Coronavírus: a oportunidade de um futuro climate-smart
Precisamos de uma geração de engenheiros de minas e
geólogos virada para o futuro, que seja climate-smart e capaz de responder aos
grandes desafios que se avizinham no período pós-pandemia.
Leonardo Azevedo
Pofessor Auxiliar
do Departamento de Engenharia Civil, Georrecursos e Arquitectura do Instituto
Superior Técnico e investigador do Centro de Recursos Naturais e Ambiente.
6 de Maio de
2020, 9:08
A pandemia global
que atravessamos desafia-nos diariamente, deixa marcas e exige em simultâneo o
melhor de cada indivíduo e da sociedade. Aquele que é possivelmente o “maior
desafio da minha geração” é, também, um momento único que permitiu abrir a
porta a um futuro difícil de imaginar e que põe em causa a generalidade dos
modelos adoptados para descrever a nossa vida.
Nos primeiros
quatro meses de 2020, assistimos a uma diminuição drástica das emissões de
dióxido de carbono para a atmosfera, estimada em cerca de 25% só na China, e
um melhoramento generalizado da qualidade do ar nas cidades em que vivemos.
Acções essenciais para um combate efectivo à crise climática que também
atravessamos e não parou. A economia global entrou num estado de dormência
generalizado, resultando na perda de milhões de postos de trabalho em todo o
mundo e no colapso das grandes cadeias de gestão logística. Neste mesmo
período, a produção e consumo de combustíveis fósseis e derivados caiu
abruptamente, levando atrás o valor do barril do petróleo nos principais
mercados internacionais. Assistimos a um dia sem precedentes na história dos
mercados financeiros, onde o barril de petróleo foi negociado com valores
negativos na bolsa de Nova Iorque e atingiu os 15 dólares na bolsa de Londres.
O outro lado da
porta deixa-nos ver que o actual modelo económico e de consumo associado à
exploração desenfreada de recursos naturais e a um crescimento ilimitado é
pouco resiliente a momentos de crise, acentua desigualdades e desprotege os que
mais necessitam de ajuda. Estamos, portanto, numa situação privilegiada para
repensar e redesenhar uma sociedade mais justa, com uma distribuição de
riqueza mais igualitária e que faça uma gestão inteligente dos recursos
naturais existentes. Foi esta uma das mensagens chave do Secretário-Geral da
Nações Unidas, António Guterres, no Dia Internacional da Terra, celebrado a
22 de Abril.
Esta pequena
janela de oportunidade deve servir para repensar a nossa relação com os
recursos naturais e chamar à linha da frente conceitos centrais como
geociências climate-smart e economia circular. Há mais vida para além da
necessidade óbvia de aliviar a dependência em combustíveis fósseis, mais
poluentes, e de apostar em fontes de energia renováveis mais limpas. Estas
permitem não só mitigar as emissões de CO2 para a atmosfera como se mostram
capazes de lidar com a actual crise. Como exemplo, o investimento internacional
em parques eólicos offshore terá sido, para já, pouco afectado. Do outro
lado da moeda está a necessidade de alimentar estas tecnologias de ponta com
recursos minerais que escasseiam na natureza e estão localizados ambientes
geológicos complexos. A sua extracção e produção de forma sustentável
terá obrigatoriamente de incluir uma rigorosa monitorização das operações
em tempo real sob a insígnia Climate-Smart Mining: Minerals for Climate
Action, de forma a minimizar impactes ambientais. Mas para um futuro mais verde
precisamos de fazer mais.
Estima-se que em
toda a Europa existam mais de 500 mil aterros por identificar e caracterizar.
Este é um passo necessário e que tem de ser considerado para proteger e
recuperar solos já contaminados, que representam um risco para as comunidades.
Mas estes depósitos antropogénicos são também uma oportunidade como fonte
de recursos naturais raros necessários para a transição energética que
tanto desejamos. A potencial exploração destes recursos de forma equilibrada
permitirá a sua re-introdução na economia, contribuindo positivamente para a
implementação global de uma economia circular.
Estes dois
simples exemplos mostram a necessidade de colocar as ciências da terra no
centro da decisão. Precisamos de uma geração de engenheiros de minas e
geólogos virada para o futuro, que seja climate-smart e capaz de responder aos
grandes desafios que se avizinham no período pós-pandemia.
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