Depois
das boas-vindas, refugiados enfrentam hostilidade crescente na Suécia
GRIFF WITTE
03/11/2015 - PÚBLICO
A
crescente popularidade dos Democratas Suecos, de extrema-direita, é
mais um capítulo da reacção negativa que se tem feito sentir um
pouco por toda a Europa em relação à crise migratória.
Os refugiados
jantaram à luz das velas e depois deixaram que os seus corpos
gelados e cansados se moldassem aos sofás de veludo, enquanto
partilhavam azeitonas, tâmaras e pãezinhos de canela.
Omar Hassan passou
os olhos pelo ambiente acolhedor – o resultado de horas de esforço
de voluntários, para que os recém-chegados se sintam em casa na sua
primeira noite na Suécia – e sentiu que estava em casa.
“As pessoas na
Suécia são muito boas”, disse Hassan, de 34 anos, acabado de
chegar de uma viagem de 6500 quilómetros desde o seu Iraque. “Quero
fazer a minha vida aqui.”
Mas, por trás da
recepção calorosa, começa a fermentar uma reacção muito
diferente em relação aos refugiados na Suécia. Neste país
escandinavo famoso pelas suas políticas progressistas e pelo seu
sentido de cidadania infalivelmente cortês, um partido com raízes
nas franjas neofascistas passou para o topo das mais recentes
sondagens, com uma mensagem desafiadora e hostil em relação aos
refugiados: os que estão a caminho da Suécia não devem entrar, e
muitos do que já estão no país devem voltar para casa.
A crescente
popularidade dos Democratas Suecos, de extrema-direita, é mais um
capítulo da reacção negativa que se tem feito sentir um pouco por
toda a Europa, à medida que o continente se debate com uma crise de
refugiados que bateu todos os registos mais recentes e que não dá
mostras de abrandar. O impacto pode ser visto em país atrás de
país, com os partidos de extrema-direita a acusarem as autoridades
de serem permissivas em relação à entrada dos que fogem de guerras
e perseguições para tentarem encontrar uma vida na Europa.
A fúria contra o
influxo de refugiados está a alimentar cada vez mais os actos de
violência, como aconteceu no no final de Outubro com um ataque
racista a uma escola que deixou um professor e um aluno mortos e com
o fogo posto a duas escolas que estavam a ser transformadas em
abrigos. Na cidade alemã de Colónia, uma das candidatas à
presidência da câmara e aliada da chanceler Angela Merkel foi
esfaqueada no pescoço por um homem a quem as autoridades atribuíram
“motivos anti-estrangeiros”.
Entretanto, a
reacção negativa está já a reflectir-se nas sondagens. Na
Áustria, o Partido da Liberdade alcançou a sua maiori vitória em
eleições autárquicas este mês, enquanto na Suíça, no domingo, o
ultraconservador Partido do Povo Suíço venceu com clareza com uma
campanha contra o “caos dos asilos”. Na Polónia, um partido
nacionalista cujo líder tem alertado que os refugiados vão trazer
“parasitas” e “cólera” para a Europa deverá ganhar aos
centristas, no poder, nas eleições do próximo domingo. Os índices
de aprovação de Angela Merkel têm caído à medida que a Alemanha
abre as portas a números históricos de refugiados. O
primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, só tem saído reforçado
com a sua política de fechar a fronteira com vedações de arame
farpado.
“Em termos de
popularidade, os verdadeiros vencedores desta crise são quase
exclusivamente os da extrema-direita”, concluiu a consultora
Eurasia numa investigação publicada recentemente.
Mas o fenómeno é
talvez mais espantoso na Suécia. O país tem recebido mais
refugiados per capita do que qualquer outro na Europa nos últimos
anos, e a elogiada resposta humanitária sempre foi motivo de orgulho
para todos os partidos.
Mas agora os
Democratas Suecos estilhaçaram esse consenso – e estão a colher
os frutos políticos. “Temos de fazer passar a mensagem de que as
pessoas que pretendem entrar aqui não são bem-vindas”, disse
Markus Wiechel, de 27 anos, responsável pela pasta da Imigração na
bancada parlamentar do partido.
Como o próprio
Wiechel admite, esta declaração tê-lo-ia tornado num pária social
há apenas alguns anos. Mas hoje os Democratas Suecos são tratados
como “salvadores”, devido às suas advertências de que os
refugiados vão destruir as finanças do país e envenenar a cultura
sueca com pobreza, crime e uma religião estrabgeira. “Tudo mudou”,
disse Wiechel, com o cabelo puxado para trás e olhos a arder de
intensidade. “Somos mais aceites do que nunca.”
As sondagens
confirmam-no: estudos publicados no final deste Verão mostram que o
partido está a emergir para se tornar no mais popular da Suécia.
Números mais recentes colocam os Democratas Suecos um pouco mais
abaixo, mas ainda assim muito acima dos 13% que conquistou nas
eleições legislativas do ano passado.
O crescimento do
partido tem posto pressão sobre o governo de centro-esquerda para a
aprovação de medidas mais duras em relação aos refugiados. Numa
entrevista, o ministro da Justiça e das Migrações, Morgan
Johansson, insistiu que o governo não irá sucumbir às exigências
da extrema-direita, defendendo a política do país de portas abertas
tanto como uma necessidade humanitária como um benefício para o
país, que precisa de trabalhadores qualificados.
