ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
Alerta na Europa: secas, incêndios e calor em 2022
revelam retrato “assustador”
A Europa viveu em 2022 o Verão mais quente de que há
registo, com direito a grandes incêndios florestais, condições de seca e ondas
de calor intensas, revela relatório anual do programa Copérnico.
Andréia Azevedo
Soares
20 de Abril de
2023, 7:40
O ano passado foi
um ano escaldante para a Europa: o continente testemunhou em 2022 o Verão mais
quente de que há registo, com direito a diferentes fenómenos climáticos
extremos, incluindo grandes incêndios florestais, condições de seca hidrológica
e ondas de calor intensas. Estas são algumas das conclusões do relatório anual
O Estado do Clima na Europa, divulgado esta quinta-feira pelo serviço do
programa europeu Copérnico para as alterações climáticas.
O relatório
apresenta dados que são, “de alguma forma, assustadores”, mas “é importante
saber a verdade” para que se possa “agir e tomar as medidas adequadas”, afirmou
Mauro Facchini, chefe da Observação da Terra na Direcção-Geral da Indústria e
Espaço de Defesa da Comissão Europeia, durante a conferência de imprensa
virtual para apresentar o relatório. “Basta ligar o televisor e ver os
noticiários para testemunhar os efeitos das alterações climáticas”, constatou o
responsável.
Em termos
mundiais, os oito últimos anos foram os mais abrasadores, sendo 2022 o quinto
mais quente de que há registo. Diferentes regiões do planeta testemunharam
temperaturas recorde – e a Europa é um bom exemplo disso, tendo vivido o Verão mais
quente de que há notícia, com 1,4 graus Celsius acima da média, e 0,3-0,4 graus
Celsius acima do anterior Verão mais quente, registado precisamente no ano
anterior.
A Europa é,
aliás, o continente onde o termómetro está a subir mais rapidamente ao longo
das últimas décadas: as temperaturas em solo europeu têm subido a um ritmo duas
vezes mais rápido do que a taxa global. Há vários factores que contribuem para
isso – os sistemas climáticos são sempre complexos e multifactoriais –, mas
Rebecca Emerton, a autora principal do relatório, explicou que isto ocorre
porque a maior parte da Europa é composta por território – e o solo aquece mais
rapidamente do que as massas de água. “As dinâmicas atmosféricas também exercem
influência”, explicou a cientista aos jornalistas, durante a conferência de
imprensa virtual.
Grande parte da
Europa ocidental experimentou ondas de calor em 2022. As temperaturas mais
altas nessa parte do continente chegaram a patamares dez graus Celsius mais
altos do que as temperaturas máximas típicas do Verão. As temperaturas no Reino
Unido ultrapassaram a barreira dos 40 graus Celsius pela primeira vez. O Sul da
Europa testemunhou um número recorde de dias com “stress térmico muito forte”.
A temperatura média da superfície da água dos mares europeus foi a mais quente
de sempre.
Estes cenários climáticos
abriram espaço para combinações indesejadas: temperaturas mais altas do que o
habitual que, conjugadas com a falta de chuva, agravaram os episódios de seca
hidrológica na Europa. Esta conjuntura também favoreceu a multiplicação e a
intensidade de incêndios. 2022 foi o ano em que os países europeus registaram a
segunda maior área ardida desde que há registos. As emissões de carbono
resultantes desses fogos no Verão foram as mais altas em 15 anos, com alguns
países chegando mesmo a registar as maiores emissões em 20 anos.
“São tendências
preocupantes”, disse Carlo Buontempo, director do Serviço Copérnico para as
Alterações Climáticas, na mesma ocasião. A relação que temos hoje com a
meteorologia e com o clima vai ser muito diferente daquela que terão os nossos
descendentes, acredita o responsável, para quem é importante “tirar partido dos
dados que somos capazes de reunir” para produzir mudanças.
Menos neve, solos secos
Há ainda o
problema da seca, que tanto afligiu a Europa em 2022. Houve não só baixa
precipitação ao longo do Verão, mas também singulares ondas de calor, dando
origem a condições de seca prolongada que afectaram sectores como a
agricultura, os transportes fluviais e a energia. Para Mauro Facchini, é
importante planear e colocar em prática medidas de adaptação ligadas à gestão
da escassez hídrica, como, por exemplo, a criação de “diferentes modos de
armazenar água”.
