O
fim da hegemonia da Alemanha
11 Novembro 2015,
20:00 por Daniel Gros
Sem ninguém notar,
o equilíbrio interno do poder na Europa tem vindo a mudar. A posição
dominante da Alemanha, que parecia absoluta desde a crise financeira
de 2008, está a enfraquecer gradualmente – com implicações de
longo alcance para a União Europeia.
Claro que, de uma
certa perspectiva, o simples facto de as pessoas acreditarem que a
Alemanha é forte reforça o estatuto do país e a sua posição
estratégica. Mas as pessoas vão começar a perceber que o principal
impulsor dessa percepção – que a economia da Alemanha continua a
crescer, enquanto a maioria das economias da Zona Euro passou por uma
recessão prolongada – representa uma circunstância excepcional,
que brevemente desaparecerá.
Em 12 dos últimos
20 anos, a taxa de crescimento da Alemanha foi menor do que a média
dos outros três grandes países da Zona Euro (França, Itália e
Espanha). Embora o crescimento alemão se tenha destacado durante o
período pós-crise, como mostra o gráfico, o Fundo Monetário
Internacional prevê que ele caia abaixo da média desses três
países - e muito abaixo da média da Zona Euro, que inclui os países
de rápido crescimento da Europa Central e de Leste - dentro de cinco
anos.
Sem dúvida que a
Alemanha ainda tem algumas vantagens aparentes. Mas uma análise mais
atenta mostra que essas vantagens não são tão positivas como
parecem.
Para começar, a
Alemanha está próxima do pleno emprego - em nítido contraste com
as taxas de desemprego de dois dígitos que prevalecem em grande
parte da Zona Euro. Mas a combinação de pleno emprego e baixas
taxas de crescimento aponta para um problema subjacente: um
crescimento muito lento da produtividade. Acrescente-se a isso um
conjunto cada vez menor de trabalhadores capazes de satisfazer as
necessidades do mercado de trabalho alemão - a população do país
está a envelhecer, e os refugiados que chegam não possuem as
habilitações necessárias - e a economia alemã parece condenada a
um longo período de fraca performance.
Outra vantagem
aparente são as grandes reservas financeiras da Alemanha, que não
só funcionaram com uma almofada durante a crise, como também
conferiram ao país uma considerável influência política. Já que
os fundos alemães eram indispensáveis para socorrer a periferia da
Zona Euro, o país tornou-se central para todos os esforços de
resolução da crise.
Foi necessário o
consentimento da Alemanha para criar a "união bancária"
da Europa, que implicava a transferência dos poderes de supervisão
para o Banco Central Europeu e a criação de um fundo para a
resolução dos bancos considerados insolventes. E a resistência
alemã contribuiu para um atraso na intervenção do BCE nos mercados
de obrigações; quando o BCE lançou finalmente o seu programa de
compra de títulos, fê-lo com a aprovação tácita da Alemanha.
Mas agora que as
taxas de juro estão em zero, as grandes economias da Alemanha já
não têm grande vantagem. E com a tempestade financeira a acalmar, a
Alemanha carece de novas oportunidades para demonstrar a sua
influência política, tanto dentro como fora da Zona Euro.
De facto, enquanto a
Alemanha - devido ao seu profundo envolvimento nas economias da
Europa Central e Oriental - foi um jogador-chave nos acordos de Minsk
para pôr fim ao conflito na Ucrânia, tem pouca influência, por
outro lado, nos países do Médio Oriente que estão a atrair as
atenções de todo o mundo, actualmente. Embora muitos tenham
destacado a liderança política da Alemanha na crise de refugiados,
a realidade é que ser empurrado para a linha da frente dessa crise,
sem ter muita influência sobre os factores a impulsionam, está a
colocar uma grande pressão sobre o país. A Alemanha vê-se agora,
pela primeira vez, na posição de ter que pedir solidariedade aos
seus parceiros da União Europeia, já que não consegue absorver
todos os refugiados, sozinha.
Contudo, como é
habitual, as percepções estão atrasadas face à realidade, o que
significa que a Alemanha ainda é amplamente reconhecida como a força
mais poderosa da Zona Euro. Mas, com o ciclo de negócios global a
acelerar o retorno da Alemanha para a "velha normalidade",
a mudança de poderes na Europa vai tornar-se cada vez mais difícil
de ignorar.
A Alemanha, que
exporta um grande volume de bens de investimento, beneficiou mais do
que outros países da Zona Euro da expansão do investimento na China
e noutras economias emergentes. Mas o crescimento das economias
emergentes está agora a abrandar consideravelmente, incluindo na
China, onde a procura está a mover-se do investimento para o
consumo. Isso tende a minar o crescimento alemão e a beneficiar os
países do sul da Europa, que exportam mais bens de consumo.
A mudança nas
dinâmicas do poder económico e político da Europa deverá ter um
impacto importante sobre o funcionamento da UE - e especialmente da
Zona Euro. Por exemplo, sem uma Alemanha forte para impor restrições
orçamentais na Zona Euro e forçar a implementação de reformas
estruturais difíceis, mas necessárias, os países podem perder a
motivação para fazer o que é necessário para garantir a equidade
e estabilidade a longo prazo. Se a inflação continuar baixa, o BCE
pode sentir-se mais livre para implementar novas rondas de estímulos
monetários, colocando ainda mais em causa os objectivos orçamentais.
Em suma, podemos
estar a caminhar em direcção a uma política económica menos
"germânica" na Zona Euro. Embora isso possa aumentar a
popularidade da UE na periferia, poderá, por outro lado, aumentar a
resistência à adesão à UE na Alemanha - um país que, apesar do
declínio da sua força económica, continua a ser uma peça
importante do puzzle da integração.
Daniel Gros é
director do Centro de Estudos Políticos Europeus.
Direitos de Autor:
Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita
Faria
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