Lula, o 25 de Abril e a direita portuguesa
O PSD, enquanto grande partido de governação, tem aqui
uma boa oportunidade para se demarcar da visão democrática iliberal
bolsonarista apoiada pelo Chega.
Marina Costa Lobo
19 de Abril de
2023, 6:36
https://www.publico.pt/2023/04/19/opiniao/opiniao/lula-25-abril-direita-portuguesa-2046590
Atualmente,
existe uma clivagem política que diz respeito a visões distintas sobre a
natureza das democracias. Essa clivagem é fraturante para a direita partidária
nas democracias consolidadas. Seja na América de Trump, na Hungria de Orbán ou
no Brasil de Bolsonaro, nas últimas décadas têm surgido líderes de direita
populista que pugnam por uma democracia iliberal, minando contrapoderes como o
poder judicial, enfraquecendo os media, desvalorizando os direitos das
minorias.
Nessa luta pela
definição do que é aceitável num governo que foi eleito democraticamente,
Bolsonaro distinguiu-se pelo enfraquecimento do poder judicial e dos media,
pela descredibilização do processo eleitoral e pelo ataque aos direitos das
mulheres e das minorias, a par de uma militarização do poder.
Fazendo face ao
iliberalismo protagonizado por Bolsonaro, Lula – que não é um líder sem mácula,
tendo inclusivamente sido preso por ligações a esquemas de corrupção –
efetivamente representou nestas eleições brasileiras a defesa da democracia
liberal.
É essa faceta de
Lula que terá levado ao convite para que viesse a Portugal nestas celebrações
do 25 de Abril. É certo que o Brasil enquanto grande país do Sul Global não
comunga da visão da NATO sobre a Ucrânia, tendo Lula recentemente apelado a uma
cedência de ambas as partes e culpando a NATO pela evolução da situação. Ficar
admirado com isso só prova o eurocentrismo de muitas cabeças. O resto do mundo
não está particularmente entusiasmado com nenhuma das partes no conflito e isso
não é uma particularidade de Lula.
Não quer isto
dizer que se apoiem as afirmações de Lula sobre a invasão da Ucrânia. É claro
que as autoridades portuguesas e os partidos responsáveis da oposição devem
afirmar com firmeza todos os argumentos que nos levam a estar do lado da
Ucrânia neste conflito, e porque é tão necessário continuar a contribuir para o
esforço de defesa deste país, incluindo para defender as democracias europeias
hoje. Mas se este posicionamento leva a IL a rejeitar a vinda de Lula ao
Parlamento, isso constitui uma oportunidade para o PSD se afirmar como o único
partido responsável da direita.
O convite a Lula
continua a fazer sentido, porque este representa a defesa da democracia liberal
hoje, quando se trata de a defender internamente. Por isso a política
brasileira recente deve servir para distinguir entre partidos de direita: o
PSD, enquanto grande partido de governação, tem aqui uma boa oportunidade para
acolher Lula e demarcar-se da visão democrática iliberal bolsonarista apoiada
pelo Chega.
Na verdade, na
democracia portuguesa, houve sempre uma clivagem importante além da
esquerda-direita que condicionou o sistema partidário e os governos que se
formaram entre 1976-2015, sobre a natureza do regime democrático. Só que até
recentemente esta clivagem não dividia a direita. Antes dividia a esquerda, com
o PS a defender um modelo democrático multipartidário liberal para Portugal,
que incluía a adesão à então CEE, enquanto o PCP defendia um modelo socialista
de cariz basista, anti-NATO e fora da CEE/UE. Essas divergências foram um fator
muito importante para que o PS e o PCP nunca se tivessem coligado nas primeiras
décadas da democracia portuguesa. O que restava dessa clivagem terminou aquando
da formação do governo da "geringonça" em 2015.
Agora o líder do
PSD, que recentemente traçou uma linha vermelha em relação ao Chega, poderia
reforçá-la, adiantando que, além de não querer pactuar com líderes racistas e
xenófobos, também não o fará com políticos que defendem uma visão iliberal da
democracia. Tal como o PS soube fazê-lo nos anos 70 e 80, o PSD deve agora
fazer a defesa da democracia liberal que, no caso brasileiro, foi protagonizada
por Lula nas últimas eleições presidenciais.
Assim, o PSD tem
uma ocasião de se demarcar quer do Chega quer da IL, ficando do lado certo da
barricada em relação à grande questão que divide a direita quanto à natureza
das democracias hoje e destacando-se enquanto partido responsável de
governação.
A autora escreve
segundo o novo acordo ortográfico
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