A anomalia anual
da humidade do solo foi a segunda mais baixa no último meio século (ainda que
algumas áreas isoladas tenham apresentado em 2022 condições de humidade do solo
maiores do que a média). Samantha Burgess, subdirectora daquele serviço do
Copérnico, acrescentou que os países mediterrânicos – Portugal incluído –
“tendem a continuar a enfrentar condições de seca esta Primavera e no Verão
também”. “Os solos nos países mediterrânicos estão incrivelmente secos”,
afirmou a cientista. “Muito provavelmente, vamos ter uma colheita agrícola
reduzida este ano...”
No Inverno de
2021/2022, houve menos neve do que o habitual. Por outro lado, a chuva durante
a Primavera também ficou abaixo da média em grande parte do continente. Esta
combinação perigosa de pouca neve no Inverno e muito calor no Verão favoreceu
uma perda recorde de gelo dos glaciares nos Alpes, algo equivalente a cinco
quilómetros cúbicos. Durante a conferência de imprensa, Rebecca Emerton
comparou este gigantesco volume de gelo à Torre Eiffel. Se colocarmos este cubo
imaginário em Paris, veremos que ele teria 5,4 vezes a altura do monumento
francês.
As duas regiões
polares enfrentaram um aquecimento fora do habitual em 2022. O gelo no mar
Antárctico atingiu a extensão mínima mais baixa registada em Fevereiro. No
final do ano, a Gronelândia testemunhou um recorde de derretimento do manto de
gelo, com pelo menos 23% da área total impactada durante uma das três ondas de
calor registadas em Setembro.
No que toca ao
Árctico, 2022 foi o sexto ano mais quente da região, sendo que Svalbard (a área
norueguesa do Árctico) viveu o Verão mais quente de que há registo. Este degelo
contribui, já sabemos, para a subida do mar. Os dados disponíveis para os
últimos seis meses de 2022 mostram, em consonância com as previsões
científicas, que o nível médio do mar continua a aumentar, tendo alcançado um
novo recorde no ano passado.
O documento
divulgado esta quinta-feira também avalia o potencial de geração de energia
renovável na Europa. Em 2022, a Europa recebeu a maior quantidade de radiação
solar de superfície em quatro décadas, o que aumentou a capacidade de gerar
energia solar fotovoltaica. Já a a velocidade média anual do vento na Europa
manteve a média dos últimos 30 anos. Rebecca Emerton frisou, contudo, que os
autores do relatório valorizaram apenas o factor climático no capítulo das
energias renováveis, descurando outros aspectos como a capacidade instalada.
No que toca à
emissão de gases de efeito de estufa, o relatório indica que, em 2022, as
concentrações médias anuais globais de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4)
atingiram os níveis mais altos alguma vez medidos por satélite.
“O último
relatório-síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
(IPCC) adverte que estamos a ficar sem tempo e que o aquecimento global tem
resultado em eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, como é o caso
da Europa. Somente informações e dados precisos sobre o estado actual do clima
nos podem ajudar a atingir as metas que estabelecemos. O relatório O Estado do
Clima na Europa constitui uma ferramenta essencial para apoiar a União Europeia
na agenda de adaptação climática e no compromisso de alcançar a neutralidade
climática em 2050”, conclui Mauro Facchini, citado na nota de imprensa.
CLIMATE CHANGE
Warning in
Europe: droughts, fires and heat in 2022 reveal 'frightening' picture
Europe experienced the hottest summer on record in 2022,
with major forest fires, drought conditions and intense heat waves, according
to the annual report of the Copernicus programme.
Andrea Azevedo
April 20, 2023,
07:40 AM
Last year was a
scorching year for Europe: the continent witnessed in 2022 the hottest summer
on record, with different extreme weather events, including large forest fires,
hydrological drought conditions and intense heat waves. These are some of the
conclusions of the annual report The State of the Climate in Europe, released
this Thursday by the service of the European Copernicus programme for climate
change.
The report
presents data that is "somewhat frightening," but "it is
important to know the truth" so that one can "act and take
appropriate action," Mauro Facchini, head of Earth Observation at the
European Commission's Directorate-General for Defense Industry and Space, said
during the virtual press conference to present the report. "Just turn on
the TV and watch the news to witness the effects of climate change," he
said.
Globally, the
last eight years have been the most scorching, with 2022 being the
fifth-warmest on record. Different regions of the planet have witnessed record
temperatures – and Europe is a good example of this, having experienced the
hottest summer on record, with 1.4 degrees Celsius above average, and 0.3-0.4
degrees Celsius above the previous hottest summer, recorded precisely the
previous year.
