos, e o seu compromisso diplomático para com o Estado português e pela consecução do projecto político de Portugal [após a Restauração, em 1640]”.

Para o historiador, qualquer acusação de racismo que seja lançada a Vieira é desajustada da realidade. “Totalmente inadequada. Num dos sermões mais emblemáticos, que ele prega à Confraria dos Pretos da Bahia [que reunia em associação população negra escravizada ou já livre], faz uma forte crítica às condições laborais do trabalho escravo e compara o que os senhores faziam aos escravos ao que os fariseus e Pilatos fizeram a Cristo” – “Cristo despido, e vós despidos: Cristo sem comer, e vós famintos: Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo”, escreveu Vieira (Sermões, vol. XI, sermão XIV). Como escreveu também que a condição a que fora submetida a população negra se devia exclusivamente ao poder das armas, e não a qualquer superioridade cultural natural, como viria a ser advogado muito depois, no século XIX, por eugenistas de diversos impérios do Ocidente — “Entre os homens dominarem os Brancos aos Pretos é força, e não razão, ou natureza. Bem se vê, onde não tem lugar esta força, nem a cor é vencida dela”, lemos no sermão XX do Rosário, aquele em que afirma que, aos olhos de Deus, “cada um tem a cor do seu coração”. Vieira também exerceria a sua influência para que, em 1655, fosse aprovada a liberdade de todos os índios — com excepções, naturalmente: podiam ser escravizados os aprisionados em “guerra justa”, quer com os portugueses ou entre si, ou aqueles que impedissem a pregação do Evangelho.

Em relação aos escravos vindos de África, porém, nunca a sua libertação foi advogada pelo missionário. Entra em cena a figura de Vieira enquanto diplomata, homem de relações privilegiadas com a corte portuguesa. “Vieira era um missionário e tinha um ideal evangélico em que todos tinham as mesmas condições de dignidade como filhos de Deus”, diz José Eduardo Franco. Tal valeu-lhe fortes críticas e muita hostilidade por parte dos colonos portugueses no Brasil, e também a animosidade de muitos em Portugal, onde pregava em defesa da população judia expulsa e se opunha ao termo discriminatório cristão-novo. “Ao mesmo tempo”, continua José Eduardo Franco, “era um político, e pretendia apoiar D. João IV na recuperação do império na sequência da Restauração. E, naquela época, toda a economia de todas as potências europeias era baseada no trabalho escravo”. A sociedade ideal de Vieira — “sem escravatura”, assevera o historiador — colidia com a realidade do seu presente histórico. “Perante ela, defendeu que deviam melhorar-se as condições do trabalho escravo, mas que não era possível acabar com o sistema, porque colocava Portugal em desvantagem.”

Negros por índios
No congresso internacional Vieira – O Tempo e os seus Hemisférios, que decorreu na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa, quando do quarto centenário do nascimento de Padre António Vieira (e cujas actas foram publicadas em livro pela Colibri, em 2011), Maria do Rosário Pimentel descreveu de forma esclarecedora a ambiguidade da posição de Vieira. “Como poderia o pregador pôr directamente em causa a mão-de-obra escrava, base da economia colonial? Como poderia ir contra o discurso oficial, sem ser de forma ambígua? Como poderia a missão evangélica concretizar-se sem a ajuda da autoridade civil e pondo em causa o próprio sistema colonial? Não era com o rendimento daqueles ‘açúcares livres de direitos’, resultante do trabalho do africano, que os missionários custeavam o seu trabalho, salvavam a alma do índio, vestiam e curavam o seu corpo, ensinavam a utilizar ferramentas? Não era com a escravidão que o africano resgatava a sua alma juntamente com a do índio das missões? Isto é, não servia a escravidão o fim último da libertação do índio e do negro?”.

