“Quem
hoje quiser arrendar um T0 em São Francisco terá de pagar, em
média, 4000 dólares (3632 euros) por mês”
ROBERT
GALBRAITH/REUTERS
Airbnb
está debaixo de fogo em São Francisco, a casa em que nasceu
ALEXANDRE MARTINS
03/11/2015 - 07:59
Proposta
para endurecer a lei de arrendamento de curto prazo vai ser votada
esta terça-feira pelos eleitores. A principal visada é a empresa
Airbnb, que foi fundada na cidade.
Depois de a polémica
entre taxistas e motoristas associados a empresas como a Uber ter
chegado a quase todos os cantos do planeta, há uma nova batalha em
preparação no mundo da chamada "economia de partilha". O
epicentro é a cidade norte-americana de São Francisco, e o alvo é
uma empresa da casa – esta terça-feira, os eleitores vão decidir
se o arrendamento através de sites como o Airbnb deve ter regras
muito mais rígidas, no meio de uma discussão mais alargada sobre os
preços astronómicos da habitação naquela cidade.
Em causa está a
Proposta F, também conhecida como "Lei Airbnb", por visar
claramente a empresa fundada em São Francisco em 2008, e que está
hoje avaliada em 25 mil milhões de dólares (quase 23 mil milhões
de euros). Através do site da empresa, milhões de pessoas em
milhares de cidades de 190 países arrendam os seus apartamentos,
moradias, quartos e garagens – mas também castelos, iglus e ilhas
– por períodos de tempo curtos, de alguns dias a poucas semanas.
Se a proposta for
aprovada, só será possível arrendar um espaço através de sites
como o Airbnb num máximo de 75 dias por ano, independentemente de o
proprietário viver nesse espaço ou noutro sítio qualquer. Segundo
a lei em vigor em São Francisco, aprovada no ano passado, é
possível arrendar 90 dias por ano quando o proprietário não vive
no espaço, e não há nenhum limite se o proprietário for um dos
habitantes da casa.
Para além disso, os
proprietários terão de entregar relatórios trimestrais às
autoridades da cidade, para fazerem prova dos dias em que arrendaram
a casa, e (numa proposta ainda mais polémica) para provarem que eles
próprios estiveram em casa durante esses dias – para que as
autoridades saibam se a pessoa vive ou não vive nessa casa.
Se a proposta for
aprovada, os vizinhos num raio de 30 metros podem apresentar uma
queixa aos serviços de habitação, e têm ainda o direito a seguir
para tribunal se esses serviços considerarem que não houve nenhuma
violação da lei. Esta discussão assumiu uma importância especial
em São Francisco porque as leis aprovadas através de propostas e
referendos só podem ser alteradas da mesma forma (convocando uma
nova consulta popular), e não por decisão política.
Crise de habitação
A Uber e a Airbnb
são apenas duas das muitas empresas que surgiram na última década
com os olhos postos em sectores tradicionais, mas aproveitando e
fomentando uma abordagem diferente – a chamada "economia de
partilha", em que qualquer pessoa pode fornecer serviços a
terceiros utilizando os meios que já tem à sua disposição, com a
ajuda de sites que dão visibilidade a esses serviços a troco de uma
percentagem do negócio.
Tal como no caso da
Uber, a actividade da Airbnb está a ser discutida de forma isolada –
país a país, cidade a cidade –, e no caso de São Francisco a
discussão não pode ser desligada dos preços praticados no mercado
imobiliário, tanto no arrendamento como na venda.
De acordo com os
números mais recentes, 58% das casas na área metropolitana de São
Francisco custam pelo menos um milhão de dólares (908 mil euros),
uma percentagem que duplicou nos últimos cinco anos. Quem quiser
arrendar um T0 na cidade, terá de pagar, em média, 4000 dólares
(3632 euros) por mês.
Os autores da
Proposta F (uma iniciativa cidadã com apoio e fundos dos sindicatos
dos restaurantes e hotéis de São Francisco, e da Associação de
Hotéis de Nova Iorque) defendem a necessidade de apertar a lei
essencialmente por duas razões: porque as casas e os quartos que são
arrendados por curtas temporadas através de sites como o Airbnb
deixam menos casas e quartos disponíveis para quem quer viver na
cidade; e porque os bairros estão a perder a sua identidade, com o
entra-e-sai de pessoas, transformando blocos de apartamentos em
autênticos hotéis.
Os críticos da
proposta (apoiada e financiada na quase totalidade pela Airbnb, que
gastou na campanha pelo "não" mais de oito milhões de
dólares, o equivalente a mais de sete milhões de euros) usam o
mesmo argumento dos preços no mercado imobiliário para defenderem o
contrário dos seus opositores – precisamente porque custa muito
dinheiro morar em São Francisco, os proprietários aproveitam a
chegada de sites como o Airbnb para aumentarem os seus rendimentos e,
dessa forma, poderem continuar a viver na cidade.
A única sondagem
disponível dá uma vantagem de 16 pontos percentuais à vitória do
"Não", contra a Proposta F. Mas esse estudo, conduzido por
uma empresa independente, foi encomendado pela campanha a favor do
"Não" e pago pela Airbnb.
Para além disso, a
recente contratação de Chris Lehane, um antigo consultor de Bill
Clinton que ajudou a gerir os escândalos Whitewater e Monica
Lewinsky, mostra que a empresa está a encarar esta votação como um
assunto de vida ou de morte – não como algo que possa pôr em
causa a sua subsistência a curto prazo, já que São Francisco é
apenas um detalhe na sua actividade global, mas como o início de uma
bola de neve que pode tornar-se imparável.
"Eles não
querem dar a ideia aos reguladores ou aos activistas comunitários de
que podem enfrentar a Airbnb", disse à agência Reuters Henry
Harteveldt, fundador do Atmosphere Research Group, uma empresa que
analisa e avalia o sector do turismo.
Mas para os críticos
da proposta, a ideia de que o reforço da legislação sobre o
arrendamento de curto prazo vai resolver o problema imobiliário em
São Francisco é "um conto de fadas".
"É uma das
partes mais decepcionantes da Proposta F. De uma forma enganosa,
afirma que enfrenta a crise de habitação. Mas a crise de habitação
não vai desaparecer por causa desta proposta. Milhares de
apartamentos não ficam disponíveis de um momento para o outro",
disse ao jornal Los Angeles Times Patrick Hannan, director da
campanha pelo "Não".
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