Europe is, in
fact, the continent where the thermometer is rising the fastest over the last
few decades: temperatures on European soil have been rising at twice the rate
of the global rate. There are several factors contributing to this – climate
systems are always complex and multifactorial – but Rebecca Emerton, the lead
author of the report, explained that this is because most of Europe is made up
of territory – and the soil warms faster than water bodies. "Atmospheric
dynamics also exert an influence," she told reporters during the virtual
press conference.
Much of western
Europe experienced heatwaves in 2022. The highest temperatures in this part of
the continent have reached levels ten degrees Celsius higher than the maximum
temperatures typical of summer. Temperatures in the UK have crossed the 40
degrees Celsius barrier for the first time. Southern Europe witnessed a record
number of days with "very strong heat stress". The average water
surface temperature of European seas was the warmest ever.
These climate
scenarios have opened space for unwanted combinations: higher than usual
temperatures that, combined with the lack of rain, have aggravated the episodes
of hydrological drought in Europe. This situation also favored the
multiplication and intensity of fires. 2022 was the year in which European
countries recorded the second largest area burned since there are records.
Carbon emissions from these summer fires were the highest in 15 years, with
some countries even recording the highest emissions in 20 years.
"These are
worrying trends," Carlo Buontempo, director of the Copernican Service for
Climate Change, said at the same time. The relationship we have today with
meteorology and climate will be very different from that of our descendants,
believes the official, for whom it is important to "take advantage of the
data we are able to gather" to produce changes.
Less snow, dry soils
Then there is the
problem of drought, which so afflicted Europe in 2022. There was not only low
rainfall throughout the summer, but also unique heat waves, giving rise to
prolonged drought conditions that affected sectors such as agriculture, river
transport and energy. For Mauro Facchini, it is important to plan and implement
adaptation measures linked to the management of water scarcity, such as the
creation of "different ways of storing water".
The annual soil
moisture anomaly was the second lowest in the last half century (although some
isolated areas had higher than average soil moisture conditions in 2022).
Samantha Burgess, deputy director of that Copernicus service, added that
Mediterranean countries – Portugal included – "tend to continue to face
drought conditions this spring and in the summer as well." "The soils
in the Mediterranean countries are incredibly dry," she said. "Most
likely, we're going to have a reduced agricultural harvest this year..."
In the winter of
2021/2022, there was less snow than usual. On the other hand, rainfall during
the spring was also below average across much of the continent. This dangerous
combination of little snow in winter and high heat in summer has led to a
record loss of ice from glaciers in the Alps, equivalent to five cubic
kilometres. During the press conference, Rebecca Emerton compared this gigantic
volume of ice to the Eiffel Tower. If we place this imaginary cube in Paris, we
will see that it would be 5.4 times the height of the French monument.
The two polar
regions faced unusual warming in 2022. Ice in the Antarctic Sea reached the
lowest minimum extent recorded in February. At the end of the year, Greenland
witnessed a record melting of the ice sheet, with at least 23% of the total
area impacted during one of the three heatwaves recorded in September.
As far as the
Arctic is concerned, 2022 was the sixth warmest year in the region, with
Svalbard (the Norwegian Arctic area) experiencing the hottest summer on record.
This thaw contributes, as we already know, to the rise of the sea. The data
available for the last six months of 2022 show, in line with scientific
forecasts, that the average sea level continues to rise, having reached a new
record last year.
The document
released on Thursday also assesses the potential for renewable energy
generation in Europe. In 2022, Europe received the highest amount of surface
solar radiation in four decades, which increased the capacity to generate
photovoltaic solar energy. The average annual wind speed in Europe has
maintained the average of the last 30 years. Rebecca Emerton stressed, however,
that the authors of the report valued only the climate factor in the chapter of
renewable energy, neglecting other aspects such as installed capacity.
When it comes to
greenhouse gas emissions, the report indicates that by 2022, global average
annual concentrations of carbon dioxide (CO2) and methane (CH4) will reach the
highest levels ever measured by satellite.
"The latest
synthesis report of the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) warns
that we are running out of time and that global warming has resulted in more
frequent and intense extreme weather events, as is the case in Europe. Only
accurate information and data on the current state of the climate can help us
achieve the goals we have set. The State of the Climate in Europe report is an
essential tool to support the European Union in the climate adaptation agenda
and in the commitment to achieve climate neutrality by 2050," concludes Mauro
Facchini, quoted in the press release.
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