quinta-feira, 20 de abril de 2023

Alerta na Europa: secas, incêndios e calor em 2022 revelam retrato “assustador” / Warning in Europe: droughts, fires and heat in 2022 reveal 'frightening' picture

 


ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Alerta na Europa: secas, incêndios e calor em 2022 revelam retrato “assustador”

 

A Europa viveu em 2022 o Verão mais quente de que há registo, com direito a grandes incêndios florestais, condições de seca e ondas de calor intensas, revela relatório anual do programa Copérnico.

 

Andréia Azevedo Soares

20 de Abril de 2023, 7:40

https://www.publico.pt/2023/04/20/azul/noticia/alerta-europa-secas-incendios-calor-2022-revelam-retrato-assustador-2046738

 

O ano passado foi um ano escaldante para a Europa: o continente testemunhou em 2022 o Verão mais quente de que há registo, com direito a diferentes fenómenos climáticos extremos, incluindo grandes incêndios florestais, condições de seca hidrológica e ondas de calor intensas. Estas são algumas das conclusões do relatório anual O Estado do Clima na Europa, divulgado esta quinta-feira pelo serviço do programa europeu Copérnico para as alterações climáticas.

 

O relatório apresenta dados que são, “de alguma forma, assustadores”, mas “é importante saber a verdade” para que se possa “agir e tomar as medidas adequadas”, afirmou Mauro Facchini, chefe da Observação da Terra na Direcção-Geral da Indústria e Espaço de Defesa da Comissão Europeia, durante a conferência de imprensa virtual para apresentar o relatório. “Basta ligar o televisor e ver os noticiários para testemunhar os efeitos das alterações climáticas”, constatou o responsável.

 

Em termos mundiais, os oito últimos anos foram os mais abrasadores, sendo 2022 o quinto mais quente de que há registo. Diferentes regiões do planeta testemunharam temperaturas recorde – e a Europa é um bom exemplo disso, tendo vivido o Verão mais quente de que há notícia, com 1,4 graus Celsius acima da média, e 0,3-0,4 graus Celsius acima do anterior Verão mais quente, registado precisamente no ano anterior.

 

A Europa é, aliás, o continente onde o termómetro está a subir mais rapidamente ao longo das últimas décadas: as temperaturas em solo europeu têm subido a um ritmo duas vezes mais rápido do que a taxa global. Há vários factores que contribuem para isso – os sistemas climáticos são sempre complexos e multifactoriais –, mas Rebecca Emerton, a autora principal do relatório, explicou que isto ocorre porque a maior parte da Europa é composta por território – e o solo aquece mais rapidamente do que as massas de água. “As dinâmicas atmosféricas também exercem influência”, explicou a cientista aos jornalistas, durante a conferência de imprensa virtual.

 

Grande parte da Europa ocidental experimentou ondas de calor em 2022. As temperaturas mais altas nessa parte do continente chegaram a patamares dez graus Celsius mais altos do que as temperaturas máximas típicas do Verão. As temperaturas no Reino Unido ultrapassaram a barreira dos 40 graus Celsius pela primeira vez. O Sul da Europa testemunhou um número recorde de dias com “stress térmico muito forte”. A temperatura média da superfície da água dos mares europeus foi a mais quente de sempre.

 

Estes cenários climáticos abriram espaço para combinações indesejadas: temperaturas mais altas do que o habitual que, conjugadas com a falta de chuva, agravaram os episódios de seca hidrológica na Europa. Esta conjuntura também favoreceu a multiplicação e a intensidade de incêndios. 2022 foi o ano em que os países europeus registaram a segunda maior área ardida desde que há registos. As emissões de carbono resultantes desses fogos no Verão foram as mais altas em 15 anos, com alguns países chegando mesmo a registar as maiores emissões em 20 anos.

 

“São tendências preocupantes”, disse Carlo Buontempo, director do Serviço Copérnico para as Alterações Climáticas, na mesma ocasião. A relação que temos hoje com a meteorologia e com o clima vai ser muito diferente daquela que terão os nossos descendentes, acredita o responsável, para quem é importante “tirar partido dos dados que somos capazes de reunir” para produzir mudanças.

 

Menos neve, solos secos

Há ainda o problema da seca, que tanto afligiu a Europa em 2022. Houve não só baixa precipitação ao longo do Verão, mas também singulares ondas de calor, dando origem a condições de seca prolongada que afectaram sectores como a agricultura, os transportes fluviais e a energia. Para Mauro Facchini, é importante planear e colocar em prática medidas de adaptação ligadas à gestão da escassez hídrica, como, por exemplo, a criação de “diferentes modos de armazenar água”.

