sexta-feira, 21 de abril de 2023

Lula, o 25 de Abril e a direita portuguesa

 



 OPINIÃO

Lula, o 25 de Abril e a direita portuguesa

 

O PSD, enquanto grande partido de governação, tem aqui uma boa oportunidade para se demarcar da visão democrática iliberal bolsonarista apoiada pelo Chega.

 

Marina Costa Lobo

19 de Abril de 2023, 6:36

https://www.publico.pt/2023/04/19/opiniao/opiniao/lula-25-abril-direita-portuguesa-2046590

 

Atualmente, existe uma clivagem política que diz respeito a visões distintas sobre a natureza das democracias. Essa clivagem é fraturante para a direita partidária nas democracias consolidadas. Seja na América de Trump, na Hungria de Orbán ou no Brasil de Bolsonaro, nas últimas décadas têm surgido líderes de direita populista que pugnam por uma democracia iliberal, minando contrapoderes como o poder judicial, enfraquecendo os media, desvalorizando os direitos das minorias.

 

Nessa luta pela definição do que é aceitável num governo que foi eleito democraticamente, Bolsonaro distinguiu-se pelo enfraquecimento do poder judicial e dos media, pela descredibilização do processo eleitoral e pelo ataque aos direitos das mulheres e das minorias, a par de uma militarização do poder.

 

Fazendo face ao iliberalismo protagonizado por Bolsonaro, Lula – que não é um líder sem mácula, tendo inclusivamente sido preso por ligações a esquemas de corrupção – efetivamente representou nestas eleições brasileiras a defesa da democracia liberal.

 

É essa faceta de Lula que terá levado ao convite para que viesse a Portugal nestas celebrações do 25 de Abril. É certo que o Brasil enquanto grande país do Sul Global não comunga da visão da NATO sobre a Ucrânia, tendo Lula recentemente apelado a uma cedência de ambas as partes e culpando a NATO pela evolução da situação. Ficar admirado com isso só prova o eurocentrismo de muitas cabeças. O resto do mundo não está particularmente entusiasmado com nenhuma das partes no conflito e isso não é uma particularidade de Lula.

 

Não quer isto dizer que se apoiem as afirmações de Lula sobre a invasão da Ucrânia. É claro que as autoridades portuguesas e os partidos responsáveis da oposição devem afirmar com firmeza todos os argumentos que nos levam a estar do lado da Ucrânia neste conflito, e porque é tão necessário continuar a contribuir para o esforço de defesa deste país, incluindo para defender as democracias europeias hoje. Mas se este posicionamento leva a IL a rejeitar a vinda de Lula ao Parlamento, isso constitui uma oportunidade para o PSD se afirmar como o único partido responsável da direita.

 

O convite a Lula continua a fazer sentido, porque este representa a defesa da democracia liberal hoje, quando se trata de a defender internamente. Por isso a política brasileira recente deve servir para distinguir entre partidos de direita: o PSD, enquanto grande partido de governação, tem aqui uma boa oportunidade para acolher Lula e demarcar-se da visão democrática iliberal bolsonarista apoiada pelo Chega.

 

Na verdade, na democracia portuguesa, houve sempre uma clivagem importante além da esquerda-direita que condicionou o sistema partidário e os governos que se formaram entre 1976-2015, sobre a natureza do regime democrático. Só que até recentemente esta clivagem não dividia a direita. Antes dividia a esquerda, com o PS a defender um modelo democrático multipartidário liberal para Portugal, que incluía a adesão à então CEE, enquanto o PCP defendia um modelo socialista de cariz basista, anti-NATO e fora da CEE/UE. Essas divergências foram um fator muito importante para que o PS e o PCP nunca se tivessem coligado nas primeiras décadas da democracia portuguesa. O que restava dessa clivagem terminou aquando da formação do governo da "geringonça" em 2015.

 

Agora o líder do PSD, que recentemente traçou uma linha vermelha em relação ao Chega, poderia reforçá-la, adiantando que, além de não querer pactuar com líderes racistas e xenófobos, também não o fará com políticos que defendem uma visão iliberal da democracia. Tal como o PS soube fazê-lo nos anos 70 e 80, o PSD deve agora fazer a defesa da democracia liberal que, no caso brasileiro, foi protagonizada por Lula nas últimas eleições presidenciais.

 

Assim, o PSD tem uma ocasião de se demarcar quer do Chega quer da IL, ficando do lado certo da barricada em relação à grande questão que divide a direita quanto à natureza das democracias hoje e destacando-se enquanto partido responsável de governação.

 

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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