CORONAVÍRUS
Futuro da CP entre o aumento de dívida e as ajudas
públicas da covid-19
Empresa perdeu 20 milhões de euros por mês devido à crise
do Covid e está com os cofres vazios. Governo aponta ao endividamento, mas
Comissão Europeia autoriza ajudas estatais.
Carlos Cipriano 1
de Junho de 2020, 20:42
“Se há para a
TAP, por que não há para nós?”. Esta tem sido umas das frases mais ouvidas na
CP, desde a administração aos sindicatos, a propósito da dramática situação
financeira a que a empresa chegou devido à quebra na procura motivada pelo
confinamento.
Ao contrário de
outros operadores de transportes, que pararam as frotas e puseram os
trabalhadores em layoff, a empresa pública manteve a sua actividade com quebras
de receitas que ultrapassaram em muito a redução da oferta. A CP reduziu, em
média, a sua operação para 75% do habitual (em algumas linhas suburbanas voltou
quase aos 100% poucos dias depois para evitar aglomerações nas horas de ponta),
mas a procura ficou abaixo dos 10%, tendo havido comboios a circular quase
vazios durante várias semanas.
A CP perdeu 20
milhões de euros por mês desde Março e está novamente sem dinheiro para pagar
salários. Até Abril usou os resultados da conta de gerência de 2019 (que não
ficaram cativados), mas agora a falência técnica é um facto consumado e em Maio
teve que optar por pagar aos trabalhadores em detrimento dos fornecedores.
Enquanto empresa
pública, a CP não pode receber ajudas do Estado porque isso viola os princípios
da livre concorrência à luz dos ditames de Bruxelas. Para isso existem os
contratos de serviço público entre os operadores ferroviários e o Estado em que
ambas as partes acordam os serviços prestados e o respectivo pagamento.
Mas no caso
português, contrato de serviço público que foi assinado em Novembro e deveria
ter entrado em vigor a partir de 1 de Janeiro “bateu na trave” do Tribunal de
Contas que o devolveu à CP e ao Governo com dúvidas para esclarecer. As
perguntas foram respondidas e o documento andou a saltar da CP para o
Ministério das Infraestruturas e deste para o das Finanças onde repousou
durante alguns meses antes de ser reenviado para o Tribunal de Contas.
Mas na semana
passada, perante mais dúvidas dos juízes do Tribunal de Contas, o contrato de
serviço público foi novamente devolvido à CP e às tutelas sectorial e
financeira.
A transportadora
pública ficou assim num limbo – não pode receber, como antigamente,
indemnizações compensatórias pontuais do Estado porque existe agora um contrato
de serviço público que deve ser respeitado. Mas que não está a vigorar.
Até há pouco
tempo a situação era suportável porque as receitas de bilheteira da CP davam
para pagar os salários e aos fornecedores. Mas a crise da covid-19 veio piorar
tudo com a empresa a sofrer um rombo financeiro de 60 milhões de euros por ter
assegurado um serviço público quando a procura era quase inexistente. Chegou a
haver Alfas Pendulares entre Lisboa e Porto com dois passageiros a bordo.
O contrato de
serviço público previa que a CP recebesse cerca de 90 milhões de euros em 2020,
o que significa que se estivesse em vigor, até Junho a empresa deveria poder
receber 45 milhões de euros. Só que a empresa já foi informada que o contrato
não produz efeitos retroactivos.
Perante esta
situação o Governo apontou o caminho de mais endividamento à CP, mas esta já
tem uma gigantesca dívida de 2,1 mil milhões de euros, que deveria ter sido
saneada no âmbito do contrato com o Estado, o qual prevê que a empresa deveria
começar “a zeros” quando iniciasse a contratualização do serviço público.
As ajudas
excepcionais do Estado são a solução preferida pela administração da empresa,
que está renitente em aumentar uma dívida que já custa mais de 39 milhões de
euros de juros por ano. Até porque, outras empresas de bandeira congéneres
preparam-se também para receber indemnizações compensatórias dos seus governos
como é o caso da BD, da SNCF e da Renfe.