Encontramos as palavras de Pimentel no texto Vieira e a Escravatura: ‘Cativeiro Temporal’ e ‘Liberdade Eterna'. O título alude à forma como o missionário resolveu em si aquela terrível contradição. Pedia à metrópole que fizesse chegar ao Maranhão, onde desenvolvia actividade missionária juntos dos índios, escravos vindos de Angola, dado que os colonos locais não tinham condições financeiras para os adquirir – escravos que eram necessários para atenuar a pressão sobre os índios que os colonos exerciam em busca de mão-de-obra gratuita. Aos escravos, pregava, por sua vez, a bondade e a submissão perante os seus senhores, pregava que se entregassem aos desígnios incompreensíveis de Deus, que os colocara naquela situação. Pregava que sofressem agora, pelo tempo limitado da sua vida, pois que depois chegaria a liberdade eterna. Aos seus senhores, não condenava a condição servil a que condenavam outros seres humanos, mas pedia-lhes que os tratassem bem, pois também nisso residiria a sua salvação. “Tende-os, cristãos, e tende muitos, mas tende-os de modo que eles ajudem a levar a vossa alma ao céu, e vós as suas”, concluía um dos seus sermões.

Tudo pesado, devemos mergulhar naquela que será, porventura, a mais profunda motivação de Vieira. “Será que o projecto da Companhia de Jesus de criação de aldeias a que os índios seriam reduzidos, para serem catequizados e doutrinados, era equivalente à sua libertação?”, questiona retoricamente Diogo Ramada Curto. “Em sentido inverso, será que o projecto de fazer entrar o Maranhão no circuito do tráfico de escravos do Atlântico era de iniciativa dos jesuítas, em geral, e de Vieira, em particular? A resposta a ambas as questões é, obviamente, negativa. Penso, aliás, que em ambos os casos o que está em causa é o espírito de missão de Vieira. O que ele pretendia era que todos – a começar pelos colonos e a terminar nas populações do Maranhão ou dos escravos africanos que por razões económicas lá não chegavam – fossem acolhidos pela Igreja Católica.”

Vendo-o desde este tempo que é o nosso, Ramada Curto defende que aquilo que mais sobressai na obra de Vieira “é a sua capacidade para conjugar a oratória com a prática da missionação, sem descurar a negociação política”. Recorda, porém, “pelo simples facto de causar estranheza e nos obrigar a reflectir sobre a distância”, em que consistia “o elogio das suas virtudes” 30 anos após a sua morte”, retirado de um “manuscrito inédito da Biblioteca Nacional”. Ali se homenageava essencialmente o homem devoto e a forma como se entregava à sua devoção. “A saber, a sua prodigiosa memória dos santos padres e autores que lera em moço, uma vida de privações, em especial quando trocou o serviço na corte para passar ao Maranhão.” E, ainda, “o seu amor pela Companhia de Jesus que o impediu de aceitar os cargos que lhe propunha D. João IV, o que representava desprezo pelas glórias terrenas; e, ainda, a sua devoção mariana traduzida na prática diária de rezar pelo Rosário durante uma hora.”

O abrir de uma ferida
A vandalização de uma estátua é um acto violento, mas sobretudo simbólico. Pode ser o início de uma nova discussão, o começo de uma redescoberta, o abrir de uma ferida. A representação escolhida para a homenagem no Largo Trindade Coelho, inspirada na gravura que abre a biografia de Vieira escrita por André de Barros e publicada em 1746, provou desde o início não ser consensual.

“No século XXI devíamos preservar um lugar de memória, aspirando a valores pedagógicos. Eu optaria por uma estatuária diferente”, considera José Eduardo Franco. Recorda um dos sermões de Vieira, em que este equipara o seu trabalho missionário ao labor do escultor que, “da pedra informe, extrai um homem novo, um santo”. Seria assim a estátua de Vieira que imaginou, a de “um homem que, através da palavra, se trabalhou e modelou para ser melhor; que fez nascer homens novos”.

Diogo Ramada Curto discorda “das políticas comemorativas que adoptam quase sempre o estilo de pregar aos devotos, já convertidos”. No caso em apreço, tanto se distancia “dos que sentiram necessidade de recorrer à grande figura de Vieira para impor o valor dos seus cenóbios”, como “daqueles que condenam nele o facto de não ter antecipado a sua suposta tolerância tão abolicionista, quanto anacrónica”. Remata: “Que os nossos combates pela igualdade e pela liberdade não sirvam para criar tabus e empobrecer a nossa cultura. A ambos os lados, recomendo a leitura de Vieira.”

tp.ocilbup@sepol.oiram

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