Um
manual marxista-leninista para principiantes
PEDRO SOUSA CARVALHO
13/11/2015 - PÚBLICO
A
austeridade não é uma mania da direita e o alívio da austeridade
não é património da esquerda
O Governo de Passos
Coelho e de Paulo Portas caiu esta semana. É inacreditável, dizem
os descrentes. Os crentes, como Calvão da Silva, dirão que foi um
"act of God". É a democracia a funcionar, dirão uns. É a
ânsia de poder, dirão outros. A verdade é que o Governo caiu e,
segundo Telmo Correia, “caiu de pé”. E esperemos, para o bem do
país, que o novo não entre de cócoras. Para quem levou e deu tanta
pancada já é um milagre não ter saído de gatas. Na hora da
despedida, Passos Coelho merece que lhe seja feita uma pequena
homenagem, nem que seja condicional: se é verdade que os socialistas
vão acabar com toda a austeridade de uma assentada, e mesmo assim o
défice não vai derrapar, é porque alguma coisa terá feito este
Governo.
Nestes quatro anos
de austeridade, muitos terão ficado pelo caminho e importa
acudi-los. Algures, a meio do caminho, Passos Coelho deixou-se
embevecer por uma retórica calvinista e por uma visão punitiva da
austeridade. Mas o “que se lixem as eleições” do líder do PSD
também foi importante num determinado momento da História deste
país, em que tínhamos de escolher entre ser celtas ou ser gregos.
Escolhemos ser celtas e conseguimos equilibrar as nossas contas
públicas e evitar um segundo resgate. Mas, como bons lusitanos que
somos, vemo-nos agora gregos para prosseguir o caminho dos celtas.
Há alguns mitos que
temos de deixar pelo caminho de uma vez por todas: um deles é que a
disciplina orçamental é incompatível com o crescimento. A Irlanda,
que também passou por um ajustamento agressivo parecido com o nosso,
cresceu 5% no ano passado e este ano voltará a crescer 6%. A Grécia,
segundo a Comissão Europeia, vai continuar em recessão. O outro
mito que importa desmontar é que a austeridade é uma mania da
direita e que o alívio da austeridade é património da esquerda.
Com o que Passos
Coelho não contava na sua caminhada é que António Costa, depois de
ser derrotado a 4 de Outubro, utilizasse a sua máxima do “que se
lixem as eleições” para lhe roubar o poder. Agora, ao que tudo
indica, vamos ter um governo do PS com o apoio do PCP, Bloco e
Verdes, que esta semana assinaram acordos de governação. Chamar
àquelas folhas acordos é um manifesto exagero, porque os documentos
não têm ponta por onde se lhe pegue, nem na forma nem no conteúdo.
Os comunistas, que aprovaram o acordo por uma “unanimidade
informal” (seja lá o que isso quer dizer), nem sequer esconderam o
embaraço. Não quiseram aparecer na fotografia de família da
esquerda, e o Comité Central do PCP enviou instruções específicas
aos socialistas para que a cerimónia protocolar fosse organizada de
uma forma “sequencial com momentos individualizados” (seja lá o
que isso quer dizer). A direcção do PS terá tido bastante
dificuldade em descodificar a mensagem. Um destes dias vai precisar
de comprar um manual marxista-leninista para principiantes para
continuar o diálogo com os comunistas.
A cerimónia lá se
fez à porta fechada, imaginamos “sequencial” e “com momentos
individualizados”, só com um fotógrafo oficial para registar o
episódio que é, sem dúvida, histórico. Manuel Alegre terá
derramado uma lágrima e Cavaco Silva terá chorado baba e ranho.
Para quem pediu tanto e teve tão pouco, é caso para ficar agastado.
O acordo que a
esquerda vai mostrar a Belém está a milhas de garantir o tal
governo estável, consistente e duradouro pedido pelo Presidente da
República. O PCP e o Bloco não vão para o governo, o que é um
sinal de instabilidade. O acordo nem sequer faz uma referência ao de
leve aos tratados europeus, o que é um sinal de inconsistência. E
não dá a António Costa a garantia de que pelo menos um único
Orçamento seja aprovado, o que é um sinal de pouca durabilidade.
Quando há uma
semana Cavaco Silva exigiu que o Governo respeitasse o PEC, o "Six
Pack" ou o "Two Pack", não estava a falar de rappers
ou de bandas de heavy metal; estava a falar de compromissos
internacionais com os quais Portugal se comprometeu e que este acordo
à esquerda dá poucas garantias de vir a honrar. O PCP e o Bloco dão
suporte ao Governo para o alívio da austeridade (e mesmo aqui não
se entendem sobre o ritmo de reposição dos cortes ou da descida da
sobretaxa de IRS), mas não dão respaldo nenhum caso seja necessário
apertar o cinto. Nesse caso, como é que se equilibram as contas
públicas? Pode ser que o tal manual marxista-leninista para
principiantes tenha lá a explicação.
Eventualmente,
António Costa estará a contar com a boa vontade do PSD e CDS-PP
para essas alturas de aperto, mas esta semana Paulo Portas foi
cristalino: “Não venha depois pedir socorro.” O
vice-primeiro-ministro em gestão, no dia em que o seu Governo foi
derrubado, veio mostrar-se contra aquilo que chama “bebedeira de
medidas” à esquerda, alertando que “as bebedeiras têm um só
problema: chama-se ressaca”. Portas fala do acordo à esquerda como
se estivesse a falar de uma Cuba Libre que mistura a Coca-Cola dos
socialistas com o rum dos comunistas. E já ficou claro que a direita
não será uma espécie de Guronsan político de António Costa.
Perante tudo isso, o
que deve fazer Cavaco Silva? Não sei.
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