 

A anomalia anual da humidade do solo foi a segunda mais baixa no último meio século (ainda que algumas áreas isoladas tenham apresentado em 2022 condições de humidade do solo maiores do que a média). Samantha Burgess, subdirectora daquele serviço do Copérnico, acrescentou que os países mediterrânicos – Portugal incluído – “tendem a continuar a enfrentar condições de seca esta Primavera e no Verão também”. “Os solos nos países mediterrânicos estão incrivelmente secos”, afirmou a cientista. “Muito provavelmente, vamos ter uma colheita agrícola reduzida este ano...”

 

No Inverno de 2021/2022, houve menos neve do que o habitual. Por outro lado, a chuva durante a Primavera também ficou abaixo da média em grande parte do continente. Esta combinação perigosa de pouca neve no Inverno e muito calor no Verão favoreceu uma perda recorde de gelo dos glaciares nos Alpes, algo equivalente a cinco quilómetros cúbicos. Durante a conferência de imprensa, Rebecca Emerton comparou este gigantesco volume de gelo à Torre Eiffel. Se colocarmos este cubo imaginário em Paris, veremos que ele teria 5,4 vezes a altura do monumento francês.

 

As duas regiões polares enfrentaram um aquecimento fora do habitual em 2022. O gelo no mar Antárctico atingiu a extensão mínima mais baixa registada em Fevereiro. No final do ano, a Gronelândia testemunhou um recorde de derretimento do manto de gelo, com pelo menos 23% da área total impactada durante uma das três ondas de calor registadas em Setembro.

 

No que toca ao Árctico, 2022 foi o sexto ano mais quente da região, sendo que Svalbard (a área norueguesa do Árctico) viveu o Verão mais quente de que há registo. Este degelo contribui, já sabemos, para a subida do mar. Os dados disponíveis para os últimos seis meses de 2022 mostram, em consonância com as previsões científicas, que o nível médio do mar continua a aumentar, tendo alcançado um novo recorde no ano passado.

 

O documento divulgado esta quinta-feira também avalia o potencial de geração de energia renovável na Europa. Em 2022, a Europa recebeu a maior quantidade de radiação solar de superfície em quatro décadas, o que aumentou a capacidade de gerar energia solar fotovoltaica. Já a a velocidade média anual do vento na Europa manteve a média dos últimos 30 anos. Rebecca Emerton frisou, contudo, que os autores do relatório valorizaram apenas o factor climático no capítulo das energias renováveis, descurando outros aspectos como a capacidade instalada.

 

No que toca à emissão de gases de efeito de estufa, o relatório indica que, em 2022, as concentrações médias anuais globais de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) atingiram os níveis mais altos alguma vez medidos por satélite.

 

“O último relatório-síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) adverte que estamos a ficar sem tempo e que o aquecimento global tem resultado em eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, como é o caso da Europa. Somente informações e dados precisos sobre o estado actual do clima nos podem ajudar a atingir as metas que estabelecemos. O relatório O Estado do Clima na Europa constitui uma ferramenta essencial para apoiar a União Europeia na agenda de adaptação climática e no compromisso de alcançar a neutralidade climática em 2050”, conclui Mauro Facchini, citado na nota de imprensa.


CLIMATE CHANGE

Warning in Europe: droughts, fires and heat in 2022 reveal 'frightening' picture

 

Europe experienced the hottest summer on record in 2022, with major forest fires, drought conditions and intense heat waves, according to the annual report of the Copernicus programme.

 

Andrea Azevedo

April 20, 2023, 07:40 AM

https://www.publico.pt/2023/04/20/azul/noticia/alerta-europa-secas-incendios-calor-2022-revelam-retrato-assustador-2046738

 

Last year was a scorching year for Europe: the continent witnessed in 2022 the hottest summer on record, with different extreme weather events, including large forest fires, hydrological drought conditions and intense heat waves. These are some of the conclusions of the annual report The State of the Climate in Europe, released this Thursday by the service of the European Copernicus programme for climate change.

 

The report presents data that is "somewhat frightening," but "it is important to know the truth" so that one can "act and take appropriate action," Mauro Facchini, head of Earth Observation at the European Commission's Directorate-General for Defense Industry and Space, said during the virtual press conference to present the report. "Just turn on the TV and watch the news to witness the effects of climate change," he said.

