“Não tenho a menor
dúvida de que um governo de gestão seria péssimo para o país. Mas
se ele tiver de ser o preço a pagar para impedir o sequestro do voto
dos portugueses durante quatro anos, Cavaco não deve hesitar. Sendo
péssimo, o governo de gestão tem esta inestimável vantagem:
garante eleições daqui a cinco meses. Se o acordo da esquerda for
apenas um logro e uma palhaçada para português ver, António Costa
não pode ser primeiro-ministro.”
JOÃO MIGUEL TAVARES
Quem
tem medo de um governo de gestão?
JOÃO MIGUEL TAVARES
03/11/2015 - PÚBLICO
Sendo
péssimo, o governo de gestão tem esta inestimável vantagem:
garante eleições daqui a cinco meses.
Se o governo da
coligação cair no Parlamento na próxima semana, Cavaco Silva deve
convidar António Costa para formar governo. Mas o que ele não deve
fazer, porque seria uma traição ao seu mandato, é entregar as
chaves do Palácio de São Bento em troca de um acordo a cair da
tripeça. O acordo da esquerda não pode ser um Frankenstein
keynesiano-leninista colado a cuspo. O acordo da esquerda não pode
ser uma fraude intelectual. O acordo da esquerda não pode ser um
discurso de Miss Universo, composto em exclusivo por parágrafos
intumescidos de piedade pelos pobrezinhos e suspiros por um mundo
melhor.
Se o acordo da
esquerda for apenas um conjunto de intenções mal-enjorcadas e de
promessas não-contabilizadas, sem metas concretas para o défice e
ignorando o caderno de encargos que o próprio presidente da
República deixou inscrito no seu último discurso (nomeadamente o
respeito pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento e o cumprimento do
Tratado Orçamental), Cavaco Silva não pode, de forma alguma, dar o
seu aval a tal projecto de governo, ainda que ele venha a tilintar
com o apoio maioritário do Parlamento.
A razão é simples.
Se é verdade que não compete ao presidente da República definir o
programa de governo, compete-lhe sem dúvida alguma impedir que três
partidos – e muito em particular o PS – possam sequestrar no
parlamento os votos dos portugueses. Existe certamente alguma
elasticidade para os partidos poderem desviar-se dos seus
compromissos eleitorais e de, em função dos resultados e da própria
realidade, ensaiaram algumas aproximações que não haviam sido
explicitamente contempladas durante a campanha – daí eu considerar
que o PS tem inteira legitimidade para procurar acordos à sua
esquerda. Mas, como é óbvio, têm de ser colocados limites a essa
elasticidade e àquilo que os deputados do PS podem fazer com os seus
votos. Não vale tudo. Em troca de um projecto de poder, um partido
não pode implodir todo o seu programa eleitoral e as promessas mais
básicas que fez ao povo português – e que passam, desde logo, por
um orçamento equilibrado e pelo cumprimento escrupuloso dos limites
do défice, que ninguém percebe como podem ser alcançados com mais
despesa e menos impostos. Deitarmo-nos com António Costa e
acordarmos com Jeremy Corbyn é ir longe demais. Cavaco Silva está
lá para o impedir.
Aliás, depois de
ter andado a fazer-se de morto durante o consulado de José Sócrates,
Cavaco não pode voltar a fazer-se de morto durante o pré-consulado
de António Costa. Se vivemos num regime semipresidencial, é
precisamente para que o presidente possa exercer os seus poderes em
momentos como este, resistindo a uma parlamentarização radical do
regime, que não seria outra coisa se não uma partidarização
absoluta do sistema político português, com 230 deputados
devidamente cerceados pela disciplina de voto a marcharem à voz do
dono. Ainda que essa voz estivesse a sabotar, por razões puramente
estratégicas, o mandato que lhe foi confiado.
Não tenho a menor
dúvida de que um governo de gestão seria péssimo para o país. Mas
se ele tiver de ser o preço a pagar para impedir o sequestro do voto
dos portugueses durante quatro anos, Cavaco não deve hesitar. Sendo
péssimo, o governo de gestão tem esta inestimável vantagem:
garante eleições daqui a cinco meses. Se o acordo da esquerda for
apenas um logro e uma palhaçada para português ver, António Costa
não pode ser primeiro-ministro.
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