A Comissão
Europeia, entretanto, veio a admitir a excepcionalidade da situação para
autorizar os estados membros a ajudar os seus caminhos-de-ferro.
Num documento da
Comissão Europeia, a que o PÚBLICO teve acesso, pode ler-se que “na sua decisão
de 12 de Março de 2020 relativa a um regime de auxílios estatais na Dinamarca,
a Comissão concluiu que o surto de covid-19 constitui uma ‘ocorrência
excepcional’ para a finalidade do artigo 107 [que enquadra ajudas públicas em
casos excepcionais ou desastres naturais]. Em termos de jurisprudência, apenas
os danos que tenham uma causa directa ligada à ocorrência excepcional, neste
caso o surto de covid-19, podem ser compensados por ajudas públicas”.
Assim, “os
Estados-Membros podem compensar as empresas por danos causados pela crise do
COVID-19, nomeadamente receitas perdidas, desde que notifiquem a Comissão sobre
a medida de apoio prevista, fazendo prova adequada do dano sofrido, bem como da
causalidade directa entre a ocorrência excepcional e os danos provocados”.
No que diz
respeito especificamente à ferrovia, “são consideradas algumas medidas que
podem contribuir para dar algum alívio financeiro ao sector ferroviário. É o
caso da possibilidade de introduzir regimes de auxílios à utilização da
infra-estrutura, em particular através de reembolsos da taxa de utilização
(portagem ferroviária) ou para reduzir ou reembolsar as taxas de energia”.
O PÚBLICO tem,
desde Março, vindo a perguntar ao Ministério das Finanças como será assegurado
o financiamento da CP enquanto não vigora o contrato de serviço público, mas
nunca obteve resposta.
O Conselho de
Administração da CP reuniu-se esta sexta-feira numa viagem de comboio pela
linha do Douro a bordo de uma carruagem VIP que saiu atrelada a uma composição
regular às 7h25 de Campanhã.
O objectivo desta
viagem entre o Porto e o Pocinho foi chamar a atenção para o potencial
turístico da linha do Douro num ano em que aquela região e o país deverão
contar sobretudo com o turismo interno durante os períodos de férias. Em
paralelo, a CP pretende também promover a sua carruagem VIP (um veículo com sala
para reuniões, equipamentos de apoio e um grau de conforto superior) que pode
ser alugada para viagens de grupo. Excursões de particulares ou empresas,
viagens que misturem negócios com lazer, ou simplesmente grupos de amigos ou
associações estão na mira da CP para rentabilizar esta carruagem que pode
circular em qualquer linha do país.
COMBOIOS
Maioria dos investimentos na ferrovia não vai aumentar
velocidade dos comboios
Setenta anos depois, uma idêntica abordagem persiste nos
mesmos erros.
Projectos do
Ferrovia 2020, em que estão a ser gastos 2000 milhões, são pensados sobretudo
para o transporte de mercadorias e não contemplam a diminuição dos tempos de
trajecto dos comboios de passageiros, mantendo as mesmas velocidades de há 20
anos.
Carlos Cipriano
28 de Maio de 2020, 6:38
A
Infra-estruturas de Portugal prevê um investimento de 32 milhões de euros para
modernizar a Linha do Algarve, que até já tem sinalização automática e está
electrificada num pequeno troço entre Tunes e Faro. O objectivo é electrificá-la
na sua totalidade, mas entre Tunes e Lagos esta “modernização” vai deixar os
comboios a circular à velocidade máxima de 90km/hora, tal como há 60 anos.
Este é apenas um
exemplo que se repete por todo o país. Os planos da IP para modernizar a rede ferroviária
nacional assentam sobretudo na electrificação das vias e na instalação de
sistemas modernos de sinalização e telecomunicações, mas ignoram correcções de
traçado na infra-estrutura que permitam aumentar as velocidades dos comboios.