 

Globally, the last eight years have been the most scorching, with 2022 being the fifth-warmest on record. Different regions of the planet have witnessed record temperatures – and Europe is a good example of this, having experienced the hottest summer on record, with 1.4 degrees Celsius above average, and 0.3-0.4 degrees Celsius above the previous hottest summer, recorded precisely the previous year.

 

Europe is, in fact, the continent where the thermometer is rising the fastest over the last few decades: temperatures on European soil have been rising at twice the rate of the global rate. There are several factors contributing to this – climate systems are always complex and multifactorial – but Rebecca Emerton, the lead author of the report, explained that this is because most of Europe is made up of territory – and the soil warms faster than water bodies. "Atmospheric dynamics also exert an influence," she told reporters during the virtual press conference.

 

Much of western Europe experienced heatwaves in 2022. The highest temperatures in this part of the continent have reached levels ten degrees Celsius higher than the maximum temperatures typical of summer. Temperatures in the UK have crossed the 40 degrees Celsius barrier for the first time. Southern Europe witnessed a record number of days with "very strong heat stress". The average water surface temperature of European seas was the warmest ever.

 

These climate scenarios have opened space for unwanted combinations: higher than usual temperatures that, combined with the lack of rain, have aggravated the episodes of hydrological drought in Europe. This situation also favored the multiplication and intensity of fires. 2022 was the year in which European countries recorded the second largest area burned since there are records. Carbon emissions from these summer fires were the highest in 15 years, with some countries even recording the highest emissions in 20 years.

 

"These are worrying trends," Carlo Buontempo, director of the Copernican Service for Climate Change, said at the same time. The relationship we have today with meteorology and climate will be very different from that of our descendants, believes the official, for whom it is important to "take advantage of the data we are able to gather" to produce changes.

 

Less snow, dry soils

Then there is the problem of drought, which so afflicted Europe in 2022. There was not only low rainfall throughout the summer, but also unique heat waves, giving rise to prolonged drought conditions that affected sectors such as agriculture, river transport and energy. For Mauro Facchini, it is important to plan and implement adaptation measures linked to the management of water scarcity, such as the creation of "different ways of storing water".

 

The annual soil moisture anomaly was the second lowest in the last half century (although some isolated areas had higher than average soil moisture conditions in 2022). Samantha Burgess, deputy director of that Copernicus service, added that Mediterranean countries – Portugal included – "tend to continue to face drought conditions this spring and in the summer as well." "The soils in the Mediterranean countries are incredibly dry," she said. "Most likely, we're going to have a reduced agricultural harvest this year..."

 

In the winter of 2021/2022, there was less snow than usual. On the other hand, rainfall during the spring was also below average across much of the continent. This dangerous combination of little snow in winter and high heat in summer has led to a record loss of ice from glaciers in the Alps, equivalent to five cubic kilometres. During the press conference, Rebecca Emerton compared this gigantic volume of ice to the Eiffel Tower. If we place this imaginary cube in Paris, we will see that it would be 5.4 times the height of the French monument.

 

The two polar regions faced unusual warming in 2022. Ice in the Antarctic Sea reached the lowest minimum extent recorded in February. At the end of the year, Greenland witnessed a record melting of the ice sheet, with at least 23% of the total area impacted during one of the three heatwaves recorded in September.

 

As far as the Arctic is concerned, 2022 was the sixth warmest year in the region, with Svalbard (the Norwegian Arctic area) experiencing the hottest summer on record. This thaw contributes, as we already know, to the rise of the sea. The data available for the last six months of 2022 show, in line with scientific forecasts, that the average sea level continues to rise, having reached a new record last year.

 

The document released on Thursday also assesses the potential for renewable energy generation in Europe. In 2022, Europe received the highest amount of surface solar radiation in four decades, which increased the capacity to generate photovoltaic solar energy. The average annual wind speed in Europe has maintained the average of the last 30 years. Rebecca Emerton stressed, however, that the authors of the report valued only the climate factor in the chapter of renewable energy, neglecting other aspects such as installed capacity.

 

When it comes to greenhouse gas emissions, the report indicates that by 2022, global average annual concentrations of carbon dioxide (CO2) and methane (CH4) will reach the highest levels ever measured by satellite.

 

"The latest synthesis report of the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) warns that we are running out of time and that global warming has resulted in more frequent and intense extreme weather events, as is the case in Europe. Only accurate information and data on the current state of the climate can help us achieve the goals we have set. The State of the Climate in Europe report is an essential tool to support the European Union in the climate adaptation agenda and in the commitment to achieve climate neutrality by 2050," concludes Mauro Facchini, quoted in the press release.


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