“Não vemos os
refugiados apenas como um peso. Estas pessoas são mais-valias para a
Suécia”, disse o ministro.
Nos limites
Ainda assim, também
admitiu que o país está a chegar ao limite do que pode fazer, e
poderá ver-se forçado a apertar as suas políticas perante o
influxo deste ano, que deverá levar para a Suécia mais de 150.000
migrantes à procura do estatuto de refugiados, num país com menos
de dez milhões de habitantes. O total é quase o dobro do registado
no ano passado, e ultrapassa em larga margem o anterior recorde de
84.000 pedidos de asilo, que foi registado em 1992 durante as guerras
nos Balcãs.
O ritmo das novas
chegadas tem acelerado dramaticamente no último mês, chegando a
10.000 por semana, e forçando o governo a adoptar medidas
desesperadas para cumprir as suas promessas de conceder habitação
aos refugiados desde o primeiro dia em que pedem protecção.
Uma família a quem
teria sido entregue um apartamento em Estocolmo se tivesse chegado ao
país no ano passado, é hoje enviada de autocarro para uma
localidade remota a Norte do Círculo Árctico, ou alojada numa
cadeia transformada em habitação.
À medida que até
estas medidas começam a revelar-se difíceis de executar, o
primeiro-ministro autorizou recentemente a agência de migração do
país a alojar requerentes de asilo em cidades de tendas, num momento
em que a temperatura na Escandinávia começa a descer
vertiginosamente.
“Quando recebíamos
3500 pessoas por semana, os nossos planos já estavam a ficar
curtos”, disse Mikael Ribbenvik, director de operações no
Conselho das Migrações sueco, o órgão do governo responsável por
tratar os pedidos de asilo. “Mas agora estamos muito para além
disso.”
Ribbenvik, um
responsável que aparece frequentemente na televisão sueca para
explicar a política de asilo, disse que já sentiu pessoalmente a
reacção negativa do país em relação aos refugiados. Chega-lhe na
forma de ameaças de morte, escritas ao estilo das antigas notas de
pedidos de resgate, com cada palavra recortada de um jornal.
“A sociedade está
a mudar. Está a mudar num sentido profundo, e algumas pessoas têm
problemas em lidar com isso”, disse Mikael Ribbenvik.
Os Democratas Suecos
têm beneficiado dessas apreensões – e têm-se também alimentado
delas. O partido tem tentado distanciar-se das suas raízes nas teses
da supremacia branca, que remontam à década de 1980. Em vez disso,
tem salientado o peso dos refugiados sobre o generoso sistema de
Segurança Social, e pede ao governo que aumente a ajuda externa em
vez de aceitar mais pedidos de asilo.
Mas o partido
continua a lutar contra alegações de racismo e preconceito contra o
islão. Recentemente cortou relações com a sua juventude partidária
devido às aproximações do grupo ao neofascismo. Um dos
responsáveis da mais recente, e comparativamente mais moderada ala
jovem do partido, Dennis Dioukarev, de 22 anos, disse numa entrevista
que as mesquitas devem ser banidas na Suécia, e que o islão é
incompatível com a cultura sueca.
“A liberdade de
religião não significa que se pode construir mesquitas e manter uma
forma agressiva do islão, onde se reza aos gritos”, disse
Dioukarev, que é o membro mais jovem do Parlamento sueco. “Quando
as pessoas dizem que uma cultura pode viver lado a lado com outra,
isso é mentira.”
Entretanto, na
mesquita...
Mas a menos de um
quilómetro do gabinete de Dioukarev no Parlamento, estava em curso
uma acção que desafiava o seu ponto de vista. Na Mesquita Central
de Estocolmo e na adjacente Igreja Katarina, voluntários estavam
ocupados a prepararem as boas-vindas ao mais recente grupo de
refugiados.
Há várias semanas
que líderes de mesquitas e igrejas vêm coordenando esforços para
proporcionar aos recém-chegados um sítio para comer, para tomar
banho e para dormir. Na mesquita, passam a noite no tapete verde da
sala de orações. O coro da igreja disponibilizou a sua sala de
ensaios, que está recheada com dezenas de colchões. Tanto a igreja
como a mesquita têm sido inundadas com doações e voluntários.
Antes de se terem
aliado, o vicário Olle Carlsson tinha sido avisado de que a mesquita
era “um local de terroristas”. “Mas isto tem-nos ajudado a
olharmos uns para os outros. Trabalhamos em conjunto.” Para Omar
Mustafa, presidente da Associação Islâmica da Suécia, a parceria
é emblemática do que espera ser um renascimento do humanitarismo
sueco – uma espécie de reacção negativa contra a reacção
negativa.
“A sociedade sueca
está polarizada. As pessoas racistas estão a tornar-se mais
racistas. E os restantes estão a tornar-se mais transparentes na sua
oposição ao racismo”, disse Mustafa, cuja família fugiu para a
Suécia do Líbano quando ele era apenas um bebé. “Aquilo a que
estamos a assistir agora é que os 80% do povo que não apoiam os
Democratas Suecos já não ficam calados. Estão a responder com
acções.”
Exclusivo
PÚBLICO/The Washington Post
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