Ainda no Algarve,
entre Vila Real de Sto. António e Faro, onde seria possível de forma
relativamente fácil aumentar a velocidade nas rectas, os comboios circulam hoje
à velocidade máxima de 120km/hora e assim continuarão depois de a catenária ser
instalada e as velhas automotoras a diesel serem substituídas por composições
eléctricas.
Apesar disso, a
velocidade comercial aumentará, porque os comboios eléctricos têm mais poder de
aceleração e de frenagem, mas este efeito poderia ser conjugado com
intervenções na via férrea que permitiriam potenciar uma maior rapidez nas
viagens.
A Linha do Norte
é outro exemplo. Um terço da principal linha férrea do país continua por
modernizar, coexistindo troços onde se circula a 220km/hora com outros a 120
km/hora. Mas a intervenção da Infra-estruturas de Portugal para este eixo
ferroviário limita-se a pouco mais do que uma manutenção pesada, isto é, a
substituir carris, travessas e balastro por materiais novos sem qualquer
impacto no aumento da velocidade.
O troço Ovar-Gaia
é o que está em pior estado na Linha do Norte e as obras previstas, que deverão
custar perto de 70 milhões de euros, vão aumentar a segurança e a fiabilidade
da circulação dos comboios. Mas estes vão continuar a circular limitados aos 120km/hora
e a 140km/hora (160km/hora para os pendulares).
O resultado é
que, para os comboios mais rápidos (intercidades e alfa pendulares) a viagem
entre Lisboa e Porto continuará a ser um rally ferroviário com constantes
acelerações e reduções de velocidade, que fazem consumir energia, desgastam o
material e não deixam tirar partido do seu potencial de rapidez.
Recuperar o tempo perdido
Na Linha da Beira
Alta, o próprio documento do Ferrovia 2020 é explícito: uma das razões para
investir 500 milhões de euros na linha que vai para a Guarda e Vilar Formoso é
“eliminar restrições de velocidade e recuperação dos tempos de trajecto dos
serviços de passageiros de longo curso”.
Isto quer dizer
que os comboios já foram mais rápidos nesta linha, mas a degradação da
infra-estrutura obrigou a reduzir a velocidade, penalizando o tempo de
percurso. A modernização, que está neste momento em fase de concurso público,
pretende repor (e não aumentar) as velocidades anteriores.
Não surpreende
assim que em 2013 o Intercidades Lisboa-Guarda demorasse 4h10 a ligar as duas
cidades e hoje demore 4h21. No entretanto, chegou a demorar a 4h30 devido à
degradação da infra-estrutura (e também ao aumento do número de paragens nas
estações).
Mas estas
questões são colaterais para o grande desígnio do Ferrovia 2020 que, herdado do
PETI 3+ do Governo de Passos Coelho, visa sobretudo aumentar a capacidade da
rede ferroviária para a circulação de comboios de mercadorias.
É o que vai
acontecer na Beira Baixa, entre a Covilhã e a Guarda. Esta linha está fechada
desde 2009 e deverá reabrir no fim deste ano. As obras, com um investimento
previsto de 85 milhões de euros, não contemplam qualquer aumento de velocidade
para além do que advém do uso de comboios eléctricos. Mesmo na secção com um traçado
mais fácil, entre Caria e Belmonte, onde estes 11 quilómetros poderiam ser
percorridos a 120km/hora sem grande incremento do investimento, a velocidade
máxima vai continuar nos 90km/hora.
O mesmo aconteceu
entre Caíde e Marco de Canaveses, onde se gastaram 17,2 milhões de euros sem
qualquer aumento de velocidade. Após obras que se arrastaram durante anos e
levaram mesmo ao encerramento da linha durante quatro meses, esta reabriu
electrificada, mas com os comboios a circular limitados às velocidades de 80 e
90km/hora.
Situação idêntica
acontece na Linha do Minho, que já está electrificada até Viana do Castelo, mas
cujo traçado não foi rectificado para aumentar velocidades. Neste caso, ainda
nem sequer foi instalada sinalização automática e a exploração continua a ser
feita totalmente dependente de meios humanos.
O aumento da
rapidez dos comboios de passageiros e a coesão territorial estão ausentes do
Ferrovia 2020. As mercadorias são o primeiro objectivo dos investimentos e se o
tráfego de passageiros ficar a ganhar será por acréscimo. É o caso do
Évora-Elvas (470 milhões de euros), que a própria IP admite ser uma linha de
alta velocidade, porque estará parametrizada para velocidades de 250km/hora,
resultado de se ter aproveitado o traçado do projecto do TGV do tempo do
Governo de Sócrates.
Mas só se
aproveitou isto. A aproximação a Elvas – que nem terá uma estação de
passageiros – é feita à velocidade
máxima de 130km/hora e entre Évora e Évora Norte a velocidade máxima é de
100km/hora.
Desde Lisboa, um
comboio para Badajoz (ou para Madrid) circulará a 60km/hora até ao Pragal, a
120km/hora (com alguns momentos a 160) até Coina, a 160km/hora até ao Pinhal
Novo, a 60km/hora para atravessar a estação de Pinhal Novo, a 220km/hora até ao
Poceirão, a 120km/hora até Casa Branca, a 200km/hora até Évora, a 100km/hora
até Évora Norte e depois 250km/hora até Elvas.
Um verdadeiro
rally devido à falta de planeamento para homogeneizar as velocidades e porque o
que verdadeiramente importa são as mercadorias.
O aumento da
velocidade dos comboios portugueses está, assim, comprometido na maioria das
linhas, porque, no futuro, qualquer tentativa para melhorar o traçado obriga a
novas obras e à deslocalização dos postes da catenária. Entre o acréscimo de
investimento actual para aumentar as velocidades e a realização desse objectivo
mais tarde vai uma diferença abissal.
No primeiro caso
beneficia-se de economias de escala, porque a obra se faz num único momento; no
segundo é necessário um novo projecto, um novo estaleiro, novas obras, novas
interrupções do serviço e alterar o que já foi feito aquando da electrificação.
Esta situação não
é nova na ferrovia nacional. O início da electrificação da rede ferroviária
portuguesa em 1956 enfermou dos mesmos erros. A Linha do Norte precisava nessa
altura de uma modernização da infra-estrutura. O bom senso aconselhava que se
procedesse a um investimento integrado que melhorasse o traçado a par da
electrificação, mas a opção foi colocar apenas os postes, a catenária e
sistemas de energia associados – um erro que durante décadas se pagaria caro
pela ineficiência da exploração numa infra-estrutura que não permitia utilizar
plenamente as maiores capacidades dos comboios eléctricos.
Setenta anos
depois, uma idêntica abordagem persiste nos mesmos erros.
Um alargado debate e consenso nacional
O PÚBLICO
perguntou à IP por que motivo o aumento das velocidades não constituiu uma
prioridade nos investimentos ferroviários e se esta filosofia se manterá nos
projectos do PNI 2030, mas a empresa limitou-se a responder que os
investimentos em curso “resultaram de um alargado debate e consenso nacional em
torno dos investimentos previstos e dos objectivos por eles preconizados,
designadamente no que toca à potenciação do tráfego de mercadorias”.
A IP dá conta da
electrificação da rede ferroviária, “na instalação de sinalização interoperável
em mais de 500 quilómetros de linhas e na eliminação de reduções de velocidade
e aumento da fiabilidade da infra-estrutura”. Estes investimentos “permitem o
aumento das velocidades comerciais praticadas pelos operadores ferroviários,
sendo especialmente relevante a redução de tempos de percurso possibilitada
pela nova ligação Évora-Caia, pelas electrificações das linhas do Algarve,
Oeste (neste caso também relevante a construção de quase 20 quilómetros de
desvios activos), Douro e Minho e pela supressão de limitações de velocidade
nas linhas do Norte e Beira Alta”.
Por sua vez, a
CP, em resposta a perguntas do PÚBLICO, diz que o aumento das velocidades
máximas “potencia o incremento da capacidade da infra-estrutura, bem como a
melhoria da velocidade comercial, que se traduz pela redução do tempo de
viagem”.
tp.ocilbup@onairpic